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Brasília

Eleições 2020: candidatas da periferia buscam colocar becos no mapa

Segundo cientista político, ações na periferia cresceram depois da Constituição de 1988, e representantes da comunidade buscam espaço de poder

Agência UniCeub

08/11/2020 9h00

Mayariane Castro
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Elas querem vagas no Câmara dos Vereadores de suas cidades e “ousam” chegar a um caminho que os seus antepassados jamais imaginaram.  Nada de dar murro em ponta de faca. Mas é preciso ser contundente contra o racismo ou diante das portas fechadas. Uma candidata negra em São Paulo (SP) e uma indígena em Belém (PA), de partidos diferentes, têm em comum o sonho de criar pontes, abrir diálogos e pautar o Legislativo com temas que elas conhecem na pele. É preciso dar dignidade de verdade para quem mora nas periferias.

O discurso político não é de hoje que Aline Torres (MDB-SP) conhece de perto. “Descobri que precisava negociar espaços desde os tempos de escola”. Ela que se identifica como “negra e de periferia ”, sabe que é preciso ter habilidade de jogadora de xadrez para conquistar avanços. Acostumou-se, desde a infância, a ouvir as histórias de exploração profissional em sua família.

“A dificuldade da política negra é semelhante aos problemas que passamos no dia a dia”, diz Aline Torres, candidata em São Paulo

O avô foi escravizado em fazenda no Recôncavo Baiano por um prato de comida. A mãe, que jovem decidiu mudar para morar em favela na maior cidade do Brasil, mostrou para a filha que era preciso lutar.

“Minha mãe chorou quando me viu terminando a faculdade”. 

Não foi fácil.  Conseguiu fazer  cursinho  gratuito  graças a projeto  social.  Na  faculdade  de  relações  públicas,  era  apenas  uma  das três  negras  em  um  universo  de  mais  de  60  alunos. “Para minha mãe, que veio da roça e fez supletivo somente depois de adulta, o que eu já consegui é uma vitória. E eu tenho muito orgulho da minha família por tudo o que eles conquistaram”.

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Da comunidade de Pirituba, Aline tentou uma cadeira como deputada federal e supreendeu com mais de 14 mil votos. Fez o caminho longe de partidos de esquerda. “Eu sinto com todos os grupos. Política é dialogar”. Ela que conseguiu fazer pós-graduação em Gestão de Projetos Culturais pela Universidade de São Paulo (USP), quer aplicar o projeto na Câmara. “Cultura tem que viabilizar renda para as pessoas também”. No ano passado, foi selecionada entre 4 mil pessoas para ser aluna da Renova BR, e se tornou embaixadora do Brasil no Conselho Pan-Africano (Pan-American Council).

Se Aline chegar à Câmara, de novo vai construir uma história rara. A cidade de São Paulo até hoje teve apenas duas vereadoras negras em 460 anos de história. O plano já está na ponta da língua: priorizar o fortalecimento e o empoderamento da juventude, articular para que as comunidades periféricas possam empreender, possibilitar emprego e renda para ações culturais, garantir endereço para quem mora em becos e vielas, e buscar aperfeiçoar infraestrutura para quem está em situação vulnerável na periferia. “Obstáculos sempre vão haver. Mas já melhorou. E temos que continuar na luta”

Indígenas

Para a geógrafa Márcia Kambeba, de 41 anos, candidata pelo PSOL à Câmara dos Vereadores de Belém, os povos indígenas já fazem política bem antes do contato chegar. “Meu povo Kambeba se organizava em apária maior e apária menor. Ou seja o apária maior era o cacique geral que cuidava de todo território, o apária menor era formado por todos os caciques de todas as aldeias pertencentes ao território dos Kambeba e obedeciam ao Apária Maior. Esse cacique geral se chamava Tururcari Uka. Era visto por poucos. Então segundo os Viajantes do século 16 já nos encontraram muito bem organizados político, social e culturalmente”.

O problema é que a violência massacrou os povos indígenas ao longo do tempo. “Na atualidade, nossos direitos são violados. Precisamos pensar estratégias de resistência e as candidaturas indígenas nessa eleiçao de 2020 têm essa intenção”.

Marcia Kambeba disputa vaga em Belém. “Na atualidade, nossos direitos são violados”

“Nós lutamos por direitos coletivos, pelo direito ao bem viver, e esse bem viver pode ser trabalhado não só na aldeia, mas também na periferia. Queremos trazer esse bem viver indígena para contribuir com o coletivo da cidade. Queremos pensar o bem viver na educação, na saúde, na cultura, na educação ambiental”.

É novidade para Marcia a política partidária. “Minha luta política sempre foi a literatura. Eu sou artista, sou ‘artivista’. Num primeiro momento eu neguei, não me via dentro desse cenário, a gente sabe que é muito delicado adentrar nesses espaços de disputa de poder”. Mas foi convencida por pessoas que acreditaram que ela pode pautar novidades na Câmara. “Nós mulheres indígenas percebemos que é necessário ocupar esses espaços, por mais que a gente não venha a ganhar a eleição, mas estamos fazendo esse barulho, dizendo ‘olha, estamos aqui’. Temos alguns direitos ali que existem apenas na lei, não existem na prática”.

Eu me considero uma candidata indígena, de periferia, que busca trazer propostas para os indígenas em contexto urbano que vivem em sua maioria nas periferias de Belém.

Há cinco mil indígenas em Belém vivendo nas periferias, conforme contabiliza. De acordo com o cientista social André Dias, mulheres da periferia fazem parte de um grupo tratado como minoritário que passou, desde a Constituição de 1988 mais compreensão de que poderia participar das disputas também no campo político. “Aquelas pessoas que chamamos de minorias estão descobrindo que os poderes constituídos são espaços de luta adequados em tempo de democracia”.

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