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Brasília

Laboratórios privados evidenciam “falso positivo” em testes aplicados pelo Sesc-DF

Ao todo, 78 testes dados como positivos pelo SESC foram refeitos por instituições privadas com atuação na capital federal

Lucas Valença

07/08/2020 12h07

Testes de coronavírus feitos no Sesc da 504 Sul. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasilia

O Jornal de Brasília teve acesso a vários testes de Covid-19 feitos por laboratórios privados do Distrito Federal em pacientes que constataram positivo nos exames feitos pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), entidade ligada diretamente à Federação do Comércio do Distrito Federal (Fecomércio-DF). Os documentos podem demonstrar possível “baixa qualidade” dos testes comprados e disponibilizados pela entidade representativa. A Fecomércio-DF refuta as acusações.

*O Jornal de Brasília optou por não revelar os nomes dos comerciários que refizeram os testes em laboratórios privados.*

Ao todo, 78 testes dados como positivos pelo SESC foram refeitos por instituições privadas com atuação na capital federal. Deste total, 77 apresentaram resultados opostos sendo, em sua maioria, feito dois dias após o serviço disponibilizado pelo Sesc. Ou seja, apenas um teste não é tido como “falso positivo” por representantes do Sindicato dos Laboratórios de Pesquisas e Análise do Distrito Federal (Sindlab-DF), subordinada à federação comandada por Francisco Maia, que receberam os documentos obtidos com exclusividade pelo Jornal de Brasília.

Em um dos resultados, o teste in vitro feito pelo Sesc, que detecta a resposta do sistema imunológico do possível infectado, classifica um comerciário de 37 anos como “IgM: Reagente”, o colocando como contaminado. Só que, dois dias depois, o trabalhador fez um novo exame no laboratório Diagnósticos do Brasil e o resultado para Covid-19 é claro: “Não detectado”.

Veja laudo do Sesc: 

Veja documento junto com a assinatura dos responsáveis técnicos:

Fato semelhante aconteceu com outras dezenas de pacientes que, para ter a certeza de que tinham contraído o novo coronavírus, optaram por consultar instituições privadas. É o caso de uma outra comerciária de 29 anos.

Confira laudo do Sesc: 

Confira o resultado e as assinaturas dos responsáveis técnicos:

A média de positividade de todos os testes feitos pelo Sesc já chegou a 30%, como ressaltou o próprio presidente Maia, da Fecomércio-DF, em entrevista à imprensa. O percentual é quase três vezes superior à média de 10.9% de resultados positivos no DF, incluindo as redes pública e privada, de acordo com dados (do dia 04/08/2020) disponibilizados pela Secretária de Saúde.

Além da qualidade do Kit ser questionada, os resultados entregues pelo Sesc não são assinados por nenhum responsável técnico competente, enquanto, nos laboratórios privados, os laudos são certificados por profissionais de saúde que os subscrevem.

Procurada, a Fecomércio-DF explicou que, “os exames são disponibilizados pelo Sesc-DF, que adquiriu os testes em processo licitatório amplo e reconhecido como regular pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)”.

A entidade empresarial também afirmou que, “a qualidade foi aprovada pela Anvisa e a fabricação é de responsabilidade da empresa Acro Biotech Inc. A aplicação do teste pelo Sesc-DF é feita por profissionais de saúde e segue todos os critérios sanitários, além de ter aprovação e fiscalização da Secretaria de Saúde”.

E completaram: “por ser uma entidade sindical, a Fecomércio-DF não oferece serviço de testagem. O Serviço Social do Comércio no DF, por sua vez, possui uma área de saúde, com médicos e enfermeiros, e possui autorização da Secretaria de Saúde para realizar os testes, não sendo necessária a contratação de serviço privado, o que resultaria em gastos desnecessários”.

Já o Sesc-DF, informou praticamente a mesma coisa da Fecomércio e reforçou que, “os testes foram adquiridos pelo Sesc-DF em processo licitatório amplo e reconhecido como regular pelo TJDFT. A qualidade foi aprovada pela Anvisa e a fabricação é de responsabilidade da empresa Acro Biotech Inc. A aplicação do teste pelo Sesc-DF é feita por profissionais de saúde e segue todos os critérios sanitários”.

Em referência à matéria “Covid-19: Sindlab acusa Fecomércio-DF de “exercício ilegal da profissão”’, publicada nesta quarta-feira (5), a assessoria de imprensa do Sesc afirmou que as acusações feitas pelo Sindlab, “não possuem nenhuma comprovação legal”. “O Sesc-DF desconhece em que condições foram realizadas as contraprovas dos testes e não sabe como o sindicato chegou nessas pessoas”.

“Sobre a responsabilidade técnica da testagem promovida pelo Sesc-DF, a Secretaria de Saúde, que autorizou o serviço, designou um servidor para fiscalizar e orientar o processo de certificação dos exames. O Sesc-DF continuará firme na sua missão de colaborar para melhoria do cenário social do País. A instituição manterá o seu trabalho de enfrentamento da pandemia, nem que precise recorrer novamente à Justiça, com o intuito de proteger os trabalhadores do comércio e a população mais carente”, ressaltou em nota.

Empresa fornecedora

Testes de coronavírus feitos no Sesc da 504 Sul. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Um relatório de medição de qualidade dos testes registrados pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), elaborado pelo departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias e Inovação em Saúde e datada de maio de 2020, traz números sobre os testes fabricados pela Acro Biotech.

Os dados, ressalta o documento, foram levantados pela organização sem fins lucrativos, The Foundation For Innovative New Diagnostics (FIND), localizada em Genebra, na Suíça. Segundo a entidade com atuação global, a sensibilidade para IgM do teste da “ACRO Biotech Inc” das amostras coletadas após 14 dias da doença é de “60% (IC 95%: 32,27-83,18%) e a especificidade de 100% (86,68%-100%)”.

Já para os diagnósticos realizados entre um a sete dias da doença, a sensibilidade constatada foi de “57,1% (IC 95%: 25,05-84,18%) e a especificidade de 100% (IC95% 86,68-100%). Outras percentagens são favoráveis ao medicamento, mas vale destacar que a comprovação dos testes feitos pelo Sesc não especificam o tempo de contaminação do comerciário.

Só que, segundo um consórcio entre a A Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (Sbac), a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (Sbpc-ml), a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e a Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (Cbdl), que criou uma “força tarefa” durante a pandemia para avaliar os kits ofertados no mercado, a empresa Acro Biotech apresenta resultados preocupantes.

Para testes realizados de sete a 14 dias, o IgM registrou 55,6% de eficácia. Sem levar em conta os dias a serem relacionados o diagnóstico, a percentagem atinge 57,4%. Já o IgG para resultados de sete a 14 dias, marca 70,6% de eficácia, segundo as entidades privadas.

Em apuração própria, o site The Intercept Brasil mostra que muitos dos testes importados e utilizados no país não possuem “chancela internacional apropriada”. Entre os laboratórios fornecedores citados pela reportagem está justamente a Acro Biotech, empresa americana, e que teve os testes comprados pelo Sesc-DF com o aval da Fecomércio-DF.

Só que o veículo de comunicação ressalta que o registro do teste na Anvisa da empresa Acro “pertence a uma pequena empresa de Minas Gerais, fundada por duas farmacêuticas, que também importa outros testes da China, produzidos por fabricante sem o atestado de qualidade do governo chinês”.

Segundo a reportagem, por uma questão de abastecimento mais rápido em meio à pandemia do novo coronavírus, a “Anvisa decidiu aceitar documentação incompleta dos fabricantes e não fazer inspeção para certificar práticas adequadas de fabricação”.

Disputa interna

Foto: Fecomércio-DF

A disputa entre a Fecomércio e o Sindlab ganhou contornos mais explícitos. Uma reunião recente de conselho do Sesc, que durou cerca de três horas, deixou claro que uma conciliação entre os dois entes, neste momento, é improvável.

Após uma apresentação sobre os números do Sesc e uma análise de outras pautas, o presidente da Federação, Francisco Maia, se utilizou da palavra para um sermão, que durou de 30 a 40 minutos, contra o colega Alexandre Bitencourt, presidente do Sindlab, entidade que deve acionar o MPDFT por suposto “exercício ilegal da profissão”.

A palavra foi entregue a Maia na tentativa de uma conciliação entre os dois, mas antes de começar o discurso, Maia deixou claro que não aceitaria interrupções, só que ressaltou que, em seguida, daria a palavra ao representante do Sindlab, como explicaram alguns membros do conselho ao Jornal de Brasília.

O discurso apenas aumentou o conflito, já que, ao tentar personalizar uma disputa institucional, deixando claro que “não há a menor hipótese de acordo para encerrar qualquer ação contra a Fecomércio”, como informou uma fonte, o representante do Sindlab deve continuar a ofensiva contra Maia.

*Procurada, a empresa americana Acro Biotech não respondeu até o fechamento desta reportagem.

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