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Brasília

MP vai apurar esquema de alocação irregular de pacientes em hospitais do DF

Documentos obtidos pelo JBr mostram conversas em que o deputado Jorge Vianna e superintendente parecem interferir para que paciente passe na frente para fazer exame

Arquivo Geral

11/07/2019 5h00

Atualizada 12/07/2019 7h02

Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). Foto: Rayra Paiva Franco/Jornal de Brasília/Cedoc

Ana Karolline Rodrigues
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O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) vai apurar uma possível alocação irregular de pacientes em hospitais do DF. A investigação decorre de documentos e denúncias obtidas com exclusividade pelo Jornal de Brasília. Em conversas de WhatsApp adquiridas pela reportagem, é possível ver uma alocação de uma paciente para exame no Hospital de Base que teria sido feita pelo deputado distrital Jorge Vianna e pela Superintendente de Saúde da Região Sudoeste, Lucilene Queiroz. Procuradas, tanto a Secretaria de Saúde do DF quanto a assessoria do parlamentar negaram quaisquer irregularidades no caso.

De acordo com uma fonte que tem acesso ao Hospital Regional de Taguatinga (HRT), a pessoa que conversa com a paciente seria uma antiga enfermeira do HRT, que deixou o cargo recentemente por ter conhecimento das vendas de cirurgias realizadas pela ex-supervisora de emergência do local, Ruby Lopes. No print, uma paciente diz que conversou com o deputado distrital Jorge Vianna para conseguir um exame. Após a suposta enfermeira solicitar que a paciente peça por uma endoscopia, a paciente encaminha mensagens dizendo que será atendida imediatamente no Hospital de Base a pedido de Lucilene Queiroz.

Veja as imagens abaixo:

Reprodução

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Para o promotor de Justiça do MPDFT, Clayton Germano, que irá investigar o caso, a situação pode se tratar de um clientelismo político. Ele, que já apura o caso de venda de cirurgias no HRT que envolve Ruby Lopes, acredita que esta nova situação na área da Saúde do DF também seja grave e possa se tratar de um ato de improbidade por parte dos envolvidos. 

“A gente vai continuar a investigação da Ruby e vai atacar o problema desse clientelismo político com a regulação. Obviamente se a gente perceber que isso continua insistindo, vamos tipificar isso como crime, mas infelizmente nós temos uma cultura arraigada, instalada, do tipo que tem quem indicar, tem acesso, e quem não tem, entra numa fila e fica lá esperando […] Uma cultura um tanto quanto permissiva e a gente quer acabar com isso”, completou.

Versão da Saúde

Em nota, a Secretaria de Saúde do DF informou que no caso do exame de endoscopia “o Hospital de Base acolhe a demanda espontânea do referido exame, bem como de colonoscopia. Assim sendo, os gestores e servidores devem repassar essa informação aos pacientes quando solicitado. Esta é uma recomendação natural ao usuário”.

Procurada, a superintendente também negou ter atuado de forma irregular e disse que não passou nenhum paciente à frente de outros, uma vez que não existe lista de espera para o exame no local. “A endoscopia do Hospital de Base funciona de porta aberta, então qualquer pessoa que chegar lá com um pedido, ela marca a endoscopia. Então, se você tiver um pedido de endoscopia e chegar no Hospital de Base, você marca sem entrar na fila, porque lá tem tanta demanda de vaga que não entra, não existe lista de espera”, disse.

Logo em seguida, ela se contradisse e falou, porém, que neste sistema de regulação o paciente é inserido em uma fila. “A endoscopia trabalha em sistema de regulação. Então nós temos uma fila onde nós inserimos. No Hospital de Base é só chegar no balcão que a menina coloca em uma fila de espera. Aqui a gente trabalha com regulação, a gente não passa ninguém na frente, não”, afirmou.

Questionada pela reportagem, então, como a paciente na conversa de WhatsApp informou que estava indo fazer uma endoscopia no momento em que foi informada, ela disse que desconhecia a situação. “Aí eu desconheço. A gente trabalha com sistema de regulação, então a gente insere e tem o dia de entrar e ser marcado o procedimento”, afirmou.

Novamente, porém, ela repetiu que não passou nenhum paciente à frente, uma vez que não tem fila. “No Hospital de Base são atendidos todos os pacientes do Distrito Federal. A pessoa vai lá no guichê com o pedido e marca, eu não tenho nenhuma governabilidade sobre o Hospital de Base. Lá tem demanda aberta, você chega e você é atendido, não tem fila, está zerada. Eu creio que esteja zerada, se não tem fila é porque está zerada”.

Sobre o envolvimento do deputado distrital, ela disse que apenas informou onde havia vaga para endoscopia e pediu para marcar a consulta para um paciente. “Eu informo o Hospital de Base. O Jorge Vianna é um deputado e que tem o direito de saber como funciona o Hospital de Base, a fila de espera, e eu informei que era lá a endoscopia e pedi para marcar, para ser atendido. A pessoa que ele indicou não, qualquer pessoa”, disse.

Alocação deve ser formal

Por conta de casos de alocação irregular de pacientes, o promotor relata que requisitou uma maior regulação por parte da Secretaria de Saúde. “Você vai ter que regular todos os procedimentos cirúrgicos, exames consultas, cirurgias, leitos, de tal maneira que o Complexo Regulador, que é um órgão dentro da Secretaria de Saúde responsável só por regular todos os procedimentos, estabeleça de maneira transparente onde você tem consulta, exame e como você aloca o paciente”, explicou.

Segundo o promotor, mesmo que não existisse fila de espera para realizar o exame no hospital, este tipo de alocação deve ser feito formalmente, o que será analisado agora pelo MP. “O Complexo Regulador já existe há muito tempo, o que significa dizer que apesar de eu estar requisitando algo, essa ideia de que existe uma fila, de que existem prioridades, procedimentos, já existe, de tal maneira que se eles fizeram alguma coisa, foi à margem de algo que já existe. Podem até dizer “ah, mas não existia fila”, mas existe um protocolo, não é você pedir e a pessoa ser encaixada lá. Sempre tem que ter um fluxo que tem que se obedecer”, destacou.

“Fica um clientelismo, fica um favor, e as coisas não podem ser assim na administração pública. Tudo tem que ser feito de maneira que todo mundo saiba como está fazendo e que seja feito da maneira mais republicana possível. Tudo à luz do dia”, disse.

“Aí você fala, “ah, mas eu estou prestando um favor e não estou cobrando nada por isso”. Tudo bem, acho que todo mundo tem que ter boa vontade têm pessoas necessitadas, um político sobretudo. Mas isso é um fato grave”, reforçou.

Versão do deputado

Ao Jornal de Brasília a assessoria do deputado Jorge Vianna informou que em nenhum momento o distrital fez solicitações à superintendente para beneficiar pacientes que o procuram. O parlamentar ainda ressaltou que já aconteceu de pessoas utilizarem seu nome “para tentar dar encaminhamentos a demandas pessoais”.

“O gabinete recebe um volume grande de demandas, seja por parte de servidores e, também, de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), referente a uma série de problemas que vão desde a demora no atendimento médico, falta de profissionais, superlotação nas unidades de saúde, falta de materiais, equipamentos quebrados, até problemas relacionais, provenientes por práticas de assédio, etc. Demandas essas que chegam ao parlamentar, por diversos meios, seja presencial no gabinete, por meio do aplicativo Whatsapp, pessoal, e até mesmo pelas redes sociais”, disse a nota encaminhada à reportagem.

“Em situações como essas, o deputado esclarece que tenta dar, em geral com suporte da assessoria, respostas a essas demandas. Casos em que, eventualmente, ocorre por meios de contatos telefônicos, por parte da assessoria, para tentar apurar a procedência da demanda recebida, de modo que se possa dar posicionamentos aos demandantes”, continuou.

Nesse contexto, o distrital observou ser comum pedir que o demandante encaminhe dados, como número do SUS, “de modo a facilitar a verificação, por meio da assessoria”. “O deputado esclarece ainda que, diante de posições imprecisas, ou da falta de retorno, o gabinete frequentemente aciona os órgãos oficiais, seja por meio de requerimentos ou ofícios, de modo a tentar garantir que os demandantes tenham retorno sobre as demandas”.

Jorge Vianna informou ainda que a troca de mensagens em que ele é citado “não permite, sequer, que possa ser realizado uma consulta nos registros de demandas do gabinete, para apurar o possível atendimento à referida paciente”, finalizou o texto.

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