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Brasília

Adolescente que provocou tragédia no Gama era conhecido da família; menor já foi apreendido quatro vezes

Arquivo Geral

29/08/2017 7h00

De cabeça baixa, Elton fala da dor da tragédia de perder a mulher e o filho no atropelamento. Foto: John Stan

Jéssica Antunes
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Apreendido pela quarta vez, o adolescente de 17 anos que atropelou uma família e matou duas irmãs e um bebê ficará internado provisoriamente. A medida pode durar até 45 dias e precede absolvição ou sentença de até três anos, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. Enquanto isso, familiares das vítimas juntam os cacos da tragédia e, contra impunidade, farão manifestação hoje, antes do velório.

“Todo mundo está desmoronando. É triste saber que, infelizmente, quem vai perder nessa história são eles, que estão mortos, e nós, que temos que viver com a dor da perda”, lamenta Elton Henrique da Silva Freire. Aos 23 anos, o brigadista soube, por uma ligação dos Bombeiros, que a esposa Rute Ester de Jesus Carvalho, 22 anos, o filho Eriko, de seis meses, e a cunhada Gabriela de Jesus Carvalho, 19, haviam morrido no atropelamento.

Agarrado a Edriel, o filho de dois anos que sobreviveu à tragédia, Elton recebeu o Jornal de Brasília em uma casa da família e, abalado, lembrou-se dos momentos após a notícia. Ele correu para o hospital e chorou ao ver que pelo menos um dos meninos estava bem. “Desesperador”, define.

Em audiência, adolescente nega embriaguez

No Núcleo de Apoio ao Atendimento Integrado Judicial ao Adolescente em Conflito com a Lei (Naijud), o adolescente foi ouvido pelo Ministério Público. Segundo o advogado André Toledo de Almeida, ele negou que estivesse bêbado, afirmou que pegou o carro escondido e que fugiu do local do acidente por medo da comoção pública. Os pais também foram ouvidos. Com essas informações, o promotor de Justiça produziu um parecer para que o juiz decidisse o futuro do menor.

O jovem deve ser internado provisoriamente no Centro Socioeducativo Amigoniano (Cesami), em São Sebastião, por até 45 dias. No período, acontecerá uma nova audiência, em que Ministério Público, testemunhas e defesa serão ouvidos novamente para que a sentença seja definida.

O adolescente embriagado que conduzia o carro não era desconhecido. “Eu o vi na infância, dividimos o mesmo lote e trabalhei para o pai dele certa vez”, conta o brigadista, que está desempregado. Perguntado se gostaria que o jovem ficasse recluso, ele se coloca no lugar do outro: “Como pai, jamais queria que um filho meu ficasse preso. Mas, como responsável, gostaria que ele pagasse pelos erros”.

Sem intenção

Aos 17 anos, o suspeito já tem ficha suja: roubo a pedestre, resistência, porte de arma e de entorpecentes. No domingo, o caso foi registrado na Delegacia da Criança e do Adolescente como infrações análogas aos crimes de atropelamento de pedestre e homicídio culposo na direção de veículo automotor, quando não há intenção de matar.

O criminalista Joaquim Pedro Rodrigues esclarece que, independentemente dos agravantes, o que importa é a intenção do jovem na hora do crime. “A investigação é cautelosa para identificar as intenções no momento do crime. As coisas do passado não contam”, diz. Isso dependerá da linha de investigação. “Existe a possibilidade de ele responder por dolo eventual, que é quando você assume o risco da sua conduta mesmo sem querer efetivamente o resultado produzido”, expõe o especialista. Para ele, o caso evidencia a falha do sistema de reeducação jovens infratores. “As pessoas pensam demais só na punição e se esquecem que a reeducação é muito mais importante”, opina.

O adolescente foi gravado enquanto recebia atendimento médico após o acidente. No vídeo, divulgado pelas redes sociais, o jovem aparece chorando ao dialogar com uma pessoa não identificada que alerta para o tráfego acima da velocidade da via. Um policial questiona o motivo de estar correndo e ouve, do detido, que “tava (sic) tudo errado”.

Vizinhos revelam uso de carro e moto

A reportagem do Jornal de Brasília esteve na casa onde vive o menor. Do portão, é possível ver uma mensagem religiosa, próximo à porta de entrada, que deseja boas vindas e se despede. O imóvel estava vazio e, segundo a vizinhança, os moradores passaram a noite pós-acidente fora. Os vizinhos das residências ao lado resistem em falar sobre o adolescente, a família e seus costumes. “São barra pesada”, uma mulher deixou escapar.

Com a garantia de que a identidade seria preservada, alguns revelaram que o adolescente tinha costume de pegar carro e moto para andar pela cidade, especialmente nos fins de semana. O jovem ainda praticaria rachas e faria manobras como cavalos de pau. As manobras foram flagradas por testemunhas na noite anterior ao atropelamento. Tudo isso teria supostamente aval dos pais, que, segundo o advogado criminalista Joaquim Pedro Rodrigues, podem responder no âmbito civil, tendo responsabilidade indenizatória.

Dor e revolta

Arranhões marcam a pele do menino Edriel, de dois anos, que sobreviveu ao atropelamento que matou sua mãe, seu irmão e sua tia na manhã de domingo. Em família, eles fariam o programa tradicional de domingo: compras no mercado. O trajeto foi interrompido pelo adolescente embriagado ao volante do Azera.

Elton Henrique da Silva Freire, o pai, conta que a noite com o menino foi tumultuada. “Ele sempre dormia passando a mão no rosto da mãe. Dessa vez, ele fez comigo, mas quando viu que não era ela, chorou. Chorou a noite toda, chamou por ela e pelo irmão”, lembra o brigadista.

O avô do menino, Man Sun Go, de 66 anos, também sobreviveu à tragédia. O idoso continua internado no Hospital Regional do Gama. Segundo informações fornecidas pela Secretaria de Saúde, ele está estável no pronto socorro de cirurgia geral e passa por avaliação da neurocirurgia.

“Ele lembra partes do que aconteceu, mas tenta se manter forte. Chorou quando viu que o Edriel estava vivo”, conta Elton. Na manhã de domingo, o coreano perdeu duas filhas no atropelamento ocorrido no Gama.

Família organiza protesto

Rute, o filho e a irmã serão enterrados hoje no Cemitério do Gama. A família pediu ajuda do GDF para custear os sepultamentos, pois não tem recursos. A despedida está marcada para 16h. Pela manhã, uma passeata em protesto sairá do ponto do acidente, na altura da quadra 24 do Gama Oeste.

Revoltado, o primo das vítimas Sérgio Jesus de Sousa, de 33 anos, organiza a manifestação. “Era um adolescente embriagado que não matou três cachorros no asfalto, tirou a vida de três pessoas, destruiu famílias. A gente não aceita, não pode se conformar com isso, não pode ficar impune ou que não teve intenção”, desabafa.

De acordo com o advogado do menor, André Toledo de Almeida, os pais do adolescente têm tentado se solidarizar com a família das vítimas. “Eles entraram em contato para apoiar de alguma forma. É uma coisa que não tem como reparar, mas tem como solidarizar”, afirma. Para Sérgio, isso é uma tentativa de tentar diminuir a culpa do menino: “Não estão preocupados conosco, mas com o filho que foi detido”. (Colaborou Matheus Venzi)

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