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Brasília

Luta das pessoas com deficiência: audiodescrição significa “os olhos emprestados”

No Brasil, segundo a pesquisa “As Condições da Saúde Ocular no Brasil 2019”, cerca de 0,75% da população é cega, o que equivale a 1.577.016 cidadãos brasileiros

Agência UniCeub

21/09/2020 18h55

Foto: Arquivo pessoal

Sara Meneses
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

Luciane navega pelas redes sociais quando se depara com o anúncio de uma perfumaria, um produto que precisava comprar há algum tempo. Após entrar na postagem para poder conseguir o telefone da loja, é surpreendida com a resposta “o telefone está na imagem, é só você ver, acessar e entrar em contato”. Luciane Molina é mestre em educação, pedagoga, brailista, consultora em audiodescrição e, também, pessoa com deficiência visual.

O relato dela é só mais um exemplo das diversas situações em que pessoas cegas ou com baixa visão tem que lidar no dia a dia devido a falta de inclusão.  Mesmo no Dia Nacional da Luta pelos Direitos das Pessoas com Deficiência, comemorado nesta segunda-feira (21), relatos como o de Luciane não são raros.

Luciane Molina, consultora em audiodescrição, em uma palestra acadêmica. Com ajuda dos fones de ouvido, ela explica,o conteúdo do slide projetado atrás dela. Foto: Acervo pessoal

No Brasil, segundo a pesquisa “As Condições da Saúde Ocular no Brasil 2019”, cerca de 0,75% da população é cega, o que equivale a 1.577.016 cidadãos brasileiros. No mundo, o número aumenta para  39 milhões de pessoas cegas e 246 milhões que têm perda moderada ou severa de visão.

Os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), feitos em parceria com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), revelam um número alto de pessoas que muitas vezes são excluídas de um ambiente por serem impedidas de interpretar um conteúdo audiovisual.

Desde um cardápio ilustrativo a um telejornal que explica o tempo por meio de ilustrações, são inúmeras as situações em que pessoas com deficiência visual sofrem com a falta de acessibilidade.

Para Luciane Molina, que atua há 18 anos na área de inclusão, só foi possível trilhar sua história por meio da audiodescrição ou, como ela nomeia, “olhos emprestados”. A audiodescrição (AD) é um serviço de tecnologia assistiva, que vai traduzir imagens por meio do som ou da escrita em braile.

“A audiodescrição não acontece apenas no cinema, existe também audiodescrição para teatros, museus, mídias sociais, videoaulas, exposições, novelas, documentos. Onde quer que haja imagens há, também, a possibilidade de audiodescrevê-las. É preciso apenas ter a noção que temos imagens estáticas e dinâmicas, com uma técnica para cada uma delas”, explica Molina.

Pandemia, o aumento evidente das desigualdades 

Durante a pandemia do novo coronavírus, o mapeamento realizado pela plataforma Comscore, mostra um aumento 43,1% por semana no acesso aos conteúdos de mídias online, apenas no mês de março.

A psicóloga, educadora, consultora em audiodescrição e pessoa com deficiência visual, Elizabet Dias de Sá, explica nas suas redes sociais que as plataformas em geral não contam com o recurso da audiodescrição. Para ela, essa carência fere um princípio da igualdade de direitos, não sendo digno ou justo.

“O contexto da pandemia torna a desigualdade social ainda mais evidente. Nesta perspectiva, é necessário criar condições adequadas de acesso à informação, de assistência sanitária e social, dentre outras medidas em todas as esferas de inserção social, educacional e cultural”, explica.

Em rede social, ela faz um apelo ao seu público “Eu conto com a sensibilidade de quem me ouve nesse momento para abraçar essa causa e, também, pela obrigatoriedade da audiodescrição em todas as modalidades de expressão cultural e artísticas”.

Em pesquisa feita “Movimento Web para Todos” com 14 milhões de sites, apenas 0,74% é totalmente acessível. O estudo mostra que a principal falha é dentro dos links, com mais de 93% dos sites, em 2020, apresentando algum erro. O número é maior que em 2019 que a taxa ficou em 83,56%.

Na ilustração, há uma menina cega com fones de ouvido, enquanto aparece um balão imaginário, que mostra várias figuras se formando em sua mente. Arte: Paloma Gonçalves

O poder do “ver com palavras”

A pioneira no ramo da audiodescrição, Lívia Motta, começou a trabalhar com pessoas com deficiência visual em 1999, por meio de um projeto que ensina inglês às crianças cegas ou com baixa visão. A audiodescritora é considerada pioneira no ramo e atua há mais de 15 anos com o recurso. Para ela, a audiodescrição é a peça fundamental para uma pessoa com deficiência visual ter a sensação de pertencimento, como explica a especialista.

“É um instrumento para inclusão social, cultural e escolar, porque é possível ter as mesmas oportunidades. É você assistir e poder entender, assistir e poder conversar sobre o que você viu, é poder participar em igualdade de condições. É, sem dúvidas, um direito para pessoas com deficiência visual”, explica a especialista.

Leia legislação a respeito de audiodescrição

Atualmente, no Brasil, há diversas leis que garantem o direito à audiodescrição.Nas produções cinematográficas financiado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), o recurso é também outro fator de obrigatoriedade.

Na TV a cabo, por exemplo, desde 2011, é obrigatório a presença do recurso. Para a professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Helena Santana, todos os programas televisivos deveriam ter a audiodescrição.

“Nos telejornais, portais e revistas eletrônicas, todos deveriam ter a audiodescrição, porque, assim comos nos filmes, muitas vezes as reportagens fala muito por meio das imagens e a gente perde grande parte dessa informação. Infelizmente no Brasil, apesar de ter muitas leis, estamos muito aquém do esperado. Os canais televisivos e sites fazem apenas o essencial para cumprir a cota, sem pensar no real sentido da audiodescrição, que é a inclusão”, explica a professora.

Audiodescrição no meio profissional

No Brasil, apenas em 2003, a audiodescrição foi utilizada em público no Festival Internacional de Cinema, Assim Vivemos, quase 30 anos depois do reconhecimento da audiodescrição, em 1975, pelo mestrado de Gregory Frazier. O Diretor da empresa de audiodescrição Som da Luz, Sid Schames, 58 anos, explica que, por ser um atividade profissional recente no Brasil, não é possível através de um curso universitário.

Audiodescrição envolve profissionais especializados para a tarefa. Foto: Divulgação

“O caminho para se tornar um audiodescritor, é buscar os profissionais mais antigos e avantes no mercado, fazer cursos com eles e se aprimorando, se fermentando e vivendo esse universo”, ressalta. Além do narrador, a audiodescrição necessita de diversos outros profissionais. A audiodescrição, feita de forma profissional, envolve um roteirista, um consultor com deficiência visual, um narrador ou narradora, equipe de gravação, uma equipe para fazer uma montagem final e edição e depois uma revisão final feito por um consultor”, explica o diretor.

A primeira lei que garante a autonomia e capacidade das PCDs em viver com condições iguais das demais pessoas , Lei 13.146, foi homologada em 2015. Schames, ressalta que a lei garante o acesso a tudo, desde ambiente culturais, ambientes de convívio e, também, a todo o conteúdo audiovisual.

“Poucas pessoas sabem o número de pessoas com deficiência, pelo Censo de 2010, nos mostrou que 23,98% da população tem uma deficiência severa e, que sem acessibilidade, são excluídas. Nós vivemos  um momento de mudança, precisamos falar da inclusão espacial e de conteúdo, mas principalmente da inclusão de atitude, no caso a acessibilidade atitudinal. Só assim teremos uma sociedade mais justa e igualitária”, explica o diretor

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