Menu
Mundo

Após morte de presidente negacionista no Burundi, sucessor declara Covid-19 como ‘pior inimigo’

Nkurunziza era um atleta, graduado em educação física e apaixonado por futebol. Chegou a treinar um time da primeira divisão do país na década de 1990

Redação Jornal de Brasília

09/07/2020 17h51

Adriano Maneo
São Paulo, SP

No pequeno Burundi, país com 11,5 milhões de habitantes no coração da África, a morte do presidente, Pierre Nkurunziza, 55, um mês atrás, marcou uma reviravolta nas políticas de combate ao novo coronavírus.

Um negacionista contumaz da gravidade da doença e da pandemia, Nkurunziza foi sucedido por Evariste Ndayishimye, 52, que assumiu posição oposta e adotou um discurso firme de combate ao vírus.

Enquanto Nkurunziza minimizou os perigos da crise sanitária dizendo que “Deus limpou [o coronavírus] dos céus do Burundi” e chegou a expulsar o representante da Organização Mundial da Saúde do país, seu sucessor classificou a Covid-19 como o “pior inimigo” da nação, assim que assumiu.

Nesta segunda (7), o novo governo lançou uma campanha de testes em massa. De acordo com a BBC local, foram realizados 640 exames em um dia.

Desde que o novo governo assumiu, em 18 de junho, 1.900 testes foram realizados O número já é maior do que o total dos três meses anteriores, quando 1.200 pessoas haviam sido testadas.

O novo presidente também implantou uma política de subsídio a sabonetes e a água potável e afirmou que “todos têm que tomar medidas para não serem infectados ou para não infectarem os outros”.

“Nós pedimos a todos com sintomas da doença que corram para fazer um teste e receber tratamento”, disse Ndayishimye no começo do mês.

Segundo o site Worldometer, o Burundi registra 191 casos do novo coronavírus e apenas uma morte. Na África, o levantamento aponta 528.310 casos confirmados e 12.309 mortes.

A morte do presidente, no meio da pandemia, foi cercada de controvérsia.

Nkurunziza era um atleta, graduado em educação física e apaixonado por futebol. Chegou a treinar um time da primeira divisão do país na década de 1990 e mais recentemente jogava e dirigia seu próprio time amador, o Hallelujah F.C.

Segundo o governo, o presidente morreu de um ataque cardíaco, no dia 8 de junho. O anúncio sem outros esclarecimentos, porém, levantou especulações sobre a possibilidade de sua morte ter sido causada pelo novo coronavírus.

Pouco mais de uma semana antes, sua esposa, Denise Nkurunziza, havia voado para a capital do Quênia, Nairóbi, em busca de tratamento médico –mas o governo não informou o motivo.

Jornais quenianos publicaram que a primeira-dama estava com Covid-19 e que havia sido transportada em uma câmara de isolamento dentro do avião.

O governo negou as informações, e a primeira-dama ainda estava em tratamento quando recebeu a notícia da morte do marido. A mãe de Nkurunziza também está doente, mas o governo se nega a dizer o que ela tem.

Dois dias antes de sua morte, o então presidente sentiu-se mal durante uma partida de vôlei no sábado (6 de junho). Jornais locais afirmam que ele apresentava sintomas do novo coronavírus e que deu entrada em um hospital no leste do país com falta de ar.

Sua condição de saúde melhorou no domingo (7), mas na segunda-feira (8), ele sofreu a parada cardíaca e morreu.

Em seu funeral, milhares de pessoas se reuniram em um estádio lotado, sem nenhuma preocupação com distanciamento social ou uso de máscaras.

A morte de Nkurunziza gerou um impasse sobre o processo de sucessão. A Constituição prevê que em caso de morte do chefe de Estado, quem assume é o presidente da Assembleia Nacional, cargo então ocupado por Pascal Nyabenda.

O problema é que o novo presidente, Evariste Ndayishimye, que havia sido eleito em maio, deveria assumir em agosto.

Nyabenda e Ndayishimye são do mesmo partido do presidente morto, o CNDD-FDD, e antes das eleições disputavam internamente a vaga de sucessor dele.

A disputa foi levada à Justiça e, após dias de incertezas, a Corte Constitucional de Burundi antecipou a posse de Ndayishimye, que assumiu a Presidência do país.

Apesar da atual postura de combate ao novo coronavírus, Ndayishimye participava de grandes comícios comandados pelo então presidente durante as eleições. Nos atos, não havia nenhuma preocupação com o distanciamento social e outras medidas de controle da pandemia.

Em sua cerimônia de posse, em um estádio em Gitega, novas aglomerações e nada de máscaras.

Ndayishimye e Nkurunziza são ex-rebeldes do exército do grupo étnico hutu, na guerra civil iniciada em 1993 no Burundi. O conflito opôs hutus e tutsis após o assassinato do primeiro presidente democraticamente eleito no país.

Assim como Nkurunziza, Ndayishimye era um estudante quando escapou de um massacre na Universidade do Burundi. Ele fugiu do país, se uniu aos rebeldes e com seu poder retórico tornou-se um porta-voz do comando rebelde.

Em 2005, 12 anos de guerra civil chegaram ao fim, com ao menos 300 mil mortos. Após conversas de paz em que Nkurunziza e Ndayshimye foram protagonistas do lado rebelde, o país realizou eleições multipartidárias novamente, e Nkurunziza foi nomeado presidente.

Em 2010, só ele disputou a eleição presidencial, marcada por ataques com granadas na capital, intimidação de eleitores por policiais e soldados e acusações de fraude.

Cinco anos mais tarde, Nkurunziza anunciou que disputaria o terceiro mandato, violando o acordo de paz de 2000 e a Constituição do país, que vetava mais de dois mandatos presidenciais seguidos, e elevando novamente as tensões no país.

Uma tentativa de golpe para derrubá-lo foi frustrada e, como consequência, cresceu o autoritarismo, com diversas acusações de violações de direitos humanos.

Em 2016 a o Conselho de Direitos Humanos da ONU instituiu a Comissão de Inquérito para o Burundi, que segue atuante até hoje, sem apoio do governo.

Segundo o último relatório, de 2019, a comissão lamenta as “ameaças, intimidações e ataques pessoais feitos por representantes do governo do Burundi contra membros da Comissão de Inquérito”, durante as sessões do Conselho de Direitos Humanos e no Terceiro Comitê da Assembleia Geral.

Burundi
Território: 27.834 km² (pouco maior que Alagoas)
População: 11.530.580 (Brasil tem 211.049.527)
PIB: US$ 3,12 bilhão (do Brasil é US$1,84 trilhão)
PIB per Capita: US$ 280 (do Brasil é US$ 9.130)
IDH: 185º (Brasil é 79º)
Idioma oficial: Kirundi
Fontes: Banco Mundial, PNUD e UNStats

As informações são da FolhaPress

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado