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Artista de rua na Bahia evoca feminismo e luta antirracismo em grafite

“Eu comecei em 2015, assistindo a vídeos. Eu realmente queria estar na rua mas não sabia muito como. Então, eu comecei a ver vídeos sobre técnicas para aprender”, relembra

Agência UniCeub

20/07/2020 15h00

Clara Lobo
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

Artista de rua e ilustradora, a baiana Ananda Santana, de 24 anos, preza por imagens coloridas e vivos, normalmente com representações de mulheres negras. A artista comenta que busca também representar lugares que já visitou em combinação com pessoas que estavam nesses cenários. 

“Eu comecei em 2015, assistindo a vídeos. Eu realmente queria estar na rua mas não sabia muito como. Então, eu comecei a ver vídeos sobre técnicas para aprender”, relembra. No mesmo ano, Ananda teve a oportunidade de passar para um curso de formação em grafite e feminismo, em Salvador. Lá, ela e outras meninas tiveram uma formação técnica, e a grafiteira reforça que houve um acolhimento por parte das organizadoras, o que possibilitou estudos, bons entendimentos e belas pinturas. 

Após aproximadamente um mês, a turma conseguiu ir para a rua e formaram um coletivo com oito mulheres. O movimento durou um ano, também participaram de exposições em conjunto e fizeram muitos trabalhos, mas mesmo com o fim do coletivo, alguns encontros permaneceram. 

“Eu não me conheço sem ter desenhado, sabe? Eu sempre desenhei, sempre estudei, sempre gostei”. Mesmo antes do grafite, Ananda já ilustrava, seus trabalhos são feitos em aquarela ou acrílica, e agora, mesmo que com um pouco de resistência, também está se adaptando para o meio digital. Seu objetivo é representar pessoas próximas, amigas. “O meu conceito é voltado para a representatividade de mulheres negras. Eu também gosto muito de pegar fotografias de colegas artistas, que tenham um olhar semelhante ao meu e transformar em ilustração ou grafite”, explica. 

Como muitos artistas, Ananda não vive só da renda proveniente de sua arte. Ela trabalha em uma gráfica há cerca de três anos e hoje junta um pouco com a renda proveniente da arte. “É algo que também de certa forma envolve arte, envolve cores, impressões.”

Dentro da universidade

Ananda é estudante de artes na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e relata que a maioria de seus professores não são negros e isso influencia no que é ensinado e avaliado. “O que mais ensinam é a arte colonial e europeia, nada contra, também é importante, mas arte não é só isso.”

A jovem lamenta que já foi diretamente questionada por professores da universidade: “Já ouvi várias vezes de um professor que o que faço não é aquarela. Poxa, para mim é, eu comprei o material de aquarela, eu uso a técnica, estudo a técnica, como é que ele pode me dizer que não é aquarela? E você vai vai passando por isso e tendo que mostrar que não está brincando, é uma luta constante”, desabafa. 

Mural pintando por Ananda Santana em Salvador

Enquanto artista negra, Ananda percebe que outros artistas negros devem seguir com a luta constante. “A gente está lutando para ocupar espaços na arte, não só para que sejamos lembrados como artistas negros, mas para que sejamos lembrados porque nosso trabalho é bom e merece estar ali”, ressalta.

“Para mim a faculdade de arte deveria basicamente passar a técnica, o conceito, a forma de usar determinado material, deveria instruir, mas não dizer o que você deve ou não fazer, o que você deve ou não pintar para que seja um artista renomado. Acho que deveria ter um cuidado com o que é passado para os alunos”. A artista percebe que muitas pessoas entram para o curso por diversão, muitos desistem, enquanto há outras pessoas que fazem por amor e por acreditarem na arte. 

“Espaço elitista”

Levando um pouco a indústria da arte para Salvador, o mercado é basicamente guiado pelos professores das escolas de belas-artes, que são grandes comunicólogos, designers, curadores, que dificilmente enxergam os trabalhos de artistas e estudantes negros. “Nosso trabalho só é visto, basicamente, em novembro (mês da consciência negra)”, relata a grafiteira. 

“Quando a gente vê um artista negro ocupando um espaço de arte, uma grande galeria, é uma felicidade muito grande. Sabemos o quanto é difícil ocupar esse local. Muitas vezes você tem que se adequar a determinado padrão para conseguir ir para frente.”

E a questão elitista também está presente nas entrelinhas, como explica Ananda sobre os preços dos materiais. “Chega a ser frustrante, você está dando o seu melhor, comprando material que muitas vezes é muito caro”. Muitos artistas, infelizmente, possuem outras prioridades e demandas financeiras e não conseguem acompanhar o valor dos produtos, acabando por abandonar o meio artístico. 

“São materiais que são absurdamente caros, muita gente que está começando não tem condição para comprar, é muito difícil”. Muitas vezes não é nem a questão da cor da pele que inibe a entrada de artistas negros para o meio, mas sim suas condições financeiras, que por sua vez acabam levando a um ciclo social e racial eterno.  

A luta por espaço

“Já sofri preconceito por ser mulher negra no mundo da arte inúmeras vezes. Frequentemente somos preteridas por outras mulheres, mulheres não negras”. Ananda compartilha que muitas de suas ‘irmãs’, incluindo ela, mesmo fazendo um trabalho bacana em determinado espaço, não são vistas, são preteridas por ‘irmãs’ não negras, como a artista as chama. 

Ela relembra também a questão do privilégio, há situações em que artistas mais favorecidas se esquecem que já haviam outras artistas que ocupavam o espaço e fazem do mesmo. “Estava ali, fazendo a mesma coisa, pintando da mesma forma mas a gente não consegue ocupar esse espaço, sabe? É algo que você tem que estar provando o tempo todo que você é muito boa, que o se seu trabalho é muito bom. Na minha cabeça tem espaço para todo mundo, a gente não precisava estar nessa luta constante.”

Ao conversarmos sobre a questão de privilégio branco e preconceito, Ananda partilha uma situação incômoda: “A minha linha de trabalho é mulheres negras, aí vem um outro artista que não é negro e vende a mesma arte, e consegue ocupar nossos espaços, nossas galerias, nossas ruas, isso é bem complexo”. Para a baiana, isso é algo que vai do bom senso da pessoa e outrora de como a sociedade e o estado enxergam corpos negros ocupando e fazendo arte. 

Responsabilidade

“Ser uma artista negra é um peso muito grande, uma responsabilidade muito grande. Você serve de inspiração para outras. Para mim é muito mágico saber que quando estou pintando têm meninas e mulheres negras olhando e se inspirando”. Basta estudar, querer e acreditar no seu potencial, Ananda incentiva. 

Ananda Santana, de 24 anos, é estudante da UFBA

“Eu vejo como uma responsabilidade muito grande. Aquilo que fazemos tem que ter uma mensagem, tem que comunicar e aproximar meninas, mulheres, homens que estejam abertos a entender e a acompanhar a nossa causa”. Como artista preta, Ananda enxerga o peso de conseguir transmitir algo com sua arte para os que a recebem e também questiona o ‘ser’ artista. 

“Eu gosto muito de ser artista, é até um peso essa coisa de ser artista. Porque para mim é algo que eu gosto de fazer, sempre gostei. Atualmente eu vejo como algo mais profissional, mas sempre gostei. Hoje vejo como um peso de responsabilidade com o outro, ainda mais estando nas ruas.” 

 

 

 

 

Por que só agora?

Com o movimento internacional Black Lives Matter intensificado ao redor do mundo devido à morte de George Floyd em 25 de maio deste ano, as páginas de diversos ativistas e artistas negros cresceram na internet. A questão que fica é: por que só agora?

“Poxa, engraçado isso só agora, né? Precisou acontecer um fato pesado, uma mobilização assim. Nossas redes subiram bastante, muita gente olhando, mas o que a gente precisa mesmo é que não seja um apoio momentâneo, que não seja um apoio de onda”. A artista ainda comenta que além do apoio nas redes sociais e na divulgação, é necessário um apoio papável. 

“A gente está precisando de dinheiro, a gente está precisando de ajuda para pagar a casa, as contas, comprar comidas. A gente precisa viver com o nosso trabalho, não apenas sobreviver”. Mais uma vez a grafiteira ressalta que há espaço para todos e que essa mobilização deve perdurar além do momento atual. “A gente precisa ter muito cuidado em como divulgação está sendo feita, quem são essas pessoas que estão divulgando, afinal sempre estivemos fazendo arte e produzindo.”

 

Mural pintado pela artista Ananda Santana em Salvador

 

Ananda também reflete a importância das pessoas conversarem com o artistas, de criarem um laço afetivo, e que o apoio não permaneça apenas como algo vazio e restrito a uma tela de celular. 

“Não é só chegar, divulgar e acabou. Não é bem assim. Vai trocar uma ideia com aquele artista, ter uma relação de aproximação. Eu acho que isso é muito importante, realmente ajudar a abraçar a causa, não só falando que é anti racista, se não o movimento cai por terra”, reflete a grafiteira a respeito do fortalecimento das causas anti racistas. 

“Neste momento de crise, é muito importante que nós, artistas negras, estejamos produzindo, mostrando que estamos fazendo, estudando. É um momento muito rico de informação, então precisamos lapidá-la para transformar em arte”. Enquanto não pode estar na rua grafitando, Ananda percebe que é o momento ideal para se reinventar. Portanto, está investido em em seus desenhos em acrílica e aquarela e tem até conseguido tirar uma renda desses trabalhos, o que tem servido de estímulo e aprendizado. 

Em Salvador, fizeram a campanha “Arte Salva Artista” com o intuito de artistas venderem prints e telas a valores acessíveis, para que assim consigam uma renda para pagar necessidades básicas, como a conta de luz ou uma cesta básica. 

“Estamos conseguindo vender, ter uma visibilidade. É um momento de inventar mesmo, para conseguir colher algum fruto disso tudo. Tem muita gente que não está conseguindo produzir, é compreensível, é um momento muito difícil para todos nós”. Mas mesmo em meio à pandemia do coronavírus e a uma crise social, Ananda percebe que ao voltar para as ruas terá tido uma grande evolução. 

 

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