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Brasília

Oficiais de Justiça. Conheça a realidade desses profissionais no DF

Arquivo Geral

14/05/2018 7h00

Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

Raphaella Sconetto
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Com uma prancheta na mão, um crachá e uma postura discreta, eles passam despercebidos em meio à correria do dia a dia dos brasilienses. Os oficiais de Justiça são os olhos, pernas e braços dos juízes que ficam nos tribunais. Atualmente, o Distrito Federal possui 582 pessoas nessa função que está exposta a riscos. Nesta reportagem especial, o Jornal de Brasília mostra a rotina de um oficial.

De acordo com o Tribunal de Justiça (TJDFT), só nos três primeiros meses do ano, esses servidores entregaram mais de 170 mil mandados judiciais – uma média de 1,8 mil por dia. Eles são separados por circunscrições e, em cada uma das 13, divididos por setores.

Daniela Farias de Oliveira, 43 anos, trabalha há 19 anos como oficiala de Justiça. Atualmente, ela está lotada no Fórum Desembargador José Júlio Leal Fagundes – da circunscrição de Brasília. Ali, estão reunidos os Juizados Especiais Cíveis, Criminais, de Fazenda Pública e de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, além de outras varas, como a da Família.

Por isso, quase todo o trabalho de Daniela é para a entrega de mandados relativos a medidas protetivas, com base na Lei Maria da Penha. No dia em que a reportagem acompanhou o seu serviço, ela estava com quatro ordens para entregar, e todas relacionadas à violência doméstica. “Sou plantonista, então posso pegar qualquer ordem. Mas costumam vir mais medidas protetivas”, resume.

Em todas as circunscrições do DF existem juizados de violência contra a mulher. De 2013 a 2017, esses juízos receberam 178.224 processos, com uma média de 35 mil novos processos por ano. No mesmo período, foram julgadas mais de 69 mil Medidas Protetivas de Urgência (MPU), representando cerca de 14 mil novos pedidos por ano. Além disso, de 2013 a 2017 foram realizadas 123 mil audiências e, destas, 92 mil sentenças foram deferidas.

Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

Realidade distorcida

Por ser da circunscrição de Brasília, a oficiala anda pelas regiões de asas Sul e Norte, lagos Sul e Norte, SIA e Estrutural. A violência doméstica, no entanto, não escolhe condições financeiras. “O que me mais angustia é que, em uma única manhã, eu vejo desigualdades sociais gritantes. A violência contra a mulher está em todas as classes e ela é igual. O mesmo que acontece na Estrutural ocorre no Lago Sul”, diz.

“A diferença é a densidade demográfica. Na Estrutural, vou bater numa casa e os vizinhos vão ver o que está acontecendo. No Lago Sul, as casas são espalhadas e ninguém vai notar”, completa.

Com 19 anos de função, Daniela não esquece um caso de transferência da guarda de uma criança de sete anos: “Era uma situação de agressão sexual do pai contra as filhas. A mãe estava no hospital tendo o quinto filho. Tinha de pegar todos e entregar para a avó. A menina não queria e tive de pegá-la à força. Ela me batia e gritava ‘me solta, eu quero o meu pai’. Foi pesado”.

Desafios na região mais populosa da capital

Myke Sena/Jornal de Brasíalia

Alex Pereira Cardoso, 34 anos, exerce a profissão de oficial da Justiça há oito anos. Antes disso, trabalhava como policial militar. Para ele, a experiência em segurança pública fez toda a diferença no trabalho atual. “Desenvolvi alguns costumes que me garantem a segurança. Sei chegar de forma mais enérgica. Digo que este é o momento para a pessoa fazer a defesa. Então, procuro manter uma postura séria”, aponta.

Ele conta ainda que com a experiência é possível descobrir se alguém está mentindo. “O feeling do dia a dia te faz ter noção das coisas, se a pessoa está dizendo a verdade ou não. Em casos como pensão alimentícia é comum o homem se esconder, mas criança ajuda muito e acaba contando onde está”, brinca.

Há oito meses, ele atende ao Setor O, de Ceilândia. “É uma cidade dormitório. Então, boa parte dos mandados tem de ser cumprida bem cedo, antes de as pessoas saírem para o trabalho, ou no final do dia, quando elas estão retornando. Eu prefiro a parte da noite. Esse horário pode ter um perigo a mais, mas em cada lugar eu sei até que horas posso ficar. Em alguns é até 19h, outros consigo estender até meia-noite”, aponta.

Antes de ir para Ceilândia, Alex passou pelo Recanto das Emas. Em comum, ele conta que em ambas as regiões existem muitas ordens criminais. “Tem mandados que leio e fico me sentindo um doido por estar indo de encontro à pessoa sem nenhuma segurança. Tem muitas medidas protetivas com base na Maria da Penha também. Com a crise, os casos de violência doméstica aumentaram. Homens desempregados vão para o bar beber, chegam em casa e a tendência é agredirem”, acredita. O oficial também observou que, após a crise econômica, ações que envolvem dívidas de aluguel e de financiamentos também aumentaram.

A lei que detalha o serviço de um oficial de Justiça diz que a intimação só será feita pessoalmente por um servidor caso a entrega por meios eletrônicos ou pelo correio não obtiverem sucesso. Apesar de lidarem com pessoas que não costumam responder aos primeiros contatos (eletrônico e correio), os oficiais alegam que o número de pessoas que eles não conseguem localizar é mínimo.

“Nas cidades satélites, o nível de cumprimento é muito alto. Encontramos dificuldades com as questões de dívida de juizado. Por exemplo, aqueles cortiços em que um lote de 120 metros quadrados tem oito quitinetes. Aí um morador faz um monte de dívida, arruma briga, vai morar em outro lugar e repete toda a situação. Nesses casos dificilmente se encontra”, indica.

Rotina imprevisível

A distribuição das ordens judiciais entre os oficiais não é fixa. Ela é feita de acordo com a demanda de cada setor. Por exemplo, na semana passada, Alex Pereira recebeu seus mandados na segunda-feira. Ao final do dia, quando finalizam as entregas, os servidores precisam reportar aos juízes como foi aquele dia trabalhado por meio de relatórios e certidões.

Para Alex, a profissão pode ser definida como imprevisível. “Tem casos de medida protetiva, busca e apreensão, em que a parte não esboça nenhuma reação, e é tranquilo. Mas, às vezes, com algo muito simples, como uma intimação por conta de briga de vizinhos, as pessoas se exaltam. O que pega é essa imprevisibilidade”.

O oficial desabafa ainda que diariamente os servidores lidam com casos angustiantes. “Como trabalho com essa parte criminal, toda distribuição tem um caso triste. Imagina você bater na porta de um pedófilo, estar ali fazendo a leitura de uma sentença. Você vê o homem ali, aí vê uma criança na rua, e a cabeça fica a mil”, expõe.
Carga negativa
“É uma carga muito negativa. A minha fuga é o esporte. Há uma brincadeira que dizem que o kit de um oficial vem com uma cartela de Rivotril (medicamento que trata sintomas como ansiedade). Cada um tem que se policiar, tem que cumprir o mandado dentro do que é possível. Sei que tenho uma angústia menor em relação ao trabalho porque venho da segurança pública. O lado emocional fica muito afetado”, conclui.

Serviço solitário e perigoso

O trabalho do oficial de Justiça não tem dias e horários fixos. É uma atividade que demanda programação. “Os mandados urgentes precisam ser cumpridos em 24 horas. Há mandados de cinco dias. Mas, normalmente, eles têm um período de 20 dias para entregar”, explica Juliano Emanuel da Cunha, que até poucas semanas era secretário de Administração de Mandados e Guarda de Bens Judiciais do TJDFT.

“A carga horária, então, depende do planejamento do oficial. No concurso diz que são 35 horas semanais, mas pode variar. Ele vai realizando a atividade de acordo com a produtividade”, completa.

Justamente por ser um trabalho vinculado a metas, alguns oficiais da Justiça criticam a flexibilidade do serviço. Uma oficiala de 58 anos, que pediu para não ser identificada, alega que poderia haver algum limite para a atividade. “Definir dias, quilometragem, número de mandados entregues. Hoje, não existe nada que limita nosso trabalho. Enquanto tiver demanda, temos que fazer as entregas”.

Além do horário, ela alega que o serviço é muito vulnerável. “As pessoas reagem mesmo. Alguns anos atrás existia respeito, hoje não tem mais. Esses dias foi em um shopping, o homem assinou o mandado e se arrependeu. Ele queria me bater, tive que me esconder. Ele ficou me procurando. Para sair, tive que chamar a polícia”, relata. “Não dei queixa porque o trabalho é tanto que, se for parar para isso, você se perde nas tarefas, perde o mês, vira uma bola de neve”, completa.

O carro usado no trabalho é particular, assim como o telefone celular. Os oficiais andam sozinhos, na maioria dos casos, e vivem diariamente expostos a agressões e ameaças. “A gente é uma isca fácil. Eu sinto medo. Já fui ameaçada. Procuro não decorar nome, rua, porque essa é a minha região, amanhã vou voltar para cá. Então procuro não me fixar muito”, acrescenta, por sua vez, a oficiala Daniela.

Saiba mais

Para ser oficial da Justiça, é preciso cursar Direito e passar em concurso público. Atualmente, o déficit de servidores é de 61 vagas. O salário varia conforme classificações, mas é relativo a um analista jurídico. Inicialmente, um oficial pode ganhar R$ 9.757,00, mas pode chegar a R$ 22.160,00. O valor é composto pelo pagamento do serviço mais gratificações referentes à atividade externa (GAE), à atividade judiciária (GAJ) e a atividade de segurança (GAS).

Os oficiais ainda recebem um auxílio de R$ 1.800,00 para colocar combustível nos carros particulares. Em alguns casos, eles podem ir em carro oficial. Os servidores recebem capacitações e orientações de segurança. Se necessário, a Polícia Militar pode acompanhá-los.

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