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Brasília

Falta de consciência, com lockdown em vista

Sem hospital de campanha prometido pela Fecomércio, Ibaneis admite atitude mais drástica. Reportagem foi a Ceilândia entender por que tantos desafiam a covid-19

Redação Jornal de Brasília

04/06/2020 6h48

Mortes não assustam moradores

Em regiões como Ceilândia e Samambaia, população se aglomera e ignora o uso de máscaras

Olavo David Neto e Vítor mendonça
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Juntas, Ceilândia, Sol Nascente, Samambaia e Cidade Estrutural somam 2.333 casos notificados da covid-19, com 66 óbitos nas quatro localidades – mais de um terço das mortes em todo o DF. Mesmo assim, a rotina não sofreu grandes alterações nos locais. As Regiões Administrativas (RAs) estão na mira do Palácio do Buriti, que enxerga no aumento exponencial das notificações um perigo para todo o Distrito Federal. Com isto, a proposta de um lockdown – o fechamento total das cidades – está no gabinete do governador Ibaneis Rocha (MDB).

A preocupação sobre a rede de atendimento  à saúde dessas regiões administrativas ficaram maior depois que secretários e integrantes do alto escalão do Governo do Distrito Federal (GDF) se disseram “frustrados” com a notícia de que o Serviço Social do Comércio (Sesc) e a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-DF) não pretendem mais construir o prometido hospital de campanha, com 400 leitos.

É fácil testemunhar o descuido com as recomendações das autoridades de saúde. No centro de Ceilândia, o movimento acontece como se não houvesse restrições de distanciamento ou recomendações de isolamento social. A despeito dos 1.320 casos notificados na região, com 39 óbitos, parte da população da cidade caminha, joga cartas e dominó em mesas públicas, e muitos ainda circulam sem máscaras, ou com item na região do queixo, deixando livres a boca e o nariz. Dessa forma, a proteção se torna ineficiente.

O centro do comércio, ao lado da famosa caixa d’água de Ceilândia, está tomado por transeuntes, trabalhadores e vendedores ambulantes. A Feira do Rolo, localizada em frente ao local, segundo comerciantes, é o ponto que mais gera aglomeração durante a manhã na cidade. A informação é que cerca de 50 a 100 pessoas se amontoam todos os dias em um único lugar. Por conta das barracas dos ambulantes, andar nos corredores se tornou mais difícil, e o espaço necessário para o distanciamento mínimo, de 1,5 metro, portanto, é escasso.

Luzia Costa, 53 anos, lamenta que a cidade esteja dessa forma. A moradora de Águas Lindas, que atua como cuidadora de idosos na cidade mais populosa do Distrito Federal, tem medo de ser contaminada com a doença. “As pessoas não respeitam. Mesmo sabendo que precisa usar a máscara, não usam”, disse. “Vejo isso principalmente nos ônibus. Tem gente que entra de máscara, mas quando senta, tira e faz a viagem sem”, contou.

Sol Nascente

No Sol Nascente, cidade vizinha, a movimentação é mais tímida durante a tarde e aumenta conforme as pessoas chegam do trabalho, já no fim do dia. Ao lado de um supermercado no Trecho 3, a cena é mais evidente quanto ao não uso de protetores faciais. É o que conta o vendedor de milho Marcos José da Silva, 59, que vende o produto nos arredores mais movimentados da cidade.”Tem muito menino e menina sem usar a máscara. Estão mais desleixadas mesmo”, afirmou.

Segundo Marcos, estar na rua é questão de necessidade para pagar as contas e o aluguel da casa. Mas o comerciante informal revela não ter medo do novo coronavírus por tomar as precauções que considera necessárias para se proteger. “Uso álcool em gel, máscara, e ainda tenho outras dentro do carro. Na idade em que estou, tem que tomar cuidado. O fluxo é daqui para casa e de casa para Feira do Produtor para buscar o milho”, complementou o vendedor.

Quem dá o exemplo é Thatyana Oliveira, 41, que há cinco anos mora no Sol Nascente e há dois gerencia um negócio de roupas femininas. A vendedora colocou uma grade de proteção na entrada do comércio para evitar aglomerações e controlar entradas de clientes. “Depois que pude abrir a loja, percebi que muita gente entrava e ficava cheio”, explica. “As clientes vêm e escolhem as roupas que querem e eu trago. Se elas quiserem experimentar, entram e geralmente levam a peça depois. Se elas não quiserem, eu guardo e levo para casa para lavar”, detalhou a dona do Brechó da Tathy.

“Meu presidente falou”

Em Samambaia, a parte comercial da quadra 200 estava apinhada. A Região Administrativa (RA), que, desde segunda-feira (1º) contabiliza 337 novos casos de covid-19, mostrou-se pulsante na tarde de ontem. Quase simultaneamente, o Portal Covid-19, do Governo do Distrito Federal (GDF) divulgava que a RA atingia a marca de 756 infectados pelo novo coronavírus. Duas agências bancárias vizinhas tinham aglomerações nas entradas.

Vendedora ambulante, Luana Carvalho montou seu comércio entre as duas agências, em frente a uma loja de colchões. Durante a entrevista, foi avisada do “rapa” – a fiscalização comercial. Só depois se atentou que a equipe do DF Legal vistoriava a observância às medidas de segurança. Então, gritou de longe: “Meu presidente disse que todo mundo vai ser contaminado mesmo”, em referência à declaração de Jair Bolsonaro (sem partido) da noite de terça-feira (2).

Os agentes pediram aos clientes da instituição bancária para se afastarem uns dos outros, além de retirar da espera um homem sem protetor respiratório. “Eu organizo aqui, mas é como um efeito sanfona”, disse Clebemir Divino. Organizador de filas de uma das instituições, ele relatou ao Jornal de Brasília que a ordem é manter o distanciamento entre clientes, impedir a entrada de pessoas sem máscaras e higienizar quem entra na agência. A tarefa, porém, é difícil. “Toda hora eu tenho que pedir para afastar, manter dois braços de distância, mas logo eles voltam.”

O comércio de Eutides Cardoso é pequeno e sem janelas. Na verdade, o empresário improvisou a garagem da casa onde vive, na Cidade Estrutural, e afirma que, sem protetores faciais, ninguém entra ali. “Também passo álcool em gel em quem vem comprar”, relata o comerciante, que afirma não receber mais de dois clientes por vez. Apesar dos cuidados, o movimento caiu “quase 100%” depois do isolamento social. Segundo ele, o DF Legal passa duas vezes ao dia na região, fiscalizando comerciantes, comerciários e consumidores.

Apesar dos estabelecimentos vazios, as ruas estão cheias, e poucos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) são vistos. Quatro das 257 pessoas infectadas pela Sars-Cov-2 morreram, e 94 novos casos foram notificados apenas nesta semana.

Saiba Mais 

O hospital de campanha que estava previsto para ser construído pela Fecomércio-DF e o Sesc era visto como uma compensação ao possível aumento de pacientes de covid-19 na rede de saúde do Distrito Federal.

O Palácio do Buriti teria cumprido o acordado com a federação e liberado, com restrições, parte do comércio da cidade.

A construção, então fruto de uma parceria entre o GDF, a Fecomércio-DF e o Sesc, chegou a ser anunciado no Salão Nobre do Buriti no dia 15 de maio com a promessa de que em “30 dias” pacientes contaminados já estariam sendo atendidos pela unidade de saúde.

Agora, a expectativa é de que a Fecomércio possa vir a doar “equipamentos” ao governo local, em vez da construção da referida unidade.

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