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Brasília

Disque-ritalina faz entrega de medicamentos controlados sem receita

Arquivo Geral

08/05/2018 18h29

Foto: Breno Esaki

Jéssica Antunes
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O uso de medicamentos estimulantes para turbinar os estudos virou febre entre concurseiros que querem afastar o sono, manter a concentração e driblar o cansaço. Pela internet, interessados conseguem comprar ilegalmente comprimidos como Ritalina – remédio de uso restrito – sem qualquer acompanhamento médico. Na frente de faculdades e cursos para concurso e pré- vestibulares do Plano Piloto, um cartão chamou a atenção nas últimas semanas.

“Farmácia Livre. Ritalina. Medicamentos sem receita”, diz o informativo colocado no para-brisa dos veículos. Não há nome ou endereço, apenas um contato a ser feito via WhatsApp, por onde o JBr. negociou por dois dias. Além da Ritalina comum, o vendedor oferece remédios “mais fortes”.

JBr. negociou a compra com o anunciante

“O mais barato é Ritalina normal, 10 mg tá (sic) R$ 120. Stavigile 100 mg está saindo a R$ 290, é bom também. Por R$ 590 você compra o Venvanse 30 mg, que é bem superior à Ritalina. É o melhor medicamento que existe pra TDHA. Dos que vendem no Brasil, pelo menos”, disse o vendedor.

O homem confirma que não há necessidade de receituário e garante que os produtos são lacrados e de farmácia, buscados conforme demanda de compradores em Valparaíso (GO), na Região Metropolitana do DF – o que justificaria os preços até 200% acima do mercado legal.

Em outra ocasião, ele sugere qual o remédio mais indicado e como tomar: “reparte o comprimido ao meio (sic)” e “o melhor se você puder pagar é o Venvanse, comece pelo de 30 mg”.

Com exceção da Ritalina comum, todos os outros devem ser pagos com antecedência por depósito bancário. “Eu tenho de pagar por eles assim que eu pego. Se a pessoa desiste, eu fico com o mico na mão”, justifica. As transferências são feitas para a conta de uma pessoa identificada por Felipe Gomes Barbosa.

JBr. negociou a compra com o anunciante

Para que serve
Conforme a Anvisa, a Ritalina é usada para tratar o Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), que atinge 3% das crianças e jovens e causa problemas de concentração. O tratamento geralmente inclui terapia psicológica, educacional e social. O remédio também pode ser usado para distúrbio do sono. Mas os casos requerem diagnóstico profissional.

Perigo do uso indiscriminado
Arthur Jatobá e Sousa, neurologista especialista em neurologia cognitiva do Hospital Brasília, conta que não é rara a procura deliberada pelos medicamentos por quem quer estudar melhor e passar em concurso. Mas ele adverte para os variados riscos.

“Qualquer estimulante deixa a pessoa mais alerta, mas o uso tem de ser controlado porque aumenta o risco de arritmia, que pode levar à parada cardíaca. Quem o utiliza sem necessidade cria uma bola de neve de fatores de risco porque aumenta a pressão arterial”, esclarece Sousa.

O especialista lembra que a Ritalina está no mercado há bastante tempo e, para o paciente com transtorno, o efeito é ótimo. Venvanse, por sua vez, é uma anfetamina com efeito estimulante e também melhora a atenção para os diagnosticados.

Controle
A outra medicação oferecida pela “farmácia livre”, o Stavigile é a primeira indicação para distúrbios de sono. Qualquer um desses remédios é vendido com receituário amarelo de controle de entorpecente com carimbo do médico.

João (nome fictício) assume ter se automedicado por sete meses. “Não é difícil encontrar quem venda e quem compre. É o que mais tem no mundo do concurso. Tem quem ofereça dentro e fora dos cursinhos, e a negociação é feita por mensagens ou pessoalmente”, conta o rapaz de 22 anos.

Ele se arrepende pelos efeitos colaterais. João, que queria passar em concurso, desenvolveu crises de ansiedade que, hoje, são acompanhadas de perto por um profissional. “É um perigo. Vendem como a pílula da inteligência, propaganda. Ninguém fala das consequências. Riem dos medos de vício. É muito complicado. Isso precisa ser melhor investigado e coibido”, diz.

Dá cadeia
A venda de medicamento restrito sem receituário médico é considerada crime contra a saúde pública. O Código Penal Brasileiro, no artigo 280, coloca como ilegal a venda sem prescrição de medicamentos que constem no controle especial da Anvisa, com tarja preta ou vermelha. A pena é de um a três anos de prisão.

Vender ou repassar medicamentos mais restritos pode ser enquadrado como tráfico de drogas, e a mera atitude de fornecer o remédio já configura crime. A pena vai de três a 15 anos de prisão.

A Polícia Civil informou que não há ocorrências com o nome do titular da conta-corrente indicada pelo vendedor. A reportagem não conseguiu contato com a Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Ordem Tributária e a Fraudes (Corf) para esclarecer a atuação nesses casos.

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