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Brasília

Drogas sintéticas: uma “diversão” que tira vidas

Arquivo Geral

24/09/2018 7h00

Atualizada 23/09/2018 21h24

Foto: PCDF

João Paulo Mariano
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Enquanto para os jovens do Distrito Federal é fácil encontrar drogas sintéticas, como o ecstasy, em festas, a Polícia Civil precisa se reinventar para perseguir a trilha deixada pelos fornecedores do entorpecente que, de tempos em tempos, muda de fórmula para despistar a Justiça.

A morte da estudante de enfermagem Ana Carolina Lessa, de 19 anos, após consumir a droga, mostra os perigos escondidos dentro desses comprimidos ou selos. Sem controle, os efeitos podem ser mais pesados que algumas horas com os sentidos mais aguçados, causando alucinações, palpitação e até a morte. Segundo laudo da PCDF, a jovem teria utilizado a substância N-Etilpentilona. Apesar de ter semelhança com o ecstasy, ela é mais forte e, por isso, mais perigosa.

A jovem faleceu no dia 25 de junho deste ano. Ela saiu de casa, em Águas Claras, para ir à uma festa de música eletrônica. E retornou quase dois dias depois, quando foi localizada por amigos na casa de um conhecido da família no Sol Nascente. Levada para um hospital no Cruzeiro, não resistiu. O coração e os rins não suportaram.

A delegada-chefe da 3ª DP do Cruzeiro, Claúdia Alcântara, explica que alguns jovens que acompanharam Ana Carolina na festa relataram, em depoimento, que a viram com um comprimido na mão. Eles teriam até dito que “aquela não era da boa” pois tinha um efeito forte e “dava uma bad terrível no outro dia”. Outros afirmaram ter visto Ana pingar um líquido na boca um tempo depois.

Para a investigadora, ela pode ter utilizado a N-Etilpentilona nos dois momentos, já que esse entorpecente é produzido em formato de comprimido, selo e líquido. Não foi possível saber a quantidade exata de substância presente no corpo da jovem, porém é provável que a morte tenha sido, de algum modo, causada pelo seu uso.

“Se ela não tivesse usado a droga, não teria se jogado no chão ou na grade, como as testemunhas falaram que ocorreu. A droga causa agitação, desorientação e a pessoa não sabe o que está acontecendo. Chega até a se debater”, ressalta Cláudia Ancântara. Com a investigação, foi dispensada a possibilidade de violência sexual.

Anvisa

A delegada Cláudia alerta que a N-Etilpentilona não é tão antiga no Brasil e, por isso, muitos a consomem sem o total conhecimento de seus efeitos nocivos.

A droga foi incluída na portaria 344/98 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que fala das substâncias proscritas, ou proibidas, em março do ano passado. O registro foi feito após pedido das forças policiais. Ainda segundo a Anvisa, nenhum medicamento no País contém a substância.

O responsável pela Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) da Polícia Civil do DF, Luiz Henrique Dourado, afirma que a inserção de novas substâncias na lista da Anvisa precisa acontecer, pois os fabricantes, com o tempo, modificam a fórmula básica dessas drogas sintéticas para conseguir burlar a lei. Se o princípio ativo do elemento não estiver na lista de substâncias proibidas, mesmo após apreensão, a polícia não pode manter os acusados presos já que eles não estariam comercializando algo ilegal.

A N-Etilpentilona é um estimulante e é usado, em geral, de maneira recreativa. Porém, o seu efeito é mais forte que o do ecstasy. Tem um efeito danoso para a saúde e não tem aplicação terapêutica. “É uma droga de diversão e usada em ambientes de festas. Ninguém sai do trabalho e vai usar esse tipo de substância. Quem usa está num ambiente fechado”, afirma Dourado.

Para ele, essa e outras drogas sintéticas têm usuários específicos: “Esse tipo de droga ainda é de nicho. Ela é mais cara que as outras e por isso é consumida, em geral, pelos jovens de classe média ou alta; e por diversão”. Isso dificultaria, inclusive, as investigações já que, diferentemente de outras drogas que são consumidas até mesmo a céu aberto, a N-Etilpentilona pertence a ambientes fechados.

Entrada com ‘mulas’ e até pelos Correios

De acordo com levantamento feito pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), de janeiro a agosto deste ano, foram apreendidos 788 comprimidos de ecstasy, 536 selos de LSD e 398 frascos de lança-perfume. Todas são drogas sintéticas comuns no ambiente onde a N-Etilpentilona tem seu uso. No mesmo período do ano passado, a quantidade apreendida foi ainda maior: 1.509 comprimidos de ecstasy, 1.089 selos de LSD e 412 frascos de lança-perfume.

O delegado Luiz Henrique, da Coordenação de Repressão às Drogas, diz que entorpecentes fabricados em laboratório chegam a Brasília após passar por outros estados. Eles vêm com pessoas, utilizadas como “mulas”, ou até mesmo após envio como remessa local pelos Correios. No País, grande parte do que chega até aqui vem da Holanda e de outros países europeus. Há casos em que as drogas vêm em contêineres ou escondidas em meio a outros objetos.

Luiz Henrique Dourado. Delegado da CORD. Foto: Matheus Albanez.

Investigação

Com esses diferenciais – chegar de maneiras alternativas ao País, ser vendida em locais fechados e mudar constantemente a fórmula, – a investigação se torna um desafio para a Polícia local. O delegado relata que a Cord está se adaptando à realidade diferente do mundo sintético. “Temos que utilizar policiais infiltrados, entre outras formas, para entrar nesses locais fechados. Estamos nos adaptando e, com isso, conseguimos fazer apreensões grandes nos últimos meses”, afirma o investigador.

O Jornal de Brasília mostrou um desses casos em agosto. No dia 29 do último mês, integrantes da Cord se passaram por consumidores de ecstasy e conseguiram prender uma mulher de 20 anos e um homem de 22. Eles foram detidos, em flagrante, quando tentavam passar 250 comprimidos para os policiais.

A investigação começou quando agentes se infiltraram em raves da cidade; e receberam a indicação de que esse casal fornecia a droga. No momento em que eles cobraram o valor de R$ 3,5 mil pelos comprimidos, receberam voz de prisão.

Da primeira euforia à dor de uma mãe

Apesar do perigo de não ser possível saber exatamente o que está jogando na corrente sanguínea ao engolir o comprimido da droga sintética, Anna (nome fictício), 20 anos, consome os entorpecentes nas festas de música eletrônica que frequenta.

A primeira vez que tomou “bala” foi em uma rave este ano. Mas ela assume que não usa com frequência. “Eu penso que dá mais energia. E sinto muito melhor o ritmo da música. Não sei explicar bem o que sinto, mas cada um sente de um jeito. Para mim, é uma energia louca pelo corpo que acompanha a música”, diz a jovem, que pediu para não ser identificada pela reportagem do jornal.

Anna comenta que, na primeira vez que usou, ficou com receio “de dar algum efeito ruim”, mas “foi bem tranquilo”. A jovem garante não ter tido “apagão de memória”. A única coisa estranha que sentiu, segundo ela, foi um enjoo forte por falta de costume.

Estudante de enfermagem Ana Carolina Lessa morreu em junho deste ano após consumir N-Etilpentilona em uma festa eletrônica. Foto: Reprodução

A estudante conta que tem medo de consumir algo que faça mal, porém assume não saber quais cuidados deveria tomar para evitar drogas mais fortes que o ecstasy.

Para a jovem, conseguir um comprimido não é difícil. “Quando quero, eu compro por R$ 20 de alguém na festa. Não sei de onde ele consegue, mas é muito fácil. Não é nada escondido”.

Preocupação dos pais

Sem conhecer muito bem o que era uma droga sintética, Valda Lessa, 41, mãe da estudante de enfermagem Ana Carolina, que faleceu depois do consumo da N-Etilpentilona, diz que foi surpreendida pela causa da morte da filha.

A mulher só descobriu que a estudante frequentava festas eletrônicas após a tragédia. “Nós tínhamos uma comunicação muito aberta e ela era muito esclarecida. Eu confiava muito nela, que nunca foi de mentir”, revela. “Se eu pudesse voltar (no tempo), faria tudo diferente. Eu daria liberdade, mas ficaria mais atenta”.

Valda não esquece os últimos momentos que teve com a filha, quando a jovem chegou em casa, quase dois dias após ser considerada desaparecida. A mulher acredita que a menina ainda estava sob o efeito de droga, pois tinha as pupilas dilatadas, estava muito agitada e nervosa. Agora, Valda afirma que a dor ainda é grande, mas diz que vai ficar de olho nos outros dois filhos.

Ela destaca que os pais precisam ter mais atenção ao comportamento dos jovens: “é preciso saber com quem os seus filhos estão e conversar sobre. Por mais que sejam esclarecidos, pode não ser suficiente”.

Ponto de Vista

Para a coordenadora do Centro de Referência sobre Drogas e Vulnerabilidade da Universidade de Brasília (UnB), Andrea Gallassi, o maior perigo das drogas sintéticas para o corpo é o elemento surpresa, já que que a pessoa paga por algo que não tem certeza do que tem dentro e do efeito que isso pode ter no corpo. Podem ocorrem desde alucinações e leves desmaios, passando por apagões de memória e dificuldade de controle corporal.
Assim, os pais devem ter uma conversa bem aberta com os filhos, mostrando os problemas que podem vir com o uso. “É preciso que os pais tenham um relação próxima e honesta com os filhos sobre o assunto”, afirma.

Saiba Mais

Na manhã desse domingo (23, a Polícia Militar apreendeu mil comprimidos de ecstasy em Águas Claras. A droga sintética estava no Residencial Plaza DF, ao lado da EPTG, em posse do empresário Igor França, de 29 anos. Preso em flagrante por tráfico de drogas, ele foi encaminhado para 21ª Delegacia de Polícia (Taguatinga), responsável pela sequência da investigação.

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