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Entretenimento

Livro reitera o crime da Vale

Obra lançada hoje traz documentos que comprovam índices alterados pela alemã Tüv Süd

Marcus Eduardo Pereira

05/11/2019 7h00

Pedro Marra
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Em 25 de janeiro deste ano, a barragem 1 da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), se rompeu. Até o momento, 252 pessoas morreram e 18 estão desaparecidas por causa da enorme tragédia causada pelo empreendimento da mineradora Vale.

Mineiro de Belo Horizonte e editor executivo do jornal O Tempo, de BH, o jornalista Murilo Rocha estava de folga em Niterói (RJ) quando soube do desastre pela TV. Estarrecido, decidiu dias depois publicar o livro-reportagem Brumadinho: a engenharia de um crime — que será lançado hoje, às 19h, no Quanto Café, na 103 Norte. A data é extremamente relevante: hoje é também dia da votação final do relatório da CPI de Brumadinho na Câmara dos Deputados.

O livro — escrito a quatro mãos com o repórter de política Lucas Ragazzi, que então trabalhava na coluna Minas na Esplanada do mesmo jornal — reitera que a Vale tinha ciência de que a barragem oferecia riscos, já que o índice de segurança da estrutura era então de 1,06 — bem abaixo de 1,3, o mínimo mundialmente aceitável, e de 1,1, índice também mínimo estipulado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

A obra — uma “radiografia de momento”, segundo Rocha — descreve os bastidores da investigação dos delegados da Polícia Federal Cristiano Campidelli, Luiz Augusto Pessoa Nogueira, Rodrigo Teixeira e Roger Lima de Moura sobre a responsabilidade da Vale.

Ao todo, os dois jornalistas levaram cinco meses para elaborar o livro — escrito entre abril e setembro deste ano —, entre madrugadas assistindo a vídeos de CPIs e inquéritos. Além disso, Lucas e Murilo foram a Brumadinho e estiveram próximos da barragem da Vale em abril e, depois, no início de agosto deste ano. Lá, entrevistaram delegados, engenheiros, familiares e até uma professora de Geotecnia. “O tamanho do negócio. A imensidão. vendo pessoalmente, parece que você está num filme de guerra”, diz Lucas.

O resultado de toda essa pesquisa é um livro de 264 páginas. “À medida que fomos fazendo entrevistas, chegamos aos 18 capítulos. Não tirei férias do jornal nesse tempo — tanto que estava coordenando a cobertura”, recorda Murilo.

O jornalista conta que o livro apresenta um conjunto de fatores que resultaram no rompimento da barragem da Vale, que sabia da insegurança inerente à estrutura desde novembro de 2017. “Tem uma discussão da Vale falando que, se ocorresse uma tragédia, o plano de ação de emergência para barragens não estava pronto”, afirma.

“A gente teve de ser detalhista, porque envolve muita coisa. A polícia tinha levantado os inquéritos para nós. Tem uma troca de e-mails completa da Vale com engenheiros da companhia alemã Tüv Süd [de certificação, testes e inspeções] em maio de 2018, reconhecendo entre eles que a barragem não atendia à segurança mínima. E também uma discussão que, se ocorresse uma tragédia, o plano de ação de emergência para barragens não estaria pronto. É muito importante sempre debater esse assunto”, acrescenta o escritor.

A Polícia Federal realizou o primeiro inquérito sobre a tragédia em setembro deste ano. A Vale e a Tüv Süd foram indiciadas, bem como 13 funcionários das duas empresas — estes últimos por uso de documentos falsos e falsidade ideológica.

Com o objetivo de aprovar a barragem em órgãos de fiscalização, a empresa alemã criou, em 2018, parâmetros sem base científica que alargavam os critérios de classificação e incluíam a estrutura em uma faixa aceitável. Os engenheiros da consultoria adotaram um coeficiente mínimo de segurança de 1,05, sem respaldo técnico, tornando a barragem da Vale — com fator de segurança de 1,09 — teoricamente passível de regularização.

“Como um soco”

Também nascido em Belo Horizonte, o jornalista Lucas Ragazzi acredita que “o livro se torna um documento histórico sobre o desastre e sobre responsabilidades do crime, feito com uma linguagem e visão jornalística sem deixar de lado alguns elementos de literatura na construção da narrativa”.

Ragazzi estava num almoço com um deputado mineiro, em Brasília, quando soube do rompimento da barragem. O jornalista conta que, de repente, recebeu a informação pelas redes sociais no celular — e que ficou incrédulo.

“Assim que a televisão do restaurante confirmou a gravidade da tragédia, foi como um soco. À noite, retornei para Belo Horizonte para ajudar na cobertura”, recorda.

Segundo ele, o livro cumpre dois objetivos: trazer informações novas e exclusivas, e organizá-las com as que já existiam para tentar entender de que forma a tragédia aconteceu.

“É um livro-reportagem com origem em trabalhos de jornalismo investigativo: não apenas aproveitamos o material produzido pela investigação da Polícia Federal, como também fizemos a nossa própria apuração bastante aprofundada. Inclusive há uma entrevista feita para o livro, com um geólogo americano, que desmentia dados da Tüv Süd que o citavam, que foi remetida para a própria PF”, adianta.

Mariana

A data de hoje também marca os quatro anos do desastre semelhante de Mariana (MG) — que deixou 19 mortos e 362 famílias desabrigadas após rompimento da barragem de Fundão, no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 quilômetros do centro de Mariana. “Eu acho que é uma questão mais política. A importância é a mobilização dos parlamentares, para essa questão da regulação ambiental e a fiscalização do setor. Acho mais importante tanto os inquéritos da PF e da polícia civil”, opina Murilo.

Já para Lucas, “a CPI cumpriu um papel de representar a população com indignação, mesmo que, por muitas vezes, não tenha apresentado um grau técnico necessário como a PF tem”, analisa.

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