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Brasília

Lixão da Estrutural. Por mês, negócio movimenta R$ 2 milhões

Arquivo Geral

11/05/2017 9h24

Myke Sena/Jornal de Brasília

Francisco Dutra
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O sol escaldante reflete na tela do relógio. Os dígitos marcam 13h04. Mais um caminhão chega ao Lixão da Estrutural. Centenas de catadores cercam o veículo ainda em movimento. Todos querem os resíduos menos desgastados e mais valiosos para reciclagem. Pouco importa o risco. O lixo é rico. Movimenta um mercado de R$ 2 milhões por mês, na comercialização de materiais domiciliares e de coleta seletiva – estimativa do governo do Distrito Federal. Entre homens e mulheres, um menino de 12 anos busca espaço. A caçamba despeja quilos e mais quilos de restos. Junto à multidão, o menino salta e começa a garimpar o material. Entre papéis, latinhas e garrafas, o pequeno encontra uma bola. Coloca debaixo do braço e continua a cavar, seguindo a mesma sina de outros 1,8 mil catadores.

O flagrante é apenas um dos casos de trabalho infantil no Lixão e de outras irregularidades. A lista inclui prostituição, tráfico de drogas, abusos infantis, poluição e desova de carros roubados. Além dos crimes, o próprio mercado paralelo, construído na ausência do Estado, tritura trabalhadores.

Em praças organizadas, como São Paulo, a tonelada de lixo para reciclagem é comprada por R$ 1 mil. Sem regras, este valor despenca para R$ 300 no DF. É oligopólio. É a lei dos mais fortes. Os valores são determinados por 34 empresas com estrutura para intermediar a revenda de resíduos domiciliares e da coleta seletiva para a indústria da reciclagem em outras unidades da Federação. Eles também não estão satisfeitos. Alegam perder dinheiro com impostos pesados e promessas não cumpridas do GDF, principalmente a construção de um grande galpão no Lixão.

O cenário caótico não espanta o garoto. Desde os nove anos ele conhece a realidade do Aterro do Jóquei. Vinha com a mãe, mas, há uma semana, passou a trabalhar sozinho. “Eu gosto de dinheiro. Gosto de trabalhar. Tenho que esperar até os 13 anos para entrar no Jovem Aprendiz”, conta o torcedor do Corinthians.

Risco

Foto: Myke Sena

Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

Ponto de vista

  • “Em primeiro lugar, tudo isso que está sendo prometido agora estava previsto em 2000. Naquele ano, o GDF resolveu terceirizar os serviços de coleta de lixo. Isso estava acertado no contrato daquela época. Obviamente, estamos atrasados há 15 anos. De qualquer forma, é um passo adiante”, pondera o professor do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade de Brasília (UnB) Gustavo Souto Maior. O especialista aponta a garantia de renda justa para os catadores como um passo crucial para o fechamento do Lixão.

O calor da tarde castiga a pele e a garganta. O garoto se refresca com um pouco de água. Um trator passa sobre os montes de lixo para espalhar o material. Um deslize pode ser fatal. Poucas horas antes, uma mulher teve a perna machucada. Precisou ser levada a um hospital.

Apesar de a profissão ser reconhecida pelo Ministério do Trabalho, os catadores não têm direito a aposentadoria e seguridade social. Quem adoece não tem assistência e perde renda até melhorar, se melhorar. Mas nos olhares não há medo. Há vontade de trabalhar nestes tempos de crise econômica. Quem tem contatos e saúde de sobra lucra até R$ 6 mil por mês. Outros com menos condições sobrevivem com rendas superiores a R$ 600. O menino de 12 anos tem nas mãos R$ 5 e sob os pés, ao lado da bola, um montinho de latas e garrafas de plástico para negociar.

Urubus, pombos, cachorros e garças também lapidam o lixo. Buscam alimento na podridão. O mau cheiro incomoda o menino. “Se o Lixão fechar? Eu acho que vai ser bom e ruim. Bom porque vai parar de feder lá em casa, moro perto daqui. E ruim porque esse lixão sustenta muitas famílias. Não quero ir para os galpões que o governo quer nos mandar. As famílias vão perder ainda mais dinheiro. Governo nenhum cumpre as promessas”, desabafa o garoto.

O menino vive e respira futebol. Por isso, em dia de jogo, nada de lixo. Segundo a criança, encontrar uma bola naquele estado é uma raridade. O menino tenta fazer embaixadinhas. A bota atrapalha. Sem medo de cacos de vidro e pregos ele fica descalço. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete e algumas mais. Tem habilidade, talento e o sonho de um dia ser jogador de futebol. De preferência, do Timão.

Com a mesma determinação também sonha em virar advogado. Para isso, vai ao colégio pelas manhãs. Apesar de tudo, o garoto joga limpo. O Lixão é a prisão do presente. O olhar ainda infantil do pequeno catador é livre para focar em um futuro distante do aterro. Por enquanto.

População gera menos resíduos

Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

Foto: Myke Sena/Jornal de Brasília

O mercado do lixo mingua com a crise econômica. Se as pessoas não consomem, não geram lixo. Levantamentos do Serviço de Limpeza Urbana (SLU) apontam que, na comparação do primeiro trimestre de 2017 com o mesmo período do ano passado, a produção de resíduos domiciliares encolheu 2% – são 6 toneladas a menos por dia. No comparativo anual entre 2016 e 2015, a retração foi de 3%. Nesta subtração foram perdidas 90 toneladas por dia. Menos lixo, menor margem de renda para os catadores.

O balanceamento do mercado é um desafio para o governo Rollemberg (PSB). Afinal, o desequilíbrio inviabiliza a sustentabilidade financeira do projeto e fechamento do Lixão da Estrutural. Transferindo cooperativas de catadores para galpões alugados e definitivos com complementos de renda, o Palácio do Buriti fechará o portão do aterro até o final de outubro deste ano para catadores, resíduos domiciliares e de coleta seletiva.

Para reaquecer o mercado, o GDF promete ampliar a coleta seletiva para todo DF. Hoje ela está presente em de 14 regiões administrativas. Um novo contrato de R$ 300 milhões anuais, com prazo de cinco anos para Serviços de Limpeza Urbana Gerais, será assinado no segundo semestre. O Buriti também instalará 244 locais de entregas voluntária e 25 “papa entulhos”.

O SLU pretende desenvolver serviços de capacitação e apoio contínuos para as cooperativas. O governo avalia também um projeto para construção de conjunto habitacional de apartamentos para os trabalhadores na Chácara Santa Luzia, na Estrutural.

O Lixão continuará recebendo os resíduos da construção civil até a criação de quatro pontos de tratamento e reciclagem específicos. Uma porcentagem dos restos de obras públicas do governo será direcionada para estes centros. A data para a conclusão do projeto é indefinida.

Sentença que obriga fechamento faz 10 anos

Números

  • 70% da população nacional de catadores é de mulheres. Homens costumavam dominar postos de liderança, mas as mulheres estão ocupando mais estes espaços, no Brasil e no DF.
  • 1 Centro de comercialização será entregue pelo GDF para as cooperativas poderem vender material diretamente para a indústria da reciclagem, sem a necessidade de atravessadores.

O fechamento do Lixão é uma determinação do Tribunal de Justiça do DF desde 2007, motivada por ação do Ministério Público, e atende à Política Nacional de Resíduos Sólidos, cujo prazo foi prorrogado para 31 de julho de 2018. Segundo titular da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Prodema), Roberto Carlos Batista, a nova promessa do GDF não resolve a questão.

“É uma opção que se fez, mas não atende à sentença judicial. Ela determinou o fechamento em dois anos. Passaram-se dez anos. Outra obrigação é a recuperação da área. Só fechar o Lixão não vai resolver. Nós temos um passivo ambiental enorme lá”, crava. O governo ainda não definiu o plano de mapeamento dos danos e recuperação.

Até o final deste ano, o promotor espera que a Justiça defina o valor da multa pelo descumprimento da sentença. Ele confirma a selvageria do mercado paralelo do Lixão. Atravessadores se comportam como milícias e há indícios e empresas travestidas de cooperativas. Todos explorando os catadores.

O GDF não cobra dos grandes geradores a logística reversa das embalagens para reciclagem, principalmente do vidro. “O SLU tem que atender a população residencial. A empresa que gera além da conta tem que pagar por isso. É assim que a lei nacional diz”, relata Batista.

A coleta seletiva solidária em todos órgãos públicos também é uma omissão. “E é um resíduo que por lei tem que ser destinado aos catadores”, afirma o promotor. Hoje, pelo relato dos próprios catadores, há uma destinação bastante duvidosa. De acordo com Roberto Carlos, acredita-se que parte desse material é entregue a funcionários de empresas contratadas ou desviada para a venda aos intermediários empresas de reciclagem.

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