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Folhetim "Outro Lugar na Solidão"

De volta a O Bem Amado

Folhetim – Outro lugar na Solidão. Capítulo 4

Redação Jornal de Brasília

30/06/2020 8h09

Por: Marcos Linhares, Adriana Kortland e Marcelo Capucci

Do alto de seus 87 anos, Giacomo Modena Brecchia já ocupava a prefeitura por seis mandatos, interrompidos apenas por aliados ou oposições fajutas que nunca conseguiram afastá-lo do poder, seu real casamento.

Cacique da velha política, acostumado a enfrentar oposição, imprensa, processos, com muita lábia e cinismo, Seu Giacomo ora estava na cadeira principal do Executivo ora no centro das decisões e falcatruas da Câmara, ou de férias pescando com juízes ricaços. O prefeito se achava perfeito e tinha
tudo e todos na mão, literalmente.

Sua articuladora social, a primeira dama, Dona Layla Farah Brecchia, era herdeira de comerciantes libaneses bem sucedidos. Ela não hesitou em concordar com o casamento arranjado por sua família com o filho do fazendeiro mais rico da região. Sua maior obsessão era estar à frente do império que se formaria a partir dessa união.

A fortuna da família Brecchia, há quase um século na região, sempre deu o que falar, e Layla defendia seu território como uma leoa. Era como se sua vida girasse apenas em torno da manutenção do poder conquistado com seu marido.

– Esse povinho ignorante daqui não conhece a riqueza cultural dos italianos. Fica só no estereótipo da máfia, coisa de quem nunca viajou, dizia com frequência para suas amigas nos chás e bingos de caridade que promovia.

– Imagina, claro!, respondiam.

Dona Layla investiu tudo o que pôde na formação e na carreira de Giacomo Maurício, seu único filho, chamado carinhosamente de Giaco. Não poupou esforços para que ele estudasse Medicina em Oxford, na Inglaterra, e nunca deixou de tratá-lo como o príncipe herdeiro, o que exigiu dela muita habilidade como mãe e esposa. É que o relacionamento entre pai e filho foi sempre conturbado.

Desde a adolescência, Giaco questionava os métodos utilizados pelo pai para atingir seus objetivos, e isso gerou atritos constantes. Apesar disso, Giacomo pai queria o filho como legítimo sucessor, “dono da cidade”, “rei do gado”. Porém, tudo tinha que ser do seu jeito, sem abrir mão de politicagens e fisiologismos. Layla era a mediadora entre os dois, e esta atividade a levou a lapidar à perfeição sua capacidade de manipulação, afinal, ela queria tudo: fortuna, poder e a admiração de seu único filho.

Desde pequeno, Giaco deu mais espaço à sua mãe, permitindo até que ela articulasse seu casamento com Chiara Vicenza num dos seus badalados arranjos sociais, tal qual havia sido o dela mesma. Para Layla, o filho deveria se casar com alguém de estirpe superior e lhe dar um neto com sobrenome da aristocracia do velho mundo. A formação da pretendente nem importava tanto. O que importava era que no futuro outro sobrenome pomposo comandaria a cidade e lhe daria mais visibilidade do que nunca. Ela só não contava que seu filho fosse se apaixonar pela mulher debaixo daquele sobrenome, que não representava absolutamente nada para a sogra e sua entourage.

O prefeito tossia secamente enquanto, da varanda de seu gabinete, olhava para a praça central. Foi surpreendido pelo secretário de Saúde, Afonso Chess, que entrara sem agendamento prévio.

– Bom dia, Seu Giacomo, surpreso em me ver tão cedo? – Perguntou o jovem médico e político centrista que assumira a Secretaria de Saúde por causa dos acordos fechados na úlltima campanha eleitoral.

Giacomo não teve outra saída a não ser recebê-lo, torcendo para que o outro encontro, uma visita estrategicamente não agendada, não acontecesse.

Sorriso congelado no rosto, o prefeito o cumprimentou. Eles ainda não se tinham falado depois da festa da posse, e a situação estava delicada.

– Como vai meu filho? Disse o chefe do Executivo com ar irônico.

Chess foi direto ao ponto:

– A nota de compra das máscaras da importadora chilena que o senhor contratou cita 75 mil peças. Isso seria suficiente para atender nossos 500 funcionários por cerca de 50 dias, e com tranquilidade, para que cada um deles usasse três máscaras, ou seja, duas possíveis trocas por plantão. Mas, como o
senhor pode ver nesta mensagem aqui, enviada pelo seu próprio filho ontem à noite, não há mais materiais.

Metralhando o “doutorzinho ” com o olhar – assim Giacomo o apelidara junto à cúpula do governo – respondeu:

– Doutor, o senhor está querendo me dizer que aqueles putos não entregaram o material que foi pago com dinheiro público?

Sem pedido ou autorização, Chess puxou uma cadeira, sentou-se, retirou papéis de sua pasta e, colocando-os sobre a mesa, disse:

– Não, senhor prefeito, estou dizendo que os putos que negociaram com a prefeitura são extremamente corretos e pontuais. O problema é que o senhor e a sua bancada aprovaram um orçamento que poderia trazer 75 mil máscaras, mas só tivemos 30 mil entregues no hospital. Para mim, isso se chama superfaturamento.

– Prove! Atacou o prefeito, com olhar fuzilante, brilhando de suor e tossindo um pouco.

O secretário de Saúde levantou-se e, saindo do gabinete, disse:

– Ainda não posso fazê-lo, mas voltarei com uma decisão para o caso.

Assim que ficou só, Giacomo fez um telefonema:

– Jamil!

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