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Brasília

CMB e AGU contestam ação no STF sobre afastamento de professor

Manifestações das instituições foram determinadas pelo ministro Gilmar Mendes, a quem compete o julgamento de ADPF impetrada pela Rede Sustentabilidade

Olavo David Neto

18/06/2020 19h05

A Advocacia-Geral da União (AGU) e o Colégio Militar de Brasília (CMB) se manifestaram sobre o professor de Geografia afastado da instituição por críticas à Polícia Militar de São Paulo (PMESP) e ao fascismo que, segundo o docente, toma conta do Brasil. Ambas as instituições ratificaram a decisão do comandante do CMB, coronel Carlos Vinícius Teixeira de Vasconcelos, e pediram a impugnação da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 689, impetrada pela Rede Sustentabilidade no Supremo Tribunal Federal e distribuída ao ministro Gilmar Mendes. Os ofícios atendem à determinação do ministro.

Advogado-Geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior argumentou com a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental pulou etapas no ordenamento jurídico, já que este tipo de recurso fica disponível quando do “prévio exaurimento de outros meios processuais”. Ou seja, a Suprema Corte não é o foro elegível, neste momento, para contestação acerca do tema. Também argumento o ministro que as ações do CMB se respaldam no artigo 142 da Constituição Federal, cujo inciso X prevê “situações especiais dos militares”.

Júnior também invocou a Portaria nº 42 do Comandante do Exército, segundo a qual “Colégios Militares são Organizações Militares”, e , portanto, como indica o artigo 4º, a ação educacional dessas instituições visa “despertar a vocação para a carreira militar”. Assim, enxerga conflito entre o artigo 206 da Carta Magna, que garante a liberdade de cátedra”, ao “regime peculiar dos militares”. O Regimento do Exército Brasileiro também foi mencionado, sobretudo no tocante às responsabilidades por manter a ordem e o cumprimento dos estatutos, que cabe aos respectivos comandantes das instituições militares.


Liberdade condicional

O ofício do Colégio Militar de Brasília se manifestou diretamente à AGU. No texto, a instituição afirma que o major Cláudio – identificado no pedido da Rede como da Polícia Militar (PMDF), mas, na verdade, do Exército Brasileiro – “foi voluntário ao adquirir tal status” ao prestar o concurso militar. Com isso, segundo o colégio, deve “sujeitar-se aos regulamentos”. Também foi relatado que o servidor militar, ao contrário do civil, não faz – ou não pode fazer – “juízo de legalidade” a respeito das ordens recebidas, apenas nos casos de flagrante crime.

Na argumentação, foi lembrado que os colégios militares são sui generis. Ou seja, de natureza peculiar, única, e assim a liberdade de cátedra “fica condicionada à compatibilidade com os pilares militares nos moldes da legislação militar”. O CMB ressaltou ainda que a interpretação do artigo 206 da Constituição deve “ser interpretado com limitações” no caso de instituições militares. Sobre a natureza do afastamento, argumentou-se que “tem por finalidade preservar o profissional e proteger os estudantes do ambiente de crítica e discussão que se instaurou após o incidente”.

Além disso, foi dito que a suspensão do docente se deu para “proporcionar melhores condições para que o major do Exército Brasileiro Cláudio pudesse exercer o contraditório e a ampla defesa no processo administrativa a que responde”. Assim, o CMB solicita a impugnação da ADPF por se tratar de via “inadequada” para a solicitação. Caso não ocorra, pede o indeferimento de medida cautelar, pois, segundo a instituição, os atos do comandante estão “em conformidade com os preceitos constitucionais que envolvem as FFAA e a liberdade de expressão”.

Agora, as arguições serão analisadas por Gilmar Mendes, a quem compete deferir ou não liminar que susta o PAD contra o professor e determine o imediato retorno do docente às aulas.


O caso

A aula sobre migração no continente europeu foi interrompida pelo professor para abordar a atual conjuntura política do Brasil. “Vocês devem ter acompanhado os dois protestos”, começou o major. “Uma senhora branca, falsamente com uma bandeira do Brasil nas costas (…) patriote de araque que ela é, e com um tremendo taco de beisebol”, descreveu. Segundo ele, não houve ação da polícia, ao contrário dos protestos antifascistas. “Os outros manifestantes foram tratados a bomba de gás lacrimogêneo”, denunciou.

Ele encerrou a interrupção no conteúdo da aula com um alerta aos alunos. “Então [foram] dois pesos e duas medidas. Tá? Para vocês refletirem em que mundo de escuridão a gente está se metendo”, finalizou Cláudio. Segundo Ana Paula*, aluna do 9º ano da instituição, a repercussão da aula entre os colegas foi boa. “Ele basicamente abordou sobre um tema muito importante na aula, retirou o tempo dele pra nos alertar sobre uma coisa que está tomando o mundo hoje. Todos gostaram da aula e foi uma chuva de comentários positivos”, relatou a estudante a.

Ainda segundo disse a docente ao Jornal de Brasília, “o major Cláudio é um ótimo professor; passa exercícios e ensina a matéria para valer”. Uma rede de apoio ao discente foi criada nas redes sociais através da #JustiçaparaMajorCláudio. “A política pra abordagem desses temas a maioria requer alguma autorização”, lembra a aluna. “Só que ele foi o único professor que falou sobre isso”, ponderou a estudante.

Comportamento militar

O decreto nº 4.364/2002, que institui o Regulamento Disciplinar do Exército (R-4), nos itens 57 e 59 do Anexo I da legislação, classifica como transgressão “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária” e “Discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado”, respectivamente.

Apesar disso, a proposta pedagógica do CMB – disponível no portal da instituição – traz como primeiro objetivo o capacitar os docentes ao desenvolvimento de valores “familiares, sociais e patrióticos”, com ganas de forma um “cidadão patriota, cônscio de seus deveres, direitos e responsabilidades”. Além disso, segundo o próprio Colégio Militar, os professores são instruídos a “Desenvolver no aluno a visão crítica dos fenômenos políticos, econômicos, históricos, sociais e científico-tecnológicos, ensinando-os, pois, a aprender para a vida, e não mais, simplesmente, para fazer provas”.

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