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Brasília

Prevista em lei, pensão alimentícia é motivo de conflito, dívida e prisão

Arquivo Geral

13/08/2018 7h28

Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília

Jéssica Antunes
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Dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal indicam um crescimento de 10% na média mensal de concessões de pedidos de pensão alimentícia na capital. Até julho deste ano, 4.187 solicitações foram deferidas. Em todo 2017, somaram-se 6.731 sentenças. Essa é a quantidade de responsáveis que deve receber, todos os meses, valores estipulados pelo poder judiciário para garantir que os direitos da criança sejam preservados. Mas isso não significa, necessariamente, que a obrigação é cumprida ou questionada.

Uma dona de casa de 34 anos foi buscar na Justiça a responsabilização do pai do filho dela. O casal se separou em abril, às vésperas do primeiro aniversário do menino. Desde então, ela só consegue algo do ex quando pede, com muito esforço. “Ele ajuda, mas não existe regra ou periodicidade. Eu preciso ir atrás e, ainda assim, é tudo no tempo dele. Acho que quando a pessoa quer, independente de correria da vida, dá um jeito”, lamenta.

O menino nasceu com problemas de peso e precisa tomar um leite especial. Cada lata custa R$ 40, dura 15 dias e pesa no bolso. Mas não foi com foco único na ajuda financeira que ela procurou a Justiça. A primeira audiência está prevista para outubro.

“Já que conversando pacificamente não senti, dele, a responsabilidade, isso virá como obrigação legal. Vai ter que cumprir querendo ou não. Hoje, parece que ele brinca com a minha cara. Lá na frente, isso vai mudar”, diz.

Como funciona

A pensão alimentícia é prevista em lei desde 1968. Trata-se de um valor que deve ser pago todos os meses por alguém que tem a obrigação de auxiliar no sustento do filho. A quantia é usada para prover não apenas a alimentação dos filhos, mas também tudo aquilo que uma pessoa necessita para se desenvolver de forma digna e saudável: moradia, educação, saúde, lazer, transporte.

Até os 18 anos, ela é obrigatória e pode se estender até os 24 anos em caso de pagamento de faculdade, por exemplo, quando comprovada a necessidade. Caso o filho seja considerado incapaz, não há prazo para fim do pagamento. Cada situação é analisada individualmente.

Maylson Jales, de 23 anos, busca na Justiça o que nunca recebeu do pai. Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília

Aos 23 anos, Maylson Jales Gomes de Oliveira, busca na Justiça o que nunca recebeu para conseguir fazer a faculdade de Psicologia. O processo que cobra pensão alimentícia do pai já perdura por três anos e o acesso ao homem é difícil. Ele conta que a mãe engravidou no interior de Minas Gerais e o pai sumiu após vender todos os bens.

“Era o mínimo que ele poderia fazer por mim, já que nunca fez nada. Por tudo o que eu, minha mãe e minha avó passamos, é questão de honra. Um dia a justiça vai vir”, espera. Malyson chegou a iniciar a faculdade, mas não conseguiu pagar e teve que trancar a matrícula.

Direito à pensão ainda dentro do útero

A legislação prevê o direito à pensão ainda dentro do útero. Conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil da seccional do DF, Lívia Magalhães explica que, a partir do momento em que a mulher está grávida, ela pode ingressar em juízo pedindo alimentos gravídicos. “É relacionada à alimentação e a plano de saúde, por exemplo, para que ela tenha gravidez saudável com estrutura financeira e emocional”. Para a criança, os alimentos englobam tudo o que for despesa direta ou indireta – até mesmo percentagem do aluguel pode ser considerado.

Geralmente, a discussão de pensão vem de conflitos familiares, já que acontecem a partir de separações ou divórcios. De acordo com o Registro Civil, o número de dissoluções de casais aumentou 11% na capital em um ano.

A defensora pública Brunna Luci conta que concessão, revisão e cobrança de pensão dominam os atendimentos do Núcleo de Família. Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília

“Apesar dos casamentos, namoros, relacionamentos serem conflituosos, a questão de ter um filho exige maturidade grande. É pior ainda quando diz respeito a dinheiro”, observa a advogada. Por isso, até o uso dos valores pode ser questionado e, legalmente, não há prestação de contas.

Não por acaso, pensões dominam os atendimentos da Defensoria Pública do Distrito Federal. No Gama, o Núcleo de Família recebe quase 600 pessoas mensalmente e a maioria envolve pensão alimentícia: concessão, revisão e cobrança, que pode dar cadeia. De acordo com a promotora Brunna Luci, “a prisão é uma forma de coagir o devedor a pagar os alimentos aos filhos”.

“A lei entende que o menor não tem como trabalhar. Quando um dos pais não está pagando alimentos, ela está passando fome. Cerca de 40% dos processos que tocamos no setor são de descumprimento de alimentos”, explica a defensora.

Os três primeiros meses de inadimplência levam à prisão, mas é preciso que a parte lesada faça reclamação formal. Após os 90 dias, bens são penhorados para arcar com o pagamento. Quem é preso por falta de pagamento de pensão alimentícia fica separado dos demais detidos e não vai para o Complexo Penitenciário da Papuda. O tempo na prisão varia de 30 a 90 dias e, geralmente, vai até o pagamento da dívida. O nome do devedor também pode ser negativado e a conta bancária, bloqueada.

O cumprimento dos mandados de prisão é feito pela Polícia Civil do Distrito Federal. Procurada, a corporação não informou, até o fechamento desta edição, a quantidade de detenções realizadas neste ano. No primeiro semestre do ano passado, 156 pessoas foram presas por falta do pagamento da pensão alimentícia. Em 2016, o número passou de 600 no ano.

Quantia causa discórdia

A quantia determinada para pagamento de pensão depende de cada caso. O juiz analisa a necessidade da criança e a capacidade do outro de pagar para encontrar um equilíbrio. É considerado que a criança precisa de alimentos, casa, escola, saúde e lazer, conforme a Constituição Federal. Em muitas ocasiões, cobra-se 30% da renda mensal, que devem ser pagos até que o filho complete a maioridade ou finalize a universidade, se for o caso.

O valor pode ser questionado para mais ou menos. Recentemente, o cantor Wesley Safadão entrou na Justiça para tentar reduzir os dez salários mínimos que pagava ao filho de sete anos, o equivalente a pouco mais de R$ 9 mil. A medida, no entanto, teve resultado reverso e ele agora passa a arcar com 40 salários mínimos, enquanto ganha mais de R$ 10 milhões por mês.

Mas a realidade é bem distante da maioria da população. Desempregada, Maria (nome fictício) gostaria que o valor que recebe para ajudar a cuidar da filha, de três anos, fosse um pouco maior. O ex-marido, com quem conviveu por 15 anos, deveria pagar R$ 450, cerca de 30% do salário de R$ 1,5 mil, que ganha como repositor em um supermercado. Por dia, são R$ 15 para a menina. O valor foi estipulado por um juiz, um ano e meio atrás, mas, segundo a mulher, o pagamento nunca foi regular. Maria, de 37 anos, não vê a cor do dinheiro há quatro meses.

Ela faz faxina vez ou outra e consegue pouco menos de um salário mínimo para sustentar a casa. O dinheiro da pensão faz falta. “Não consigo dar as coisas que ela quer”, desabafa. Para piorar, o pai reclama que o valor é alto. “Ele questiona, diz que não pode pagar. Não entende que isso não é para mim, é para a filha”, lamenta.

Neste ano, no DF, 1.112 pessoas já pediram revisão de valor. São, em média, cinco solicitações diárias à Justiça. “Geralmente, o pedido para redução do valor acontece quando muda a capacidade financeira: quando a pessoa fica desempregada ou troca de emprego e passa a ganhar menos, por exemplo. Para mais, sempre tem motivo. Como quando a criança passa a ter mais despesa com a escola, ficou doente e precisa pagar tratamento e medicamentos”, exemplifica a defensora Brunna Luci.

Saiba mais

Pagamento de pensão é obrigação de anônimos e famosos, e não são raras notícias de prisões de celebridades.

Neste mês, o ex-jogador da seleção brasileira Edilson “Capetinha” foi preso pela quarta vez por atrasar o pagamento, estimado em R$ 100 mil.

O ex-jogador de vôlei Giba chegou a ter a prisão decretada, mas quitou os R$ 82 mil que devia por dez meses de atraso aos dois filhos.

O ator Dado Dolabella também foi parar na cadeia pela dívida, que chega a R$ 196 mil.

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