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Brasília

Um ano da morte da inocência

O bárbaro assassinato do menino Rhuan, que chocou o país, ainda não tem data para o julgamento

Olavo David Neto

01/06/2020 6h33

À espera de um julgamento

Pandemia do novo coronavírus adiou audiência das assassinas do crime que chocou o país

“É do meu filho. Eu o matei”, disse Rosana Auri da Silva Candido quando questionada pelos agentes da 26ª Delegacia de Polícia (DP), em Samambaia. Há um ano, a acreana e sua companheira, Kacyla Priscyla Damasceno Santiago, chocaram o país inteiro depois que degolaram e mutilaram o corpo de Rhuan Maycon da Silva Candido, de apenas 8 anos. Desmembrado, o corpo do menino foi colocado em duas mochilas escolares e uma mala de viagens — depois de ter membros postos na churrasqueira “para amolecer a carne”, como contaram as autoras.

O episódio marcava o fim de uma saga que beirava os cinco anos, desde que Rosana buscou o filho na casa dos avós paternos em dezembro de 2014. Desde então, às margens da lei, ela, Rhuan, Kacyla e G. passaram por ao menos sete estados. No Distrito Federal, após um breve período em Ceilândia, alugaram a residência final da fuga cinematográfica. Detidas, as duas confessaram uma série de crimes cometidos ao longo de quase meia década, inclusive pequenos furtos, falsidade ideológica e abandono intelectual, já que as crianças não frequentaram a escola durante o período clandestino.

Dor e mutilação

A declaração que mais chocou os agentes foi o relato de mutilação cometido por Kacyla e Rosana. Um ano antes da morte, Rhuan tivera o pênis decepado de forma rudimentar, dopado com comprimidos de Dipirona e rasgado por uma lâmina de cozinha.

Quando deixou o Acre, o casal sumiu do mapa familiar. Com mudanças frequentes de moradia e nomes — Kacyla utilizava o segundo nome, enquanto a companheira se apresentava apenas como Ana —, foi difícil para Rodrigo Oliveira, pai de G., e Chaguinha encontrarem qualquer pista do paradeiro das duas. Com informantes clandestinos dentro da Caixa Econômica Federal, pai e avô das crianças sequestradas identificaram saques da pensão que Rodrigo depositava para a filha. Um extrato indicou Maceió, Alagoas, logo depois da saída de Rio Branco; outros as localizaram em Trindade e Anápolis, ambas em Goiás. Sempre que havia uma pista, os detetives improvisados saíam à caça.

Assim, Chaguinha torrou todas as economias em viagens e na busca por informações — e ainda paga os empréstimos obtidos na busca por Rhuan . Apesar do acesso ao sistema bancário, a certeza de que a ex-nora estava no Distrito Federal veio pelo sistema de Saúde. Quando uma das duas (presume-se, sem certeza, ser Kacyla) passou mal, dirigiu-se à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Samambaia Norte. O registro obrigatório na instituição médica bateu de frente com um chamado posto por Octávia Nogueira, advogada de Chaguinha.

Assassinas aguardam na Colmeia

Desde junho do ano passado, Kacyla e Rosana estão detidas no Presídio Feminino do Distrito Federal, o Colmeia, no Gama. Devido à repercussão do crime – utilizado como plataforma política tanto para conservadores, pela orientação sexual das autoras, quanto pelos setores progressistas, pela intolerância de cunho religioso a que foram expostas e à qual expuseram as crianças -, as duas foram isoladas para evitar justiçamentos.

O processo está parado desde o final do ano passado. As duas irão a Júri Popular no fórum de Samambaia do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Previsto para março, o julgamento foi adiado por causa do novo coronavírus. Segundo Renato Barcat, advogado da dupla, “provavelmente apenas no ano que vem” as mulheres terão de comparecer ao tribunal.

A pandemia do novo coronavírus chegou ao Acre em 17 de março. Desde então, contaminou 2.095 pessoas, matando 49 delas até o fechamento desta reportagem. Rodrigo Oliveira, a esposa e G. estão entre os contagiados pela doença. Ainda debilitado, Rodrigo relatou via mensagem que, afora a infecção da covid-19, da qual os três se recuperam sem maiores preocupações, tudo corre tranquilamente na residência da nova família da garota.

“Aos poucos, as coisas foram tomando jeito. Ela está bem, graças a Deus. Foi conquistada uma confiança e restabelecido o elo quebrado anteriormente”, disse o servidor público.
Nos primeiros encontros, G.sequer dirigi a palavra ao pai.

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