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Brasília

Em dez anos, número de revólveres legalizados subiu no DF

Arquivo Geral

16/07/2018 7h00

Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasilia

Jéssica Antunes
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Neste ano, houve pelo menos quatro crimes trágicos envolvendo armas de fogo usadas por civis no Distrito Federal. Nenhum deles tinha autorização para portá-las. Três não estão vivos para contar sua versão, e o quarto alega legítima defesa. O panorama do armamento na capital é nebuloso. A quantidade de cidadãos com porte de arma é um mistério. O que se sabe é que, em uma década, o número de revólveres legalizados subiu 148%, enquanto as autorizações para circulação caíram 98%.

Por quase dois meses, a reportagem buscou informações sobre controle de quem registra ou mantém o porte junto à Polícia Federal. A corporação é responsável por autorizar compra e transporte, registrar e conceder aval para carregar esses objetos. Sem respostas ou indicação de fonte para entrevista, as estatísticas vagas obtidas apenas graças à Lei de Acesso à Informação (LAI) indicam um panorama local.

De 2007 a 2017, mais de mil armas de fogo foram registradas. O certificado permite que o cidadão a mantenha em casa ou no local de trabalho. No período, porém, o número de autorizações para portar, transportar e transitar com revólveres caiu 98%. A liberação é concedida mediante necessidade relacionada à atividade profissional ou ameaça à integridade física.

O aposentado Greuton de Souza, 55 anos, correu atrás do porte há seis anos, quando abriu um bar, por segurança. Bombeiro da reserva, passou por todo o processo formal. Ele diz que nunca precisou usar a pistola calibre 38. “Para ter arma, tem de estar tranquilo, andar por lugares adequados. É uma coisa muito perigosa”, admite.

Para ele, as burocracias são mais que necessárias, mas todos deveriam ter acesso a armamentos. “Bandidos andam armados, por que o pai de família não pode ter o porte?”, questiona.

Antônio Firmino, 51 anos, tem opinião parecida. Depois que ele foi para a reserva da Polícia Militar, há dois anos, quis manter a sensação de segurança. “Eu já tinha a arma registrada há 20 anos, mas precisei regularizar o porte que perdi após a aposentadoria. É um respaldo ao menos para intimidar”, diz.

Após deixar a PM, Antônio decidiu dar entrada no processo para poder portar arma.Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasilia

Ataque x Defesa

Pércio Montibello, presidente do Instituto Pró-Armas do DF, defende a liberação completa de posse, transporte e comércio, com uma legislação mais dura: “Não queremos simplesmente armar todos e fim. Isso seria coisa de maluco. Tem de haver habilitação e punir rigorosamente quem usa mal”.

Para ele, a ideia é dar direito ao cidadão. “Causa insegurança para o bandido. Armar a população não vai fazer diferença para a violência no Brasil. O que vai fazer isso é acabar com a impunidade”, diz.

Por outro lado, Felippe Angeli, coordenador do Instituto Sou da Paz, alerta para discursos radicais que se aproveitam do medo. “A arma é instrumento eficaz de ataque, mas pouco eficaz no quesito defesa. Não se trata de proibir as armas, se trata de ter regulamentação razoável responsável que trate o instrumento com a periculosidade que tem”, rebate.

Ele lembra que são comuns casos de discussões banais que geram morte. Ou que o filho pega a arma dos pais. Policiais, mesmo armados, são feridos e mortos em ataques. Mesmo entre eles, que são treinados, têm arma como instrumento de trabalho.

Ilegais retiradas das ruas

Segundo a Polícia Militar, quase a totalidade das armas apreendidas é clandestina e usada para crimes – roubadas, furtadas ou importadas sem autorização. Neste ano, uma média de cinco foi apreendida por dia. Até junho, 1.032 foram retiradas de circulação. Em 2017, 2.464. Os números envolvem todos os tipos, entre revólveres, pistolas, fuzis, metralhadoras e armas caseiras. Também estão incluídos simulacros e armas de airsoft.

A Polícia Civil, por sua vez, retirou 841 das ruas no primeiro semestre do ano. O número considera armas que passaram por perícia e apresentaram poder de letalidade. Entre os anos de 2016 e 2017, houve crescimento de quase 10%: passou de 2.286 para 2.496.

Estatuto do desarmamento

Em vigor desde 2003, o Estatuto do Desarmamento foi criado com objetivo de restringir o comércio e o porte. Em 15 anos, o texto sofreu diversas modificações que flexibilizaram as exigências.

Alvo de polêmicas e discussões acaloradas, o estatuto pode ser até revogado. Um projeto de lei tramita no Congresso Nacional propõe um novo texto. A intenção é conceder licenças definitivas e reduzir a idade mínima de 25 para 21 anos. A concessão seria mais abrangente, bastando requisitos básicos como empregabilidade, moradia e certificado de capacidade técnica.

Ponto de vista

Especialista em segurança pública, Nelson Gonçalves destaca que a dificuldade da reportagem em obter os dados é compartilhada por pesquisadores.

“O controle é muito precário no Brasil inteiro. Não há publicações a respeito. Existe uma estimativa, sem possibilidade de comprovação, de que haja em torno de seis milhões de armas regulares disponíveis nas mãos dos brasileiros – entre forças policiais, forças armadas, empresas de vigilância e cidadãos com registro”, diz. Apesar disso, ele indica que o principal problema é a ilegalidade, que fomenta o crime. “Há incapacidade de controlar as armas que entram no País de forma clandestina”, aponta.

Memória

O último dado em relação ao armamento na capital tem mais de cinco anos. Em 2014, o Jornal de Brasília mostrou que, entre 2012 e 2013, foram liberadas 881 autorizações de porte de arma, uma média de 352,4 para cada um milhão de habitantes. Destas, 652 (ou 74%) foram destinadas a vários tipos de uso, como segurança privada e caça esportiva, e as demais para defesa pessoal.

Mortes

O Brasil está entre os países em que mais se mata com armas de fogo. Segundo o Atlas da Violência 2017, de 100 assassinatos, 72 foram executados por tiro. Em dez anos, os casos cresceram 25%. No DF, o índice teve queda de 22% no período. Em 2015, último ano do atlas, 489 pessoas foram foram alvejadas e morreram.

Saiba Mais

Armas de fogo registradas ou não, de qualquer calibre e procedência, podem ser entregues à PF com indenização que chega a R$ 300. Não há investigação em relação à origem ou ao portador da arma. É preciso preencher requerimento eletrônico e ir a uma unidade de entrega. A pessoa recebe protocolo de indenização para saque e a arma é inutilizada. No DF, de 2007 a junho de 2016, 14.223 revólveres foram entregues.

 

Jornal de Brasília

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