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Cinema

Festival de Brasília: Mulheres dominam primeira noite de evento

Arquivo Geral

15/09/2018 14h00

Humberto Araujo/Festival de Brasília

Beatriz Castilho
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Conhecido tradicionalmente por calorosas discussões sociais e políticas, o 51º Festival de Brasília de Cinema Brasileiro deixou as bandeiras, literalmente, do lado de fora, em sua noite de abertura, nessa sexta (14), no Cine Brasília. Além dos tapumes que cercam as obras do metrô, campanhas políticas contornavam a estreita rua de acesso ao evento de inauguração, que ficou marcada pelas homenagens, filmes politizados na esperada sessão Hors Concours e tímidas manifestações da plateia.

Para a cerimônia, foram abertas as portas da Sala de Exibição 1 com mais de uma hora de atraso. A longa fila, que já se formava desde o horário previamente marcado, adentrou o espaço por volta das 20h30, completando as 606 cadeiras disponíveis no local. Para reger a apresentação, foram convidados Letícia Sabatella e Chico Diaz – irmão de Enrique Diaz, presente nas telas de hoje com o filme Los Silencios, de Beatriz Seigner.

Já no início, foram convocados os homenageados dos prêmios Leila Diniz e Paulo Emílio Salles Gomes. Orientando a cerimônia, o secretário de Estado de Cultura do DF, ator e produtor teatral Guilherme Reis iniciou discurso apontando extensa relação pessoal com o Festival – na qual já participou como ator, apresentador e espectador -, além da importância do evento para a cidade.

Colocando a festividade como um espaço democrático, o secretário afirma que o local reflete o Brasil diverso, assim como a secretaria na qual administra. “A Secretaria de Cultura adota os princípios que se refletem nesse festival. A questão da equidade de gênero [na secretaria], é regra. Olhar para Brasil diverso, é regra. Olhar as comunidades indígenas, quilombolas, ciganas, afro-brasileiras, é regra”, pontuou.

Ao agradecer “de coração” a liberdade concedida ao órgão, o secretário gratificou o governador Rodrigo Rollemberg, recebendo um misto da plateia fracionada entre aplausos e vaias. Aliás, o padrão se manteve durante toda a solenidade. Ao passar rapidamente a vasta programação do Festival, os apresentadores, propositalmente, deixaram uma brecha a partir de um título de uma das três mostras paralelas – “Onde Estamos e Para Onde Vamos?” -. A plateia, atenta, preenche a pausa do texto com gritos de “Lula Livre”.

Caminhando para a sessão Hors Concours, o curta paulista Imaginário faz as honras. Cristiano Burlan, diretor, juntamente com o diretor artístico do Festival, Eduardo Valente, sobem ao palco. Entre exaltações sobre importância do formato cinematográfico para o festival, Cristiano, inquieto, sucinta: “Imaginário é um filme de horror, mas espero que esse horror não continue”. Construído com imagens e sons de arquivo, o curta tem 18 minutos e fala tem a política brasileira como grande temática.

Domingo
Construído em recheados planos sequências, Domingo traz o contexto político de 1º de janeiro de 2003, para adentrar em diversas camadas das relações sociais de uma tradicional família gaúcha. Dirigido por Clara Linhart e Fellipe Barbosa, presentes no evento juntamente com o elenco, tem roteiro de Lucas Paraízo. “O texto foi tese de conclusão de curso do Lucas, em 2005. Ele viu Beijo de Sal (2006), que fiz com Fellipe, e quis chamá-lo para o projeto”, relembra a diretora, em entrevista ao Jornal de Brasília.

Assim, fazendo a ponte entre os dois, a ideia começou a sair do papel, sendo escrita em diversos editais, mas sem resultados. “O Lucas então chamou Marcello Ludwig Maia, que conseguiu arrecadar dinheiro para fazermos a produção em 2017, e estrearmos em 2018”, afirma. “No geral, foi uma grande sorte que os caminhos da vida e do cinema nos levaram a lançar o filme nesse momento tão crítico, nas vésperas dessa eleição que eu não preciso nem definir”, manifesta.

A trama se desenrola através de um almoço em família, em uma cidade rural no interior gaúcho. Entre as tradicionalidades que a família de classe média carrega, questões mais profundas permeiam a trama, passando por papéis de gênero, traições, drogas, sexismo e racismo. “Gosto muito da ideia de todo mundo é oprimido e todo mundo é opressor em algum lugar”, aponta Clara.

“Aliás a câmera mostra muito isso, de ficar uma hora do lado do oprimido outra do lado do opressor, para não comprar um dos lados, mas olhar com crueza essas pessoas, com a crueza que elas merecem”. Não só os diferentes pontos de vista marcam o filme. Com extensos planos sequências, a produção consegue juntar até 16 pessoas em uma cena sem cortes.

Lançado, e muito bem recebido, pelo Festival Internacional de Cinema de Veneza, Domingo teve estreia nacional em solo brasiliense. “Mas, poxa, você falar para o seu povo, das coisas que todo mundo sabe, que todo mundo entende, é maravilhoso”, afirma. Se as expectativas foram superadas, Clara dispara: “Sabemos que é um público que responde ao filme, e a gente trouxe um que é super complexo politicamente e pelas relações de poder, então não ter tido vaia, nossa!”.

Para além das tradicionalidades, ter o longa no Festival de Brasília de 2018, é, para a cineasta, relembrar o peso emocional que marca o descobrimento da festividade. Isto porque, a mãe, Ana Maria Galano, foi a última esposa de Joaquim Pedro de Andrade, e veio para homenagem de uma década da morte do marido. “Minha mãe tinha ficado de luto de 88 até 98. Quando ela voltou do festival, me mostrou folder, catálogo, fotos, e foi ali que vi minha mãe feliz pela primeira vez em 10 anos”, relata.

Elenco

Para a diretora, um dos destaques é Mateus (João Henrique Domingues), o mais novo do elenco. “Os atores foram muito respeitosos com quem está começando agora, conseguimos criar um clima no set de família mesmo. Por exemplo, a deixas do João são coisas da cabeça dele. Ele nunca leu roteiro, foi entendendo as situação pelo set”.

Não só nomes experientes, com Ítala Nandi (homenageada pelo festival com a medalha Leila Diniz), Camila Morgado, Augusto Madeira, Ismael Caneppele, Clemente Viscaíno e Chay Suede, o longa mistura também, por exemplo, Martha Nowill, Manu Morelli, Maria Vitória Valença e Silvana Silva, que dá vida à Inês, mãe de Rita (Maria Vitória) e empregada da família.

Ela, que ainda não tinha visto a produção, reitera a felicidade de estrear o título nacionalmente juntamente com o festival. “E é um espaço importante. Eu, como única negra do elenco, me vi na necessidade de homenagear a vereadora Marielle Franco”, afirma Silvana ao JBr. No caso, a atriz se refere à manifestação que movimentou a apresentação do elenco antes da exibição do filme.

Entre realidade e ficção, Silvana aponta construção da trama foi importante para entender as diversas camadas. “É um filme instigante, que te prende em várias questões”, aponta. “Por exemplo, começa calmo, com a cena das ovelhas, e vai ganhando ritmo, te conquistando. No fim, você já não sabe o que esperar e pensar”.

Exposição

Humberto Araujo/Festival de Brasília

Do lado de fora, a festividade faz do jardim lateral  um palco para bares, restaurantes, barraquinhas. Vigiando a movimentação, está uma exposição fotográfica, em cartaz na parede externa do Cine Brasília. Assinada por Mila Petrillo, Movimento em Movimento rememora a trajetória do festival, desde os anos 1980. Entre as figuras enaltecidas, Fernanda Montenegro, Rodrigo Santoro e Zé do Caixão, por exemplo.

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