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Brasília

Em meio ao caos, eles dão uma aula de otimismo e bondade

Cinco figuras contaram ao JBr como conseguiram lidar comas incertezas de 2020 de forma leve

Catarina Lima

25/12/2020 7h31

Cici, Ivanildo, Thauanny, Marcela e Karla são pessoas diferentes, com histórias diferentes, idades e realidades diferentes. Mas há um elo entre eles: o otimismo e a força para seguir em frente, apesar das dificuldades pessoais ou
coletivas. A conversa com essas cinco pessoas para a fazer a matéria a seguir foi um aprendizado de resiliência, respeito ao próximo, superação e fé, muita fé. Não se trata da fé no sentido religioso – embora alguns falaram nesta crença – mas numa fé enorme neles mesmos e na capacidade de cada um de seguir em frente.

Francisca Cirilo Peixoto, Cici para todos que a conhecem, nasceu em 1925, em Aracati (CE). A vida nunca foi fácil para a menina pequena, loira de olhos azuis inquisidores e sempre atentos. Hoje, aos 95 anos, ela enfrenta a pandemia com leveza e otimismo. Orgulha-se de ter aproveitado a quarentena para aprender a lidar com lives, reuniões remotas, e tudo que envolve tecnologia. Aproveitou o dia a dia com os netos, com quem está passando este período, para aprender os mistérios dos computadores e das redes sociais. “Meus netos são meus amigos, a gente conversa normal, de igual para igual”, disse.

A receita dessa senhora para enfrentar a pandemia de forma mais fácil é a leveza. “Passei pela malária, na década de 1930, é certo que o vetor era outro, mas muita gente morria, só que as pessoas tinham mais calma, mais tranquilidade. Hoje vejo gente querendo apressar as coisas, agir de forma errada e isso só atrapalha”, avaliou. A inquietude e curiosidade de Cici que agora não pode sair e nem viajar, como gosta de fazer desde que se aposentou, –— está passando a pandemia reclusa com a filha, o genro e os netos— voltou-se à tecnologia.

“Se não posso sair, encontro as pessoas pela internet, pelo telefone. Tenho certeza que esta doença vai passar, que vamos tomar vacina e a gente voltará a viver como sempre viveu”, acredita.

E sua esperança tem fundamento. Cici é uma mulher que nasceu numa sociedade machista, abriu caminhos para conquistar seu espaço. Estudou e se formou quando isso era impensável para uma mulher; disputou espaço com homens; ocupou cargos de chefia no serviço público. Ficou viúva cedo, tomou as rédeas do seu destino, criou a única filha e continua livre como no tempo em que era menina e causava espanto pela desenvoltura com que montava cavalos da fazenda onde morava.

“Se eu não posso sair, encontro as pessoas pela internet, pelo telefone. Tenho certeza que esta doença vai passar, que vamos tomar vacina e a gente voltará a viver como sempre viveu”. Foto: Miguel Pelentir/cedida ao JBr

“Cheia de planos”

Quem vê a moça bonita, de sorriso fácil, não imagina as transformações que aconteceram em sua vida nos últimos 12
meses. Há exatamente um ano ela perdeu a mãe. Quando ainda superava a dor, veio o coronavírus. Mas, ao contrário da grande maioria das pessoas que buscou segurança durante a pandemia, Thauanny Camilla resolveu mudar tudo. Trocou um emprego seguro e bom salário numa grande empresa pelo empreendedorismo. Hoje ela se orgulha de representar empresas de moda em Brasília e em Goiânia e dos quase 100 mil seguidores que conquistou no lnstagram, tornando-se influenciadora digital. Ela é a garota propaganda das marcas que a contratam.

Pergunto se ela não sentiu medo de mudar num momento de tanta incerteza. Sem pensar ela responde que não. “Claro que não me arrependo. Estou feliz, tendo retorno e cheia de planos”. O otimismo de Thauanny passou para os dois filhos — Arthur, de 13 anos e Antônio, de seis. Orgulhosa ela conta: “O Arthur já é microempreendedor, ele vende dindim no condomínio em que a gente mora. Ele faz a organização financeira direitinho. Sabe quanto precisa para comprar mais produtos, quanto pode tirar para ele… sabe tudo”.

Thauanny, que desafiou os tempos difíceis da pandemia e a dor da perda da mãe, diz que tem certeza que a vacina vai chegar aqui, que vai fechar mais contratos e seguir em frente como sempre fez.

“Claro que não me arrependo. Estou feliz, tendo retorno e cheia de planos”, conta a empreendedora. Foto: Lucas Neiva/Jornal de Brasília

Solidariedade para dividir

Figura icônica na cidade, conhecido por todos que passam pelo Setor Policial/Setor Hospitalar, Ivanido do Skate, de 46 anos causa admiração a quem o vê pela primeira vez. Espera-se que o homem de pernas paralisadas, que se locomove sentado em um skate, seja triste, mal humorado e que apenas esteja ali para pedir uns trocados.

Mas quando a pessoa se aproxima vê que Ivanildo está ali para pedir não só para si. E que sobra bom humor e otimismo. Ele divide o que ganha com crianças e famílias carentes. “Passei 15 dias em casa no início da pandemia, mas decidi não me isolar. Estou aqui tomando cuidado, usando máscara, álcool gel, mas vou ficar aqui”, garantiu.

“Eu não me entrego a tristeza. Nasci na cidade de Murici (AL). Perdi o movimento das pernas aos dez meses. Estou no segundo casamento e tenho quatro filhos. Ganho um salário mínimo de aposentadoria. O que consigo aqui — no sinal de trânsito ao lado do cemitério Campo da Esperança — serve para ajudar no meu sustento e também a pessoas que precisam”, disse.

Sem perder o otimismo, Ivanildo disse que costuma comprar presentes para até 600 crianças com o dinheiro que ganha das pessoas no semáforo e de doações, mas neste ano, devido a pandemia, só será possível atender 300 ou 400. “Mas não tem nada não. No Dia das Mães as coisas estarão melhores e vamos fazer uma festa maior”, disse. Ao final da entrevista, ele perguntou: “quando sai a matéria? Se for antes do Natal as pessoas vão me ver e posso conseguir mais brinquedos para as crianças que ajudo”. Com a resposta de que só sairia no dia 25, ele então arrematou: “Não tem nada não. As pessoas vão me ver do mesmo jeito e vou conseguir muitas cestas básicas para distribuir no Dia das Mães”.

“No Dia das Mães as coisas estarão melhores e vamos fazer uma festa maior”, projeta, com esperança, Ivanildo. Foto: Reprodução/Instagram

Uma nova vida

Nos últimos tempos a dentista Karla Oliveira tem ouvido com certa frequência a pergunta: “Como você teve a coragem de engravidar na pandemia?”. Com paciência ela responde que, mesmo que a situação fosse ainda pior, não abriria mão de ter um filho. “Não por ter um filho, mas eu e meu marido queremos fazer o melhor que pudermos para entregar ao mundo uma pessoa que possa ajudar os outros, ser solidário”, explicou. Karla disse que ela e o marido estão tranquilos e confiantes.

Para os dentistas o coronavírus é um grande risco. Mas mesmo grávida ela decidiu voltar a atender quando foi possível. “Nós fizemos uma reunião com os colaboradores e todos quiseram voltar. E olha, acho que nunca as pessoas precisaram tanto de atendimento. Os pacientes chegam ao consultório estressados, com bruxismo — doença que faz ranger os dentes —, cáries, devido ao excesso de açúcar que têm comido, entre outros problemas. Geralmente os pacientes chegam com muita dor. Estou trabalhando muito. Antes eu fazia mais estética. Nunca atendi tantos casos de dor”, disse. Karla segue trabalhando diariamente até às 20h e na maior alegria pela chegada de Eduardo, daqui a três meses, e pelo casamento há apenas um mês.

Karla cita que a pandemia gerou ainda mais trabalho. “Os pacientes chegam ao consultório estressados, com bruxismo, cáries devido ao excesso de açúcar que têm comido, entre outros problemas”. Foto cedida ao JBr

Na linha de frente

A enfermeira Marcela Vilarim, de 44 anos, 20 dos quais vividos nos hospitais da rede pública do Distrito Federal, conhece de perto o que o coronavírus pode fazer com a vida de uma pessoa. Por decisão própria, a profissional resolveu permanecer na UTI do Hospital de Base, o maior do Distrito Federal, quando o local foi transformado em UTI de covid.

Durante dois meses ela e os colegas eram as únicas esperanças das pessoas que ali chegavam. Nem a morte de um tio, vítima da doença, ou a contaminação dos pais, fizeram com que ela desistisse. “Decidi ir para lá porque tenho 20 anos de profissão, experiência e as pessoas estavam precisando”, explicou. Marcela não contraiu o coronavírus.

Apesar do medo de ser contaminada e contaminar a família, a enfermeira continua trabalhando em um local de risco, embora não mais na UTI do Hospital de Base. Para ela o coronavírus, que já infectou quase 250 mil pessoas em Brasília e foi responsável pela morte de mais de 4.100, não veio por acaso, “é mais uma lição que a humanidade precisa aprender”.

“Até hoje, muita gente não enxerga a necessidade de olhar para o coletivo”, disse. E de coletivo Marcela entende bem depois da experiência vivida. Ajudar o colega mais cansado que ela, dividir a medicação — às vezes escassa — e servir de família para aqueles que não podiam estar com os seus no momento de dificuldade foi sua rotina.

‘Até hoje, muita gente não enxerga a necessidade de olhar para o coletivo”, aponta a enfermeira. Foto cedida ao JBr

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