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Grupo Corpo estreia ‘Gil’, a nova obra com trilha de Gilberto Gil

Não é a primeira vez que o músico baiano recebe um convite para trabalhar com dança. Em 1995, ao lado de Carlinhos Brown, Gil assinou a trilha de Z

Lindauro Gomes

06/08/2019 8h24

Quando, em 1975, o Grupo Corpo estreava sua primeira coreografia, Maria Maria, com trilha sonora de Milton Nascimento, uma tradição começava a ser construída: uma dança que ensina a ouvir. Ao longo desses 44 anos, os movimentos de Rodrigo Pederneiras ofereceram possibilidades de escuta de grandes nomes da música brasileira, como Tom Zé, Caetano Veloso, José Miguel Wisnik. Agora, é a vez de Gilberto Gil, no trabalho que leva o seu nome. Gil fica em cartaz de quarta-feira, 7, ao dia 18 de agosto, na Temporada de Dança do Teatro Alfa, em um programa que também apresenta Sete ou Oito Peças para um Ballet (1994).

Não é a primeira vez que o músico baiano recebe um convite para trabalhar com dança. Em 1995, ao lado de Carlinhos Brown, Gil assinou a trilha de Z, da coreógrafa senegalesa Germaine Acogny para o Balé da Cidade de São Paulo. Dessa vez, o convite vem com uma responsabilidade a mais. “Tive um certo receio, especialmente porque eles, já ao me fazer o convite, manifestaram o interesse de denominar essa peça Gil. Aí, eu fiquei mais preocupado. O que é a música do Gil e, especialmente, o que é a música do Gil feita para um mundo todo coreográfico? Isso, de uma certa forma, já induzia a condução do trabalho”, explica Gilberto Gil.

A escolha de nomear a obra desde o início foi uma inversão no processo habitual do Corpo. “Normalmente, quando a gente escolhe algum compositor, uma das últimas coisas é o nome. E esse começou com Gil, o que me trouxe a responsabilidade ter o nome de uma pessoa com essa trajetória. Me soou até como uma presunção: quem é a gente pra fazer um trabalho com o nome Gil?”, diz, bem-humorado, o diretor artístico Paulo Pederneiras, e completa: “Gil é tanta coisa: África, Bahia, e não só. É impossível dizer tudo o que representa o pensamento dele. Como você representa isso? Mas é justamente disso que se trata: não é para representar. Quando você faz uma obra, o ponto de partida não garante, de maneira alguma, o resultado. Mas, dessa vez, o nosso ponto de partida é muito nobre, e com isso, uma dúvida: como começar?”.

A trilha de 40 minutos, explica Gil, foi dividida em quatro ambientes musicais: choro instrumental, uma abordagem camerística – com inspiração de Brahms ou Satie, improvisação e a construção abstrata de figuras geométricas. O público vai reconhecer fragmentos de xodós da MPB, como Aquele Abraço, Andar com Fé, Toda Menina Baiana, Sítio do Pica Pau Amarelo, mas com organização sonora envolta de tambores, distorções eletrônicas, afoxé, entre outros elementos; com um grand finale de um poema concreto que transborda e desvirtua a palavra corpo: cravo, cedro, flora, palco, perna, braço, pedra.

Com protagonismo de Xangô, a introdução é de um Alujá, ritmo característico desse orixá no candomblé, e do gesto que demonstra a sua presença no terreiro (“uma das mãos do bailarino bate no peito e a outra, nas costas”). Elementos de cultura afro permeiam a construção da nova obra, mas vale lembrar que a presença de tessituras afro-brasileiras é parte da história do Grupo, e não só em Gira (2017) e Gil, em que ficam proeminentes. “Claro, a coisa se radicalizou, mas a questão afro-brasileira sempre esteve, um pouco mais ou um pouco menos, dependendo da música. Eu faço a partir da música mesmo. O Gil me dá muitas brechas, deixas, espaços, como o Meta-Meta (trilha de Gira) também me deu, de jeitos completamente diferentes”, conta Rodrigo Pederneiras, o coreógrafo do Corpo.

Reverência

A luz ainda está em processo de construção e, ao que tudo indica, só ficará pronta às vésperas da estreia. A aposta, de Gabriel e Paulo Pederneiras, no uso do recurso de moving lights, tem dado dor de cabeça técnica: 10 horas para montar apenas 7 minutos. O cenário promete um grande tapete amarelo, quase como uma reverência à figura de Gilberto Gil, e figurinos de malhas pretas, com recortes que remetem à obra da artista plástica Joana Lira, assinados, como sempre, por Freusa Zechmeister. Para Paulo, trata-se da composição de uma “brasilidade moderna”.

A proposta da coreografia de Rodrigo Pederneiras é inventar um outro jeito de ouvir a partir do movimento: “Não tenho uma história para contar. Não é figurativo, não é narrativo. O jogo é fazer com que as pessoas escutem de outra maneira através do corpo. A música é um mergulho mesmo. Sempre uma tentativa de escutar o que não escuto em uma primeira, segunda ou terceira vez. É uma busca de tempo em cada trilha”, explica Rodrigo. Agora, imagina o que significa propor outra forma de ouvir Gilberto Gil? Pelo risco da proposta, é possível que o público encontre também com um novo modo de ver a dança do Grupo Corpo.

‘A trilha é um escancarar do meu gosto’, diz Gilberto Gil

A trilha de Gil conta com 60 horas de estúdio, além de reuniões de formulação, viagens a Belo Horizonte, levantamento de referências junto a Bem Gil e à banda. Em turnê pela Europa, o cantor e compositor Gilberto Gil falou ao ‘Estado’ por telefone, no ônibus-tour, em viagem pela França.

Ouvindo a trilha, a gente percebe a construção de várias referências de toda a carreira.

Inclusive, com algumas citações e trechos de canções, que foi um expediente que a gente acabou utilizando para estabelecer as marcas identificatórias da minha história musical. Então, tem mesmo um pouco isso.

Mas composta com outras lógicas, formulações, entradas. Acredita que, de alguma forma, essa composição propõe um outro modo de entender e ouvir Gil?

O Gil conhecido é o Gil da canção popular, das canções, com letra e música, propostas rítmicas muito claras, enfim. Nessa trilha de 40 minutos, o que tem ali, pelo menos na proposta que conseguimos realizar até certo ponto, é um escancarar do meu gosto, do meu modo musical. Nisso, entram as coisas que vêm da canção, dos gêneros brasileiros, mas também muita coisa que vem de outras referências, como música concreta, vem de campos do abstracionismo musical, do jazz, do free jazz, da composição livre, aberta, dos borrões sonoros, etc., que não são propriamente canções, desse campo que não são da minha composição costumeira.

Acredita que é um outro jeito de olhar a própria trajetória?

Não necessariamente de olhar a minha trajetória, mas no sentido de capsular, criar em uma cápsula de 40 minutos, vários elementos que remetam ao meu gosto melódico, rítmico, minha aproximação com esses campos de expressividade popular que estão ligadas à marca brasileira: do carnaval, do forró, do Nordeste. É inegável que essas coisas estejam ali, na minha própria leitura do trabalho, nos 40 minutos de composição, como também na leitura daqueles que vão ver, enfim, assistir o balé.

E foi prazeroso compor nesse outro contexto? Com outras provocações?

Foi muito prazeroso construir, é uma coisa fascinante. Música é uma coisa que está ligada a uma série de formas de expressão. Está ligada à própria dança, ao teatro, ao cinema, não é? Enfim, e no caso, ali, muito fortemente ligada aos modos brasileiros de se expressar. Mas também, tem muito elemento que vem do próprio estilo do Corpo. Você tem elementos que vêm desse campo mais aberto da dança contemporânea, que junta elementos clássicos com essa coisa que se difundiu no mundo inteiro, que é praticado nas academias, inclusive, que é o chamado jazz, a dança jazz. E tudo isso já está na minha própria música. A minha música é composta de elementos dessa variedade de fontes, de proveniências. Foi muito prazeroso e interessante.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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