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Brasília

Audiências de custódia soltam 50% dos presos

Arquivo Geral

09/10/2017 7h05

Breno Esaki

Jéssica Antunes
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De moletom, calça e chinelos brancos, José (nome fictício) entrou na sala do Núcleo da Audiência de Custódia (NAC), no fim de um corredor no Departamento de Polícia Especializada, com os braços algemados atrás do corpo e escoltado por agentes. Ele havia sido preso em flagrante no dia anterior com 150 gramas de crack em Ceilândia e, agora, estava diante do juiz que decidiria se ele deveria responder ao processo preso ou em liberdade. Em média, 30 pessoas passam diariamente pelo mesmo procedimento. Autores de crimes graves tendem à prisão.

“Daqui você não vai sair condenado ou absolvido. Ainda que seja solto, o processo continuará”, avisam os magistrados no início da audiência. Ali, não se discute o motivo da prisão, apenas sua manutenção diante de dados, antecedentes e circunstâncias.

O homem, de 21 anos, casado, com um filho prestes a fazer um ano, foi pego com o equivalente a 1,5 mil pedras de crack. Ele já havia sido preso neste ano por porte de arma e tem passagem pela Lei Maria da Penha. Apesar de a defesa tentar mantê-lo livre, o juiz Aragonê Nunes Fernandes determinou prisão preventiva. Ele teve que aguardar o “bonde” que segue às terças e sextas-feiras rumo ao Centro de Detenção Provisória da Papuda, e da cela, espera a sentença.

“Traficar dá dinheiro, mas também dá cadeia. Agora você vai ficar fora do aniversário do filho”, disparou o magistrado, ao anunciar a decisão. Tráfico de drogas é, segundo as estatísticas, o segundo maior crime que leva detidos às audiências e às prisões: em 71% dos casos de flagrante, eles permanecem presos até o julgamento.

Neste ano, conforme dados da Secretaria de Segurança, pelo menos quatro ocorrências de tráfico de drogas foram registradas por dia. Mais de três toneladas de entorpecentes foram apreendidos.

Trinta por dia

Das cerca de 30 pessoas por dia que ficam frente a frente com um juiz diante de um crime recém-cometido, a maioria é de homens (92%). Estatisticamente, as chances de prisão ou liberdade são parecidas. De outubro de 2015 ao fim de julho, 20.095 pessoas passaram por audiência: 10.083 foram liberadas para responder ao processo em liberdade, e 10.012 tiveram a prisão mantida. Muitos saem com medidas cautelares, como pagamento de fiança, impossibilidade de deixar o DF ou medidas restritivas.

Há situações de choro, como o homem de 21 anos preso por furto. Entre lágrimas, ele jurou à juíza Lorena Costa que não voltaria a sentar ali. Também há casos de lição, como uma dupla de 18 anos recém- completados, que poderá ficar presa por 30 anos se condenada por latrocínio após uma experiência de 15 dias de internação quando adolescentes.

Maria da Penha e crime de trânsito não dão cadeia

Quando os tipos penais são considerados, os dados indicam que quanto mais graves os crimes, menores as possibilidades de os suspeitos conseguirem liberdade. Todos os acusados de latrocínio (roubo seguido de morte), feminicídio, extorsão mediante sequestro e formação de quadrilha ficaram detidos em 2017. Cerca de 80% dos suspeitos de roubo e 91% de homicídio também tiveram o mesmo destino, assim como 76% dos envolvidos em estupro.

Enquanto isso, 96% dos envolvidos em crimes de trânsito, 90% em lesão corporal e 68% dos acusados pela Lei Maria da Penha têm a liberdade concedida. Nenhum suspeito de crime ambiental ou tributário teve a prisão mantida. Segundo o Tribunal de Justiça, 7,2% dos libertados voltam a ser presos. Para as polícias Civil e Militar, as solturas causam retrabalho.

Tornozeleiras eletrônicas

Mara (nome fictício) foi presa pela décima vez por furto. Seis meses antes, ela havia sido mantida presa. Desta vez, graças à tornozeleira eletrônica, o flagrante foi convertido em prisão domiciliar. Manicure de 43 anos, a moradora de Planaltina é mãe de um menino com uma doença degenerativa cerebral que já matou dois filhos. Para o Ministério Público, ela pode ter algum tipo de doença, como cleptomania, já que nunca praticou nenhum crime com violência ou ameaça.

“De um lado, a prisão domiciliar permitirá que ela ministre os cuidados que o filho precisa. De outro, o monitoramento impedirá que ela volte a delinquir”, entendeu o juiz.

Ela ficará com o dispositivo por 90 dias e deverá cumprir regras como limite de 300 metros do imóvel e a necessidade de informar quando for ao hospital ou ao fórum – únicos locais permitidos. Mara foi a quarta pessoa a receber o equipamento em audiências de custódia. O NAC recebeu 50 das 175 disponíveis.

Agilidade reduziu o número de detidos provisoriamente

O Núcleo da Audiência de Custódia (NAC) foi instalado há dois anos com a promessa de mudanças na política do encarceramento. O objetivo é garantir a apresentação do preso a um juiz em até 24 horas para que seja analisada a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão. Antes, apenas após cerca de 30 dias ocorria a audiência de instrução.

Dados do Infopen apontam que, em dezembro de 2014, o DF alocava cerca de 14,4 mil presos, sendo 28% provisórios. Após o início das audiências de custódia, em 2015, o índice teve certa redução. Levantamento feito pelo TJDFT e enviado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em janeiro indica que o número de presos provisórios representam 21% da população carcerária – metade da média nacional, de 40%.

Para os magistrados Aragonê Fernandes e Lorena Costa, as audiências tornam a decisão personalizada e mudam a qualidade das prisões, já que quem possivelmente não será condenado a regime fechado geralmente não fica preso. Por outro lado, os crimes mais graves têm altos índices de reclusão.

Em relação às críticas feitas por corporações, o juiz rebate: “Nós também temos retrabalho, todo o sistema tem. A solução simplória de deixar todo mundo preso não é a mais adequada”. (Os nomes dos detidos foram trocados para preservar a identidade dos acusados)

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