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Brasília

Rituais de exorcismo tiram o mal do corpo

Arquivo Geral

24/05/2015 8h00

“Que todos os sintomas de cura e libertação se manifestem agora em nome de Jesus Cristo”, disse e, imediatamente, pôde-se ouvir choros e gritos ecoando na igreja. Os sussurros de oração contrastavam com pessoas se contorcendo às 9h de um dia útil, quando mais de 600 fiéis pretendiam tirar, na igreja do Lago Sul, a influência demoníaca do corpo. No DF, a Arquidiocese de Brasília conta que há apenas dois padres exorcistas autorizados pelo Vaticano a atuar. Outras crenças também têm seus representantes. 

O padre Vanilson Silva é um dos que são autorizados. Em sua igreja, rapidamente os lugares são ocupados. As pessoas se acomodam em pé, sentadas no chão e se manifestam quando o sacerdote pede que espíritos do mal deixem seus corpos. 

“A possessão é o espírito no corpo da pessoa para tomar conta dela, e os movimentos são involuntários”, explica o padre. Hoje, ele é o único a atuar nos casos. Com idade avançada, o pároco José Oscar não trabalha de forma recorrente nos casos. 

O exorcismo é um ritual para expulsar o demônio de uma pessoa. “É preciso escutar os familiares, ver se está em  tratamento médico para que não seja confundido com uma doença. A  maioria pensa que está possuído, mas não está”, alerta. 

O Ritual de Exorcismos e Outras Súplicas da Igreja Católica mostra, em 92 páginas, como identificar casos de possessão sem confundir com distúrbios psíquicos ou psicológicos. No documento, editado pelo Vaticano, há sinais que indicam a possessão, como uso de línguas desconhecidas, força descomunal e aversão ao sagrado. 

Raridade

Possessão demoníaca, no entanto, é rara. Há três anos à frente do papel no DF, padre Vanilson lembra de apenas dois casos comprovados. “Em um, fomos bem-sucedidos. O outro está em processo. Funciona como na Medicina: Quanto mais cedo se descobre, mais fácil é a libertação”, explica. 

A mulher libertada sofreu por mais de 30 anos. Tinha muita força, olhos virados e voz alterada. Ela saía de si quando começavam a rezar e só retomava a consciência horas mais tarde, machucada, sem lembrar de nada. A libertação ocorreu em um único dia.

Bíblia, orações, crucifixos e água benta

Quando ocorre, a possessão deve ser tratada de forma confidencial, dentro de uma sala e com familiares. Pela intensidade, a pessoa pode se bater, se machucar e sair com hematomas. Durante o ritual, padre e intercessores são munidos de texto bíblico, orações espontâneas, crucifixos, terços e água benta. Geralmente, explica o padre Vanilson, o espírito do mal toma o corpo de quem trabalha com rituais satânicos.  

“Lidamos diariamente com casos de opressão, que é quando o mal atormenta a pessoa. Ele não está necessariamente nela, mas a influencia”, esclarece o pároco, que admite ter sido tentado pelo demônio: “Todos somos”. Com ele, como relata, a tentação costuma ocorrer à noite com perturbação na hora de dormir, sonhos pavorosos, pesadelos, sensação de arrepio e de algo ou alguém o seguindo. 

Ter fé

Para se livrar do mal, explica Vanilson, é preciso ter fé, seguir uma vida de oração, evitar frequentar ambientes que podem levar a perturbações, como aqueles que lidam com magia, por exemplo, e seguir as orientações “como se fosse atendido por um médico”.

Melhora gradual

Há dois anos, o aposentado João (nome fictício), 72 anos, vê sua filha “com a coisa”. A mulher, 40 anos, é reservada e prefere não comentar, mas o pai conta que, mesmo incomodado com o assunto, a presença tem diminuído. “Se a gente não segurar, ela se estrebucha toda. Quando o padre começa a rezar, a coisa aparece. Ela dá uns gritos esquisitos, chora, muda o olhar, muda a personalidade, se bate e se contorce. Já chegou a se machucar. Com reza, a coisa sai“, descreve. 

Durante as crises, ela também se desliga e não lembra o que ocorreu momentos antes, sabendo apenas que algo a tirou de si. “Na primeira vez que vi, fiquei assustado”, admite o homem. Hoje, diz, ela está melhor. “Nunca se deve desistir de se livrar do mal e procurar pelo bem. Quando a pessoa é fraca, acontece esse tipo de coisa”, pensa o homem, que culpa a relação com o Candomblé de parte da família materna. 

O diabo existe

Desde o início de seu pontificado, o papa Francisco reafirma a existência do diabo. Um dia após assumir o posto mais alto do catolicismo, ele chegou a afirmar que “quem não reza para Deus, reza para o diabo”. 

O motivo maior de casos de atividade diabólica que precisam de exorcismo ou manifestações de libertação seria a falta de fé aliada a práticas de ocultismo. No DF, a Arquidiocese de Brasília não tem um levantamento do número de pessoas que foram comprovadamente possuídas e passaram, com sucesso, pelo processo de livramento. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil também não possui números relacionados.

Centenas de ocorrências

O padre Evangelista atua no Gama. Ele é exorcista, mas da Igreja Católica Apostólica Brasileira, sem vínculo com o Vaticano. É uma dissidência, criada há 70 anos que, entre outras diferenças, permite o casamento de padres e bispos.

Ele diz conviver com pessoas possuídas, que relatam visões, vultos e sentimentos suicidas. O primeiro exorcismo que fez foi em uma casa, onde almas vagavam e tiravam os moradores da cama. “Eu nunca tinha mexido com essas coisas”, lembra, acreditando que a libertação “é dom dado por Deus”. Depois de uma reza no local, o “adversário”, como chama, foi expulso e nunca mais voltou. 

Doenças na alma

Desde então, começaram a aparecer centenas de casos para o padre, que foi “gostando da coisa”. Hoje, diz não faltar casos. “O demônio se manifesta de várias formas. O adversário se esconde em você e provoca doenças na alma, como depressão”, explica. Isso, diz, é possessão, e algumas enfermidades podem ter relação com outras crenças, embora afirme que “em primeiro lugar, vem a Medicina”.

“Onde tem Deus, tem o demônio. Se aparecer com possessão aqui no altar, ele cai. Todos que chegaram aqui ficaram bons”, ressalta. Pela paróquia, há dezenas de fotos de pessoas que teriam sido libertadas por ele, que não usa rituais em todos os casos. Padre Evangelista diz não sentir nada no momento do exorcismo, nem antes ou depois. Medo, nunca passou. “É claro que o adversário já me tentou. O demônio tentou Jesus, o demônio tenta todos nós. Deus é a libertação”, enfatiza.

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