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Brasília

Papai Noel luta por sobrevivência e família acusa erro no Hospital do Guará

Arquivo Geral

30/11/2018 18h59

Atualizada 03/12/2018 9h46

Divulgação/ParkShopping

Jéssica Antunes
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Severo Ferreira Filho, 77 anos, passou duas décadas da vida na profissão de Bom Velhinho. De roupa vermelha e barba longa, perdeu as contas de quantas vezes arrancou sorrisos e abraços carinhosos de crianças do Distrito Federal. Neste ano, ele não poderá participar da festa. O idoso está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). O leito foi conquistado às custas após a família descobrir um AVC isquêmico ignorado pelos médicos do Guará.

A maquiadora Ana Paula, 30 anos, neta do Papai Noel, contou ao Jornal de Brasília a trajetória agoniante do idoso morador do Guará em busca de atendimento. Severo faz controle do diabetes com medicação e estava com acompanhamento cardiológico por uma médica que estudava a melhor estratégia para tratar uma obstrução de 80% em uma artéria. Ele já fez cirurgia do peito aberto no Hospital Regional do Guará (HRGu) porque teve infarto.

Foto: Kleber Lima

“Os problemas de saúde estavam controlados. No último feriado do dia 15 de novembro, viajamos para Uberaba (MG). Na sexta-feira, ele saiu para pescar e, quando voltou, estava abatido, com o rosto queimado de sol apesar de estar de chapéu. Ficou molinho, não quis comer, tomou banho e dormiu. No dia seguinte, amanheceu bem. No domingo, começou a tossir e reclamar”, conta.

Com histórico recente de pneumonia, ele próprio ficou preocupado. Quando o peito começou a doer, já em Brasília, Severo pediu que fosse levado para o hospital. Na unidade, fez exames de sangue e de imagens. “Estava tudo normal”, conta a neta. Antes de sair, ele pediu que o médico renovasse uma receita de medicamento para dormir.

No dia seguinte, terça-feira (20), logo pela manhã, Severo passou mal. “Minha avó sentiu a cama molhada e ele não respondeu, não conseguiu fazer com que ele acordasse de jeito nenhum. Ela ligou para o socorro. Achávamos que era efeito do remédio que havia tomado, porque estava ‘grogue’, abria e fechava o olho, mas não respondia. Estava letárgico, mole”, relata. Ele não tinha o costume de tomar o calmante, que geralmente era prescrito para a esposa.

Luta por exame
“No caminho para o hospital, a saturação de oxigênio caiu e foi quando o pessoal do socorro ficou muito preocupado. Ele foi recebido na sala vermelha do HRGu. Não pediram nenhum tipo de exame. Colocaram-no em uma sala. Passaram-se três horas ele não acordou. Então, colocaram sonda nasal para ele se alimentar e uma fralda, porque ele urinava o tempo inteiro”, continua a neta.

Àquela altura, mais de 12 horas depois do momento em que ele foi dormir, a família achava estranho que a tese do remédio ainda fosse considerada, e que nenhum outro procedimento fosse feito para verificar o quadro clínico do idoso. “Na quarta-feira, entramos em pânico”, diz Ana Paula. Ela conseguiu que a cardiologista o visse.

“A notícia que tivemos era que o quadro dele é muito grave e provavelmente não resistiria. A médica dele ficou muito impressionada por não terem feito nenhum exame do protocolo de AVC”, continua Ana Paula. A médica pediu um parecer neurológico, que não pode ser feito no HRGu por falta de estrutura.

Diagnóstico
No Instituto Hospital de Base (IHB), exames constataram que ele havia tido um AVC isquêmico. “O dano neurológico foi muito extenso e está comprometido. Chegou lá em estado gravíssimo porque ele não estava sendo assistido da forma que deveria”. Naquele momento, o médico fez encaminhamento para Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para que não morresse nas próximas 24 horas.

Ele não poderia ficar no IHB porque não tinha leito. “Fomos atrás da Defensoria Pública, mas ele voltou para o HRGu. Continuou na sala vermelha e teve uma melhora naquela semana. A gente fala com ele, que tenta responder. Está em estado de semiconsciência. O lado direito está completamente paralisado. Não falamos o que aconteceu porque nesse momento ele precisa se concentrar em ficar bem”. No último sábado (24) ele teve regressão no quadro clínico.

Com o idoso respirando com ajuda de aparelhos, a família voltou a procurar a Justiça para tentar um leito. Desta vez, pedindo sequestro dos bens do GDF para que fossem cumpridas as ordens. No domingo, conseguiram transferência para o Hospital Regional de Santa Maria (HRSM), para onde ele foi transferido com sedação e não acordou após retirada do procedimento. “No momento ele está estável. O dano neurológico é extenso, não sabemos como vai reagir. Isso só poderá ser avaliado após despertar.”

A esposa dele também tem problemas crônicos, é diabética, hipertensa, fez duas cirurgias de peito aberto. Na última teve um AVC e a mobilidade é comprometida. “Graças a Deus ela se recuperou muito bem e a nossa torcida é que o avô também se recupere e entre na guerra para ficar bem. Ela faz questão de vê-lo todos os dias. Sai do Guará para Santa Maria para ficar segurando na mãozinha dele”, relata Ana Paula.

Fotos: Divulgação/ParkShopping e Cedidas ao Jornal de Brasília

Rede de saudosismo e oração
Filha de Severo, Jovelina Ferreira Pedrosa, 57, lembra com carinho dos anos em que o bom velhinho fez a alegria no Natal do DF. “Por 15 anos, ele foi Papai Noel no ParkShopping.  Também passou pelo Terraço Shopping. Mas não só isso. Ele ia a creche, escola, empresa. Sempre gostou muito de ser o Papai Noel por causa das crianças, com vários trabalhos gratuitos”, diz a executiva de vendas.

Ela comemora que exista uma rede de orações e pensamentos positivos pela melhora do pai: “Todo mundo que conhece e sabe da notícia entra em oração”. Nas redes sociais, brasilienses relembram a trajetória dele com fotos e relatos do passado.

“Toda vez que ele passava, meus filhos gritavam ‘oi Papai Noel’, mesmo sem a roupa. Severo, estamos em oração por você, que é mais que um vencedor”, publicou uma internauta. “Ele é tão lindo e muito gentil. Tenho foto com ele… Eu desejo do fundo do meu coração que ele se recupere”, diz outra. A expectativa é que ele volte a fazer a alegria das crianças.

A filha espera que a corrente de oração se amplie cada vez mais, mas não esconde a tristeza pelo descaso da Saúde: “É lamentável que a gente tenha que brigar na Justiça por um leito. O governo acabou com a expectativa de qualquer coisa na cidade. Só quando a gente vive na pele tem a real dimensão da precariedade que virou Brasília”.

A reportagem procurou a Secretaria de Saúde para um posicionamento sobre o atendimento ao paciente. Inicialmente, a assessoria de imprensa da pasta informou apenas que “tomou ciência do fato e está levantando informações para identificar o que ocorreu com o caso em específico”.  Depois, a direção do Hospital Regional do Guará (HRGu) afirmou que o paciente “foi prontamente atendido e todos os protocolos foram seguidos”.

Ponto crítico
Neste mês, o Jornal de Brasília mostrou, em matéria especial, que os desafios para a nova gestão da Saúde na capital são múltiplos e delicados para melhorar a assistência. À primeira vista, é como um tiro no escuro. Atualmente gerida por Humberto Fonseca, a Secretaria de Saúde desconhece, por exemplo, o déficit de servidores e a quantidade de pessoas que estão nas filas aguardando cirurgias em Brasília.

Especialistas elencam ainda outros problemas, como a falta de medicamentos, leitos fechados e a própria demora no atendimento. Além disso, será preciso enfrentar a polêmica do modelo de gestão dos hospitais, que esbarra na polêmica terceirização. Nesta quinta-feira, o governador eleito Ibaneis Rocha (MDB) anunciou o técnico Osnei Okumoto como futuro titular da pasta.

 

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