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Escrita na cadeia, autobiografia de Dirceu é tentativa de acertar contas com Lula e PT

Arquivo Geral

10/09/2018 7h00

Atualizada 09/09/2018 20h56

Foto: Matheus Albanez/Jornal de Brasília/Cedoc

Eduardo Brito
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Sim, Lula deixa companheiros pelo caminho. Sim, Dilma Rousseff seguiu políticas desastrosas que levaram a seu impeachment. Sim, o PT cometeu erros que atrapalharam sua trajetória. Mas, feitas as contas, a verdade está sempre ao seu lado. O depoimento do ex-ministro José Dirceu em seu livro de memórias que acaba de ser lançado é rico em informações não só de sua vida pessoal, mas também de um longo período da história brasileira. Ninguém se iluda, porém: é um depoimento maniqueísta.

Existe um conceito básico latente em todo o livro: a marca do “nós contra eles”. Ao comentar a chegada de Lula, dele próprio e de seu partido ao poder, Dirceu diz textualmente o seguinte: “Havia um erro estratégico de avaliação, a suposição de que a oposição, e não só a partidária, aceitava a vitória de Lula em 2002 e respeitaria as regras democráticas e a alternância do poder”. Viria daí o processo que passaria pelo mensalão, pelo petrolão e, com muitas outras turbulências, chegaria ao impeachment – que Dirceu, claro, sempre chama de golpe.

Vindo de um cacique partidário que assistiu à expulsão dos petistas eleitores de Tancredo, que participou da derrubada de Collor, que puniu Luiza Erundina por participar do governo Itamar e gritou Fora FHC por oito anos, pareceria ingenuidade. Bobagem. Pode-se chamar Zé Dirceu de muita coisa, jamais de ingênuo. Inclusive porque ele jamais admite que houve corrupção envolvendo o PT. É “uma cortina de fumaça”, diz.

Mesmo o PT não sai tão bem na foto. Quer dizer, aí não se trata do partido, mas de correntes minoritárias que resistem a ouvir a verdade e se aproveitam da crise para enveredar por descaminhos que desgastam o caminho da virtude.
Só quem fica mal mesmo é a mídia. A cada passo se percebe como, na visão do ex-ministro, ela está sempre do lado errado. Raras vezes se encontra referência positiva a algum jornalista, assim mesmo propiciou informação privilegiada aos hierarcas do partido. Com certeza, José Dirceu sofreu investigações invasivas, que ele conta. Mas o que jamais se vê é referência à mídia fazer jornalismo. No livro, qualquer informação negativa para o PT é desqualificável – e desqualificada.

As memórias trazem longas lembranças da vida pessoal do ex-ministro, em especial de seus casamentos e de seus namoros – muitos. Porém, evidentemente, o que mais interessa são os relatos da suas ainda mais turbulentas trajetórias políticas, do movimento estudantil ao exílio e do retorno à democracia, com a criação do PT, a chegada ao poder e à sua saída.

Demitido, ‘abandonado’ e magoado

Os capítulos finais do volume, previsivelmente, são os mais chamativos. Ao relatar sua passagem pelo governo Lula, José Dirceu afirma que seu papel principal ali era representar o PT, acima de qualquer outro interesse. “Nos 30 meses em que permaneci no governo, sempre me coloquei na posição de petista”, escreveu. “Sabia da expectativa e da minha responsabilidade com os petistas e, mais do que com eles, com os eleitores do PT e de Lula”.

O livro ajuda pouco a esclarecer o período em que eles exerceram o poder lado a lado, mas é cheio de recados para o partido. É ao PT que Dirceu se dirige ao rever sua trajetória e sua relação com Lula.

Aos 72 anos, Dirceu escreveu a maior parte do livro quando estava na cadeia cumprindo pena. Sua mulher, Simone, digitou o texto depois.

Principal articulador político de Lula no Planalto e responsável pela coordenação dos vários ministérios, Dirceu se descreve como um auxiliar leal, mas não faltam demonstrações de mágoa e ressentimento. Impedido de discursar na comemoração da vitória de Lula em 2002, ele diz que pensou em se retirar e conta que depois precisou esperar 40 dias até o presidente eleito definir a posição que ocuparia no novo governo, no fim arrancada a fórceps.

Dirceu lamenta o tratamento recebido de Lula quando concluiu que sua permanência na Casa Civil era insustentável, na crise do mensalão. “Simplesmente me demitiu”, diz. “Foi melancólico”.

Ele afirma que se sentiu abandonado pelo governo e pelo próprio PT ao voltar à Câmara, que cassou seu mandato de deputado federal no fim de 2005. “Fui abandonado à minha própria sorte”, diz.

Não se pode, claro, levar como fato tudo o que ele diz, mesmo estatísticas. Diz, por exemplo, que nos últimos três anos (ou seja, governo Temer) perderam-se 3,5 milhões de postos de trabalho. O dado real é que de 2014 a 2016, governo Dilma, o desemprego saltou de 6,7 para 11,6 milhões de brasileiros. Uma alta de quase 5 milhões. O livro de José Dirceu, dessa forma, vai além das memórias pessoais. Faz história, ainda que uma história engajada.

Ze Dirceu – Vol 1
Autor: José Dirceu
Editora: Geração
Páginas: 554
Preço médio: R$ 41,90
Este é o primeiro volume das memórias e abrange a vida do ex-ministro desde a infância até o escândalo do mensalão.
Dirceu já começou a escrever o próximo livro e quer lançá-lo em 2019. Ele anuncia balanço do governo Dilma e do impeachment, da Lava Jato e de suas relações com empreiteiras e fornecedores da Petrobras.

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