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Brasília

Famílias de crianças com autismo pedem mais respeito na escola e dos vizinhos

De acordo com a OMS, uma em cada 160 crianças tem transtorno no mundo. No Brasil, entretanto, ainda não há um estudo específico sobre para o autismo

Agência UniCeub

24/09/2019 16h03

Foto: Arquivo Pessoal

Gabriella Cardoso
Jornal de Brasília/Agência UniCeub

O preconceito contra crianças com o Transtorno do Eespectro Aautista (TEA) ainda significa obstáculo para o desenvolvimento social. Seja na escola, nas ruas ou dentro da própria família, os pequenos passam por situações constrangedoras, que podem desencadear novos problemas, segundo especialistas. O autista, geralmente, apresenta algum grau de comprometimento na interação social, na comunicação, em interesses para determinadas atividades, e atitudes repetitivas, entre outros sintomas.  

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada 160 crianças tem transtorno no mundo. No Brasil, entretanto, ainda não há um estudo específico sobre para o autismo. O psicólogo Marlon Batista, da Associação Brasileira de Autismo Comportamento e Intervenção (ARACI), explica que o diagnóstico é feito geralmente por pediatras e neuropediatras, baseado no nível de independência que a criança possui. Quanto mais dependente da ajuda de outra pessoa, maior é o grau do autismo. 

O tratamento deve ser feito, em geral, com o médico e um psicólogo, que vai ajudar no processo de formação da criança com base no comportamento particular dela. “A criança autista tem os déficits de comportamento como com a falta de interação social, e alguns excessos de comportamento, como as ‘estereotipias’. E o trabalho do psicólogo é exatamente esse: diminuir o que está em excesso e aumentar o que está em ausência, o pouco comportamento” argumenta Marlon.

Legislação 

Em dezembro de 2012, a Lei nº 12.764 foi sancionada e instituiu-se a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estabelecendo diversos direitos para aqueles que possuem o transtorno. Entre eles, na educação, o direito à inscrição da criança em escolas públicas ou particulares, professores capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns e até uma pessoa especializada que irá acompanhá-lo durante os estudos. 

Já a Lei 13.146 de 06/07/2015, foi criada para promover a igualdade de direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência. E como está descrito nos artigos 4º e 5º, respectivamente:, “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”., e 5º “A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante.”

A discriminação é considerada crime por essa mesma lei. Como é explicado no artigo 88, não pode existir impunidade para quem discrimina uma pessoa deficiente, incluindo os autistas. Há previsão de uma pena de detençãoum a três anos e multa.

Inclusão

Com todas as dificuldades enfrentadas pelas crianças com autismo,torna-se cada vez mais comum o preconceito nas escolas, que surge por parte dos coleguinhas, ou até mesmo dos professores.

Assim aconteceu com o garoto Vicente, carioca de cinco anos, diagnosticado em 2018 com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e Síndrome de Asperger (SA), um grau leve de autismo. A mãe dele, Ilanir Monsores, de 31, conta que o filho foi transferido automaticamente para uma escola municipal devido à sua idade. Lá, de acordo com a família, nem os próprios funcionários tinham o preparo adequado para atender aos alunos com transtorno.

Como a mãe descreve, Vicente era excluído da turma com a alegação que ele tinha problemas de comportamento. A mãe comunicou à diretoria da escola sobre a situação, mas nenhuma atitude foi tomada.

A mãe conta que a escola não providenciou o acompanhamento que ela solicitou, mesmo tendo apresentado todos os relatórios médicos necessários. O contexto fez com que Vicente regredisse em alguns comportamentos e tivesse um aumento nas crises de ansiedade. “Às vezes, quando eu estava o arrumando para ir à escola, ele me falava que não queria ir, porque lá ninguém gostava dele.

Atualmente, a relação de Vicente com os coleguinhas da nova escola é muito boa. A mãe diz que isso só foi possível devido ao trabalho de inclusão que as “tias” da creche fizeram com ele de um ano de idade aos três, incentivando as outras crianças a auxiliarem o pequeno nas tarefas diárias. “As crianças naturalmente o ajudavam. Cansei de ver meu filho saindo da salinha e esquecendo o material, mas tinha um amigo, que sem ninguém falar nada, trazia a mochila dele e colocava nas costas dele, depois vinha outro amiguinho e dava um abraço”.

Ilanir Monsores com seu filho Vicente de cinco anos – Foto: arquivo pessoal

Resistência

Outra mãe, Raquel Alberti, passou por uma situação semelhante com o filho caçula, Rafael Alberti, de quatro anos, em Palhoça (SC). O menino foi diagnosticado aos três anos com um grau leve de alto funcionamento – não verbal. Mesmo antes do diagnóstico, Rafael já procurava atendimento fonoaudiológico, porque Raquel, que é psicopedagoga e professora, conhecia o sinais do problema, incluindo o atraso na fala.

A mãe lembra que, quando Rafael entrou na escola, uma professora falou que o garoto precisava ir à igreja. Neste ano, outra professora insiste em dizer que o comportamento do aluno atrapalha a turma em alguns momentos. 

“Adoram o Rafa , abraçam , beijam, sinto que o carinho vindo das crianças é único, muito diferente dos adultos. Meu filho tem apego a algumas crianças, principalmente às mais velhas.” diz Raquel. Rafael gosta bastante da professora da manhã, mas na parte da tarde apresenta uma resistência maior para ir a escola. A mãe chegou a fazer uma reclamação formal à Secretaria da Educação, no setor de educação especial, que ainda está em andamento. 

Rafael Alberti, de quatro anos, com sua mãe Raquel e sua irmã Júlia, de oito anos, que possui Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) – Foto: Arquivo Pessoal

Desigualdade

Thiago Correia tem sete anos e foi diagnosticado com autismo leve a moderado. Ele é psicologicamente acompanhado por Marlon, na ABRACI, e sua mãe, Andreia Santos, abdicou de tudo para cuidar dele.  Em sua primeira escola, demorou para se adaptar, não conseguia acompanhar o aprendizado das outras crianças, sempre ficava isolado e não conversava com os outros alunos. 

O preconceito sofrido por Thiago não é só na escola, mas também durante suas atividades diárias em lugares públicos. “Ele estava passando por cima de um jardinzinho e um senhor falou para não deixá-lo ali porque poderia se cortar ou cair. Aí eu chamei e ele não veio, chamei de novo e ele não veio, então o senhor falou: ‘Se se fosse meu filho eu dava uma varada’. As pessoas que não conhecem o autismo acham que é teimosia, mas não é”, explica.

Na escola, Thiago já passou por uma sala inclusiva onde as professoras não faziam questão de ajudá-lo na socialização. Andreia relata que sempre o encontrava em uma mesinha sozinho com a porteira e desabafa que isso a chateava muito. Já na classe especial, o garoto evoluiu bastante no quesito social com o carinho tanto dos coleguinhas especiais quanto das outras crianças que também o acolhem de forma natural.

Andreia já presenciou muitas situações chatas, como em sua própria família, em que algumas pessoas não o chamam para algumas ocasiões por ele não ter uma estabilidade de comportamento. Ela acredita que esses episódios acontecem com maior frequência porque as pessoas não têm ciência do que é o autismo.

Thiago Correia de sete anos com sua mãe Andreia, na ABRACI – Foto: Gabriella Cardoso

Outra mãe, a imigrante venezuelana Josmar Alejandra, de 35 anos, passou por problemas semelhantes em Brasília (DF). Ela, que é professora e atua como chefe de cozinha, explica que o  filho, Gerardo Alejandro, de 4 anos, ainda não tem o diagnóstico concluído para o autismo. O menino também faz acompanhamento psicológico na ABRACI. A mãe considera os funcionários e estudantes da escola atenciosos com Gerardo, entretanto o episódio de preconceito sofrido pelo garoto foi no prédio onde mora.  

“A gente se mudou para esse prédio no final de janeiro. As crianças de lá costumam brincar na parte de baixo e quando souberam que estavam chegando mais crianças, ainda por cima estrangeiras, todo mundo ficou emocionado. Depois de uns dias que Gerardo começou a brincar, ele começou a não querer dividir os brinquedos e chorava. Aí tive que explicar para as mães que ficavam lá embaixo, que ele era autista, que batia em alguém quando não emprestava um brinquedo”. A filha do meio ouviu algumas mães falarem para seus filhos não brincarem com Gerardo e sempre que o viam saindo para brincar, chamavam as crianças para brincar longe do garoto.

Alejandra lamenta que, toda vez que o garoto saía para brincar, até as crianças mais velhas o ignoravam. “Chegava chorando em casa e dizendo que ninguém queria brincar com ele”. Como ela vive apenas com os três filhos, enquanto a venezuelana trabalha, as filhas de 13 e 15 anos cuidam de Gerardo, esquentam o almoço que ela deixa pronto e o ajudam a fazer o dever de casa. 

Josmar Alejandra com seu filho Gerardo Alejandro, de 4 anos. – Foto: Gabriella Cardoso

O preconceito

O psicólogo Marlon Batista conta que é comum receber crianças que sofrem preconceito por serem autistas. “Tudo que é diferente, é estranho. Então a leitura que se faz é a de que as pessoas não sabem como lidar, nem sempre existe um preconceito de ‘“não quero, não aceito’”. Eu entendo que existe o ‘“não conheço, não sei como lidar’” e isso acontece com as outras crianças, as professoras, os adultos, que de uma forma leiga, padronizam que se é especial, tudo é retardo mental. Que é um termo que nem se usa mais”.

As quatro mães entrevistadas concordam que o preconceito não é natural da criança, mas sim uma repetição do que veem em casa, do que os pais ensinam. “Se há preconceito vindo de uma criança, certamente tem um adulto por trás. Do contrário, eles agem com muito afeto. Preconceito é algo que nunca acaba, é nato do ser humano, porém só aparece de acordo com a criação., O que precisamos é orientar as pessoas sobre o convívio com os neurotípicos, inclusive pelo fato do número ser cada vez mais crescente”, diz Raquel.

Na opinião de Alejandra, esse preconceito não é da criança, mas sim dos pais. “Quando tem que ser ensinado que todo mundo é diferente e isso tem que ser respeitado, são valores de casa. Quando uma criança nasce, ela vem sem chip. Quem coloca o chip é a família.” 

Ilanir, Raquel, Andreia, Alejandra e Marlon acreditam que essa forma de preconceito pode ser combatida por meio da informação e da divulgação do que é o autismo. “O que falta é informação. As pessoas têm uma visão muito limitada sobre o transtorno. Muita gente acha que o autista é aquela criança que fica isolada, não olha no olho e fica se balançando. E o autismo não é só isso. Todos os autistas, com todas suas características, merecem  respeito” sente Ilanir.

A Andreia acha que a falta de informação se dá também por falta de interesse. “Eu mesma, quando ficava com meu irmão especial na escola, também não sabia o que era o autismo, que existiam graus diferentes. Para mim, eram só aquelas pessoas que ficavam se balançando o tempo todo. Então eu acho que as pessoas não têm interesse em estudar a respeito, porque não é problema delas.” 

“Acredito que cada um tem que buscar informação. Porque eu não posso formar um conceito daquilo que eu desconheço e isso é muito básico. Em um nível macro, acredito que a divulgação possa contribuir. Agora existem mídias na internet que podem trabalhar o assunto”, afirma o psicólogo Marlon Batista.

As famílias de crianças com o espectro autista batalham todos os dias para ajudarem seus filhos de todas as maneiras possíveis. Cada palavra, frase, abraço, beijo, olhar, som e toque são uma evolução e motivo para se emocionar e ganhar forças para um novo dia.

 

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