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Brasília

Contrate seu “personal” agricultor

Na seção #mundonovo, conheça o projeto pelo qual é possível patrocinar diretamente o cultivo dos legumes e verduras que você consome: as CSAs

Marcus Eduardo Pereira

16/08/2019 6h05

CSA foto : ARQ PESSOAL

O tempo da agricultura do bem

Popular, familiar, orgânico, local, sazonal e comunitário: conheça o trabalho das Comunidades que Sustentam a Agricultura – um movimento que se espalha pelo Distrito Federal e pelo Brasil

Larissa Galli
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Todos os dias, de 6h às 18h, é possível encontrar Rob, um agricultor que recém completou 50 anos, em meio à agrofloresta que ele cultiva diante de sua casa, na chácara de 7,5 hectares de um assentamento no Piripipau, próximo a Planaltina (DF). Lá, ele e sua esposa Nena, 43, plantam, podam e colhem os alimentos que a terra lhes dá no tempo dela. Às sextas, às 19h, o casal se desloca até a Asa Norte com os produtos para fazer a entrega de fartas cestas aos coagricultores: aqueles que financiam todo o trabalho de Robemario Ribeiro de Souza e Francisca da Cruz Ribeiro – ou Rob e Nena, como preferem ser chamados.

Esse é o modo de funcionamento de uma Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA). A ideia se espalhou pelo Brasil. Há no DF mais de 30; algumas CSAs integram a Rede CSA Brasília, que administra o perfil @rede.csa.brasilia no Instagram.
Os coagricultores, que geralmente moram nos centros urbanos, pagam uma taxa mensal aos agricultores que vivem no campo. Em troca, os primeiros recebem toda semana uma cesta cheia de produtos que foram plantados e colhidos graças à essa contribuição. É nessa relação de confiança e parceria que a comunidade sustenta a agricultura de fato.
Rob e Nena mantêm a produção local de alimentos orgânicos e seus cinco filhos a partir dos recursos obtidos pela CSA – que, no caso deles, é chamada CSA Flor de Lótus.

Foto : Arquivo pessoal

As cestas da Flor de Lótus contêm entre dez e 12 itens, entre frutas, verduras e raízes. “Tentamos manter a cesta balanceada, fazê-la o mais variada possível, sempre pensando em evitar o desperdício”, conta Nena. Eles também levam em consideração a época certa de plantar e colher cada alimento. “Um dos princípios das CSAs é oferecer aos nossos coagricultores aquilo que a terra nos dá no seu tempo. Temos um estudo e uma programação de plantio de longo prazo, de acordo com a melhor época para plantar cada coisa”, explica Rob. “Agora estamos com muita mexerica na nossa floresta, porque está na época. Não adianta querer comer abacate em dezembro; a terra não vai dar, não adianta insistir”, completa Nena.

Além da entrega das cestas de alimentos orgânicos e agroflorestais, as noites de sexta-feira também são momentos para que os membros da CSA troquem receitas e se conheçam melhor. Para Rob e Nena, manter uma relação com os coagricultores é muito bom. “É ótimo vir ao ponto de convivência e ver que os nossos coagricultores confiam na gente para alimentar seus filhos”, relata Nena. “É maravilhoso saber que estamos colocando comida de qualidade no prato das pessoas”, pontua Rob.

Uma vez por mês, aproximadamente, são os coagricultores que se deslocam até a chácara no Piripipau para ajudar no plantio e na colheita do alimentos. Nena disse que a cesta entregue já contou com rúcula, batata doce e alho poró, por exemplo, que foram plantados e colhidos pelos coagricultores. “Procuramos nos juntar sempre que possível. Gostamos de receber eles na nossa casa para que possam nos ajudar. Todo mundo coloca a mão na massa, é uma força-tarefa”, conta Nena. “É afetivo a gente estar junto, eles saberem a história do alimento e acompanhar o processo todo de plantio”, completa Rob.

Tucano e papagaio

Os alimentos produzidos pela CSA Flor de Lótus vêm de uma agrofloresta, um sistema de plantio sustentável que promove a regeneração da terra. Ou seja, além de garantir uma comida de qualidade e sem agrotóxicos para os coagricultores, Rob e Nena também contribuem para evitar a destruição do planeta.
“É perceptível o quanto mudou o nosso terreno com a agrofloresta, principalmente o clima. Antes era tudo seco; era uma área acabada. Agora nós temos uma floresta na porta de casa; recuperamos a vida da terra. A gente não via pássaros perto de casa e agora eles vivem lá. Tem tucano, papagaio que vem comer as frutas e dividem elas com a gente”, relata Nena.

Foto : Arquivo pessoal

De acordo com Rob (foto), a agrofloresta foi essencial para resolver o problema que enfrentavam com o período de seca. “Nós sabemos o bem que estamos fazendo para a nossa propriedade, para a nossa água. Nossa agrofloresta evita que a gente perca um metro cúbico de água por ano. A agrofloresta multiplicou nossa água”, pontua Rob.

“Bom para quem come e para quem produz”

Hoje, a agrofloresta de Rob e Nena possui mais de 2 mil mudas plantadas. Além dos alimentos, a floresta também conta com várias árvores do cerrado, como o baru, seringueira, pequizeiro e cagaiteira. “É uma forma também de preservar essas espécies. Estamos sabendo proteger o cerrado com a nossa agrofloresta”, completa Nena.

Ela está certa: atualmente, com o avanço do agronegócio no cerrado brasileiro, muita diversidade desse bioma já se perdeu. De acordo com mapeamento realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o cerrado teve 6.657 km² desmatados no período de agosto de 2017 a julho de 2018.

Coagricultores

Atualmente, a CSA Flor de Lótus é formada por 34 coagricultores que, além de financiar a produção, também dividem tarefas de apoio à comunidade. Cada CSA tem uma comissão rotativa que ajuda no financeiro, no acolhimento e na comunicação. “Eu não me preocupo com nada; a comissão procura me deixar relaxado para que eu me concentre na produção. Meu trabalho é plantar, colher e entregar para eles”, explica Rob.

Juliana Solórzano, 30, é nutricionista, coagricultora e membro da comissão. Segundo ela, o principal motivo para fazer parte da CSA é conhecer o processo de produção do alimento. “Como nutricionista, me sinto muito responsável pelo processo de como os alimentos são gerados. Eles têm de ser bons para mim e bom para quem os produz.”

Para o professor Mateus Castelo Branco, 39, um dos primeiros coagricultores da Flor de Lótus, fazer parte da comunidade tira os consumidores da posição passiva na cadeia produtiva. “Podemos valorizar mais quem produz e financiar uma qualidade melhor de trabalho para o camponês, porque, se ele planta sem agrotóxicos, ele também não se expõe ao veneno”, pontua. “É uma forma de resistir à agressividade do mercado. Ser coagricultor é um ato de resistência num momento tão crítico como esse que a gente vive”, completa.

A principal motivação da jornalista Amanda Guerra, 37, para ser coagricultora foi a ideia de reduzir o caminho do alimento até a mesa. “Nossa comida só passa por uma viagem, que é da chácara do Rob até o ponto de convivência. Isso garante a qualidade do alimento, que foi colhido hoje e sabemos que está limpo e não tem agrotóxicos”, explica. Segundo ela, a CSA garante que 100% do valor dos produtos ficam com a família que os produziram. “Dessa forma, o agricultor ganhar melhor, consegue viver com mais dignidade e a gente come se alimenta com mais qualidade”, finaliza.

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