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Cinema

“1917” é o apogeu dos filmes de guerra

Leonardo Resende

24/01/2020 16h29

Uma das atribuições mais fidedignas do cinema é a sua funcionalidade como um reflexo direto da realidade. Alguns gêneros (drama, principalmente) entrega uma margem excepcional para esse acontecimento. Retratar instantes históricos da humanidade tem sido um dos maiores marcos da sétima arte. Longas-metragens que refletem temáticas como: holocausto, guerras mundiais e escravidão, são as mais necessitadas e também as mais utilizadas atualmente.

Dentro disso, há uma discussão de que “existem filmes demais sobre tais assuntos”. Uns apoiam abolir tais temáticas, outros já não acham o suficiente. Não é preciso mais palavras para expressar que, a primeira opção é um disparate imenso, por isso, 1917, filme que está disponível nos cinemas da cidade a partir dessa semana, é um mergulho – dos mais profundos, extraordinários e necessários da sétima arte – no subgênero de Guerra.

Ambientado na Primeira Guerra Mundial, dois soldados do exército britânico têm a impossível missão de atravessar campo inimigo para entregar uma mensagem que pode salvar um grupo de 1600 soldados.

A luta contra o tempo em 1917. Foto – Divulgação/Universal Pictures

Quem dirige

Sam Mendes teve um início triunfal na carreira cinematográfica. Seu primeiro filme Hollywoodiano foi o grande vencedor do Oscar 1999. Além do prêmio principal, Beleza Americana rendeu o prêmio de Melhor Diretor. Mais tarde, Mendes se aprofundou em uma adaptação de quadrinhos com Tom Hanks, o violento Estrada Para a Perdição. Com duas películas, o diretor provou que todo adereço estético poderia ser uma licença para a narrativa.

Ou seja, tudo implícito imagéticamente em cena tinha um sentido para a ambientação dos seus personagens. Quase sempre – pois existem alguns deslizes em sua carreira, como o oscar bait Foi Apenas Um Sonho – Mendes trazia a humanidade como ponto de ebulição de seus personagens, como é o caso de Kevin Spacey em Beleza Americana: o grande despertar do personagem é sobre como ele deixou de ser “humano” por conta de sonhos pasteurizados (e industrializados do império americano).

Aliar visual com roteiro: marca registrada de Sam Mendes. Foto – Divulgação

Anos mais tarde, Mendes engatou um projeto inusitado e dirigiu 007 – Skyfall. Ao lado do mestre Roger Deakins (com quem já havia realizado Estrada Para a Perdição), o diretor fez o melhor James Bond da história do cinema, agregando aos personagens a roteirização humanitária citada acima. Após o mediano Spectre, Sam Mendes embarcou em 1917, que talvez seja o melhor filme da sua carreira.

O filme, que ganhou fama nas redes sociais devido a escolha criativa de ser um plano-sequência intacto, provou como toda a criatividade técnica, emotiva e estética havia sido usado em pequenas doses durante sua carreira. 1917 despeja todo o estoque energético que Mendes acumulou com sua filmografia. Se ele havia aprendido tecnicamente como realizar um filme de época em Estrada para a Perdição, ele aperfeiçoou seus dotes de atmosfera infernal com Skyfall, deixando explícito que todos os títulos dele antes desse fossem apenas filmes de realização empírica. 

The “Mendes” touch em 1917

ATENÇÃO SPOILERS

Em uma das cenas de 1917, o protagonista é obrigado a se esconder em uma casa meio os escombros causados pelos bombardeios. Nela, ele encontra uma mulher com uma criança pequena. Quando se trata de filmes de guerra, existe uma posologia delicada para não invadir o território do melodrama. Devido ao clima incessante (a fotografia de plano sequência colabora para tal feito), os tons de melodrama são quase nulos, dando espaço para desenvolvimento de humanidade dos personagens (como acontece nesta cena). É uma instante de muito estorvo dramático, estético e realista. Aliado à fotografia e ao design de produção, há momentos que, tanto este citado quanto outros cenários, trazem um sentido cinestésico ao filme. 

O Mago por trás das câmeras

Roger Deakins é um dos maiores diretores de fotografia de todos os tempos. Indicado à 15 Oscars ao longo da sua carreira (incluindo 1917), Deakins finalmente ganhou seu primeiro troféu em Blade Runner 2049.

Trabalho de Roger Deakins em A Estrada Para a Perdição: sensibilidade técnica para lidar com humanidade. Foto – Reprodução/Internet

Assim como Sam Mendes, mas com a diferença de atribuir isso às imagens, Deakins sempre teve uma parceria intensamente frutífera com o cineasta. Em a Estrada para a Perdição, Deakins usou seus tons frios para criar um ambiente neo-noir. Em Skyfall, o fotógrafo conseguiu ambientar um mundo high-tech, sempre enfatizando os aspectos visuais que conversassem com o roteiro do diretor. Em 1917 não é diferente.  Seu plano-sequência – que já foi visto em Skyfall – é melhorado ao máximo neste filme.

Identidade Bond metaforicamente vista em cena: outra conquista estupenda de Deakins e Mendes. Foto – Divulgação/MGM

A orquestra da batalha

Além de Deakins, Mendes possui outro grande aliado na construção criativa de 1917. Thomas Newman – com quem o diretor trabalhou em Beleza Americana, Skyfall, Spectre e Estrada para a Perdição – também entrega um dos trabalhos mais lindos de sua carreira. Newman consegue fugir do genérico e criar uma trilha tão bela quanto agonizante, vide The Night Window, cena em que o soldado britânico foge dos inimigos em uma cidade em ruínas. Se Hildur Guðnadóttir não estivesse concorrendo por Coringa, Newman ganharia seu primeiro Oscar (após 15 indicações ao longo da carreira).

Antes que o espectador incorpore o status “é mais um filme de guerra”, é de caráter extremamente justo, analisar a carreira de ambos realizadores (Mendes e Deakins) e entender que 1917 não é apenas o apogeu técnico, estético e dramático de suas carreiras, mas é também, um momento de aprendizado sobre os acontecimentos mais derradeiros da história da humanidade.

E, além disso, despertar para reflexão que, filmes, documentários ou qualquer manifestação artística nunca serão o suficiente para amenizar a dor daqueles que morreram – tanto espiritualmente quanto fisicamente –  em uma guerra. E mostrar para futura gerações, o grande impacto de uma guerra para a humanidade de um indivíduo.

1917 é apenas mais um filme de guerra. Foto – Divulgação/Universal Pictures

1917 prova, mais uma vez, que o cinema não é limitado apenas ao entretenimento. Este filme, é a prova mais verosímil de que a sétima arte é um portal impressionante para a reflexão, suporte dramático e inspiração.

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