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Brasília

TJDFT: Covid-19 não é doença ocupacional

Agente penitenciário contaminado acionou o GDF na Justiça, que não reconheceu a reclamação

Olavo David Neto

20/08/2020 6h38

Foto: Gaucio Dettmar/CNJ

O aumento de casos de covid-19 entre agentes penitenciários tem movimento os tribunais do DF. Classificados como atividade essencial durante a pandemia, os policiais penais trabalharam por pelo menos dois meses sem qualquer Equipamento de Proteção Individual (EPI), segundo alega a Associação dos Servidores do Sistema Penitenciário (Asspen/DF). Contaminado, o servidor Juliano Magalhães moveu um processo em maio solicitando indenização por parte do Distrito Federal. Segundo alegou, a falta da segurança necessário em meio a uma crise de saúde pública gerou a infecção no exercício da função.

Nesta semana, o juiz Arilson Ramos de Araújo, do 4º Juizado Especial da Fazenda Pública do DF negou o pedido, alegando que o não fornecimento dos EPIs não é considerado como crucial para a ação do novo coronavírus. De acordo com o magistrado, não havia garantia de segurança com os cuidados indicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Supondo-se que o Distrito Federal lhe fornecesse os equipamentos de proteção, estaria a salvo da contaminação pelo vírus?”, questiona o jurista.

Coordenador jurídico da Asspen e representante Magalhães no processo, Waldnei da Silva Rocha aponta inconsistência na decisão, inclusive com pontos contraditórios a entendimentos do Suprema Tribunal Federal (STF). Para ele, ficou claro no julgamento das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (Adins) a respeito da Medida Provisória (MP) 927/2020 o entendimento a ser seguido em casos semelhantes. A MP do Governo Federal previa que “os casos de contaminação pelo novo coronavírus não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal”, diz o texto.

Ou seja, o trabalhador precisaria comprovar que contraiu a doença em local de trabalho para ter direito a indenização. “Não cabe imputar ao empregado o ônus da prova, até porque o Estado também não consegue provar que o servidor não se contaminou no exercício do trabalho”, comenta Rocha. A respeito da norma do Executivo, o STF considerou como “prova diabólica” a necessidade de comprovação do local de contaminação e inverteu o ônus da prova, que, pelo entendimento da Corte, direciona-se ao empregador.

De qualquer forma, Rocha afirma que o princípio da MP de Jair Bolsonaro (sem partido) guiou a decisão no caso do agente penitenciário. “É uma decisão temerária, que vai de encontro ao STF, no bojo da MP que sequer entrou em vigência”, critica o defensor. Ele aponta que a decisão do 4º Juizado Especial da Fazenda do DF põe em risco também outros profissionais que atuam na linha de frente do combate à pandemia. “Se entenderam desta forma com agentes penitenciários, parece claro que haverá decisões semelhantes em relação a policiais, médicos, enfermeiros e diversas categorias essenciais”, finaliza.

A sentença judicial foi contestada na mesma instância, e às 17h de ontem a juíza substituta Nayere Souza Ribeiro da Costa negou revisão da decisão. Conforme disse a magistrada, o recurso “explícita, quando muito, inconformismo quanto ao teor judicial”, e tais contestações são objeto de “instâncias revisoras”. Assim, o Distrito Federal continua inocentado nos casos de contaminação sem comprovação eficaz do local da infecção.

Nova portaria pode dar brecha

Foi publicada no Diário Oficial (DODF) de ontem a Portaria 18/2020 da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), que regulamenta o processo de apuração, via sindicâncias internas, de acidentes de trabalho. A norma prevê, no inciso III do artigo 3º, que é considerada equiparada “ao conceito de acidente de trabalho”, para fins de apuração de responsabilidades, “a doença proveniente de contaminação acidental do servidor no exercício do cargo”.

A medida, segundo contou Waldnei Rocha, trata-se de uma tentativa de trazer de volta à Administração Pública a responsabilidade pelo julgamento de casos que lhe dizem respeito. “Puxa de novo para os administradores, que estão agindo com descaso em relação aos servidores”, diz o advogado. À época da ação, segundo levantamento da Asspen na imprensa e em órgãos oficiais, eram 617 casos no sistema penitenciário brasiliense, sendo 173 deles agentes do Estado.

Atualmente, segundo a GDF, há 1.719 diagnósticos positivos no sistema penitenciário, com uma morte, justamente de um servidor, falecido em maio. A Seap declarou ao Jornal de Brasília que, até as 16h de ontem, eram 294 confirmações de covid-19 entre agentes penitenciários. Destes, sete ainda estão infectados. A pasta ainda ressaltou que não há relação entre os processos no Judiciário e a Portaria publicada ontem, sendo a proximidade das datas “mera coincidência”.

“A ação de indenização não tem ligação nenhuma com o processo de acidente em serviço, onde não há direito a indenização, mas sim uma garantia a mais ao servidor”, diz.

Saiba Mais

A Seap, recém-desmembrada da Secretaria de Segurança Pública (SSP), também informou que a nova norma surge para preencher uma lacuna depois da separação da SSP, pois não tinha regulamentação própria para acidentes de trabalho.

As medidas de combate à disseminação da covid-19 nos Sistema Penitenciário começaram ainda em março, com a suspensão de visitas familiares e de advogados, medida que foi prorrogada e estava prevista para findar hoje.

Outra decisão foi a contratação de rede hoteleira para abrigar cerca de 360 policiais penais, realizada em junho.

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