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Coronavírus é inspiração para artista plástico pernambucano

Di Garias se inspirou em obras consagradas para fazer releituras

Redação Jornal de Brasília

13/05/2020 7h00

Atualizada 12/05/2020 18h47

Casal beijando de máscara, de Di Farias

Gabriela Gallo
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

A ameaça do coronavírus tornou-se a inspiração para a composição do artista plástico Di Farias, de 50 anos. Ele trata, em cores fortes, temáticas como o distanciamento social, a luta pela vida  e o combate ao vírus, com uma leitura e ponto de vista do povo nordestino. Jorge Di Farias cursou desenho no Liceu de Artes e Ofícios em Recife e pintura na Meyer Le Bien em Paris. Em seus 30 anos de arte, já ganhou 33 prêmios e tem 6 mil obras em 50 países.  “Como eu sou um pintor expressionista, eu expresso muito em cima das cores e das formas”, afirma. Confira abaixo a entrevista:

Como uma pessoa que vive de arte você foi muito prejudicado nesse período de quarentena?

“Não diria prejudicado, mas sim. É uma palavra forte, mas é a verdade. Tudo parou. Na verdade a arte é a primeira a sofrer, é a primeira a sair de cartaz e a primeira a ser deixada de lado. As pessoas correm pra outras prioridades, e é claro que existem outras prioridades, e a arte vai sendo esquecida, infelizmente. Até porque, a gente sabe a importância da arte na vida de todos nós. Mas as pessoas estão na correria tentando resolver outras questões e acabam deixando a arte de lado. A arte é a primeira a ser prejudicada e a última a sair dessa roda, porque infelizmente as pessoas não ligam muito pra esse detalhe que nos faz tão bem. Eu costumo dizer que é importante ler, nem que seja ao menos um trecho de um livro, diariamente, ouvir uma boa música e contemplar uma obra de arte. Eu costumo dizer isso mas infelizmente a arte é a última a sair desse ciclo, a sair dessa poeira toda, a última que vem a se recuperar e a primeira que sofre. 

Como faz pra divulgar o seu trabalho?

“Nós temos o site, ‘difarias.com’ , tem várias obras lá. A gente também tem muitas obras no instagram (@difariasatelier), temos algumas também na fan page do facebook e a loja física que fica em Olinda – uma àrea de 120 metros quadrados com 200 obras, esculturas, pinturas, tenho peças grandes, tem muita coisa.

Nesse período em que, quem pode, deve ficar em casa você acha que as pessoas estão consumindo mais artes do que antes? 

“Eu vejo a arte visual e as artes plásticas, a pintura em específico – pintura, escultura – essa aí não tem muita alternativa se a gente não buscar os meios pelas redes sociais, os meios de divulgação, os meios pra mostrar ne? [Eu] tô até pensando, trabalhando em vídeos de pintura ao vivo, em lives também. Eu pinto ao vivo e geralmente eu faço apresentações em pintura in loco, dentro e fora do país eu já fiz muito isso. Então a gente acaba pegando umas dicas e, com essa experiência a gente pode fazer umas lives de pintura ao vivo. Até porque eu tenho pinturas que, mesmo mostrando ao vivo o passo a passoa gente pinta em 30min/40min um quadro, tem pinturas que dá pra fazer nessa velocidade.

Cada obra leva em torno de quanto tempo para ser feita?

“Como cada obra tem uma alma, cada uma é única, existem obras que eu posso pintar em 30min e existem obras que eu posso pintar em 3 meses. Varia muito pelo tamanho, pela inspiração, pela alma da obra (que é o desenho). Nessa parte do estudo você já começa a criar, já começa a compor e contar tempo, desde o estudo. 

Suas pinturas em um geral usam muitas cores. Isso está ligado ao que você quer transmitir sobre o nordestino ou é um estilo pessoal?

“Exatamente. Eu uso sempre as cores muito fortes para expressar a força do nosso povo nordestino. A força do brasileiro, eu como nordestino, a força do nordestino e do brasileiro como um todo. A força do nosso povo, essa energia, essa vontade, essa determinação eu expresso através das cores. Como eu sou um pintor expressionista, eu expresso muito em cima das cores e das formas. Mas a cor é realmente muito presente, muito forte, muito predominante no meu trabalho por conta desse detalhe: a força do povo nordestino, do cotidiano do povo nordestino

Quais foram as suas inspirações nos seus últimos quadros relacionados ao isolamento da Covid-19? Há um quadro de um casal se beijando de máscara e lembrei do quadro “Os Amantes” do René Magrite e outro com o dedo de Deus lembrando “A criação de Adão” de Michelangelo

“Além de Magrite, também tem o trabalho de “O Beijo” de Rodin [escultura]. Não é uma releitura, eu abro mão, na verdade eu nem pesquiso outros artistas. Eu estudo muito, já estudei muito mas quando vou criar uma obra eu abro mão completamente de qualquer informação de outra referência para que surja a minha proposta. Na verdade aquele quadro (eu sei da existência do Renê), eu quis mostrar que o amor prevalece, que é preciso encontrar alternativas para continuar. Tudo passa, isso é só mais uma poeira. Realmente tá bem complicado mas vai passar, vai dar tudo certo então devemos seguir em frente. O amor prevalece aquele quadro representa alternativas para que se mantenha nesse período e que depois, normalizando, arredonda isso pra normalizando no geral. Tudo vai se tornar normal, tudo vai retornar, tudo se tornar novo de novo, bom de novo e continuemos seguindo. 

Casal beijando de máscara, de Di Farias
“Os amantes”, de René Magrite

“A outra obra sobre o dedo de Deus, aquela mão grande, apontando a luz. Ali eu foquei num direcionamento, é uma reflexão para que nós possamos entender e refletir o que somos e o que estamos fazendo. A nossa força é muito pequena, nós somos muito importantes nesse universo sim, mas somos muito pequenos. Então ali ele aponta a luz, vem um dedo indicador em direcionamento apontando a luz e, nesse feixe de luz, uma criança se estica para tocar, para tocar naquele dedo. O feixe de luz também se direciona também para uma plantinha verde que ali representando também o cuidado que devemos ter com a natureza. Essa luz direciona pra essa plantinha e nesse caso, ela fala de renovação, de cuidado, que devemos mudar completamente o nosso conceito, pra que possa viver em harmonia. No final do quadro (3º plano), você observa que vem uma multidão de máscaras que vem saindo da cidade, vem saindo de uma situação carregada, vermelha, também em busca dessa luz. Somos todos nós buscando esse feixe de luz e essas alternativas. 

Foco em Adão tentando tocar no dedo de Deus na obra “A criação de Adão”, de Michelangelo
Criança tentando encostar no dedo de Deus

Nos seus antigos quadros teve um que me lembrou o retiro [do nordestino] na questão da seca, lembrei o livro “Vidas Secas” do Graciliano Ramos. Nessa situação de quarentena em que vários profissionais autônomos estão cada vez sem pode exercer seus trabalhos, como você acha que mostrar essas pessoas através da arte pode ajudar essas pessoas de alguma forma?

“Só focando em relação ao trabalho, volto a dizer que não é releitura mas foi inspirado sim em Graciliano Ramos (lá mostramos Baleia e tudo mais) mas é também um retrato de algum tempo. Algumas pessoas ainda se retiram e deixa seu habitat, sua casa, e vão em busca de dias melhores, de situação de vida melhor, então aquilo é um retrato do nordestino literalmente. Hoje até já estão fazendo caminhão ao inverso: os caminhões saem hoje da cidade grande voltando pro seu interior e ta mais seguro, mais interessante de ver.

Em relação ao quanto [a arte] pode contribuir nesse momento. Como eu falei no início eu acho que a arte é imprescindível, as pessoas precisavam estar mais próximas da arte, conviver mais com ela e ter mais acesso. Na verdade a arte, mais ainda nesse momento, ela vem pra atenuar, pra fazer você refletir. Se você tem uma obra de arte, e você só adquire uma obra de arte porque ela te faz bem, você não compra um quadro – infelizmente algumas pessoas ainda adquirem, mas não é essa a ideia – a gente não deve comprar um quadro meramente decorativo, não é o interessante a gente adquirir uma obra de arte porque ela é “bonitinha” e combina com o sofá. Não é esse o intuito. A gente deve ser escolhido pela obra, é você olhar e a obra se identifica, você se identificou com ela e ela te passou algo, te desperta algo. Você se sente bem quando vê aquela obra, do jeito que a gente se sente bem quando escuta uma boa música. A gente sabe, existem pessoas que choram ao ler um livro, existem pessoas que choram ao ouvir uma música e existem pessoas que choram ao contemplar uma obra de arte. Isso é o que a arte nos proporciona, é isso o que ela nos traz, elas nos tocam. Então, se elas nos tocam e se trazem algo de muito bom pra gente, bom que esteja em nosso ambiente, em nossa sala, em nosso convívio, próximo da gente. Então, se nesse momento a gente não pode levar a obra de arte fisicamente ou diretamente pra tal pessoa, […] mas se não é dessa maneira, no caso não é dessa maneira, a gente pode apresentar pelas redes sociais e levar um pouco dessas cores, da alegria, do otimismo e dessa vibração positiva empregada no trabalho em específico (na obra em específico) e enviar pras pessoas, atenuando um pouco mais a situação e levando um pouco mais de alegria pra esse pessoal. 

Em uma de suas obras há uma que você desenhou dois pássaros bem coloridos, tem muito o uso das cores. O que seriam esses pássaros?

“Aquilo é uma briga, uma disputa, uma rinha de galo, são galos. Ali tá representando essa disputa que tá havendo em nosso país, independente de – claro, se agravou mais nesse momento do corona – mas existe uma disputa absurda e, se você não prestar muito bem atenção, algum te enrola de um lado, algum te enrola de outro, um te puxa pra cá, o outro puxa pra lá. E a gente fica no meio dessa confusão toda sem saber o que é o bom e o que é o ruim, o que é o bem e o que é o mal. Eu representei pela briga as aves, a briga de galo no caso, e a gente não sabe quem tá ganhando e quem tá perdendo. Isso representa o momento que a gente ta passando em relação a essa politicagem toda, essa situação toda que está rolando e que nós somos afetados direto ou indiretamente. 

No início da entrevista você comentou que é um artista expressionista, isso se vê presente nas suas obras. Nas suas outras obras quando o foco é a mão de Deus ou a pessoa com asas de anjo apontando a espada não vemos seu rosto, mas no quadro com o beijo de máscara vemos a expressão do casal. Não mostrar diretamente a expressão dos personagens é para dar o foco no que você quer mostrar?

“Justamente. O fato de ser expressionista, e eu trabalho muito em cima da expressão gestual, o que interessa é o movimento, não me interessa a expressão facial. Em outras palavras, não me interessa dizer quem é, apenas o que é. Esse é o foco principal do meu trabalho, até porque, isso também é muito bom porque qualquer pessoa dependendo do seu momento em específico, qualquer pessoa se identifica e pode estar lá trocando de lugar com a personagem, com a imagem. Já no caso do beijo [com as máscaras], precisava mostrar também a expressão deles. Ali não tá dizendo quem é, mas tá sendo representado e tem uma expressão muito dirigida em cada um deles, mostrando que é preciso dar continuidade. 

Veja algumas outras obras sobre a Covid-19:

“Escute seu silêncio”. A pintura mostrar que devemos fazer uma reflexão de quem somos e o quanto podemos aprender com a situação. O mar dentro da personagem representa um mar de expectativas, paciência e esperanças
Uma homenagem a todos que estão no fronte de batalha
“Auto reconstrução”

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