Quando errou nas barras assimétricas, um dia antes, Jade Barbosa não conteve o choro ao sentir que deixara escapar a medalha na competição individual geral. Mas ontem, no último dia de competições da ginástica artística, a jovem brasileira deu a volta por cima, num salto perfeito, e levou o ouro sem derramar nenhuma lágrima. A choradeira ficou por conta de Mosiah Rodrigues. Ele conquistou o quarto ouro do Brasil, na barra fixa, e se emocionou no pódio. Os outros dois foram de Diego Hypólito: no solo masculino e no salto.
O resultado, acima do esperado, fez a festa do público, que lotou as arquibancadas da Arena Multiuso e torceu como numa partida de futebol, com vaias, gritos e cantos. No final, após dez provas e mais de seis horas de competições, o Brasil encerrou a participação na modalidade com quatro ouros, duas pratas e cinco bronzes. Ontem, a conta bateu em nove medalhas. Além das quatro douradas, Laís Souza (duas), Daniele Hypólito, Danilo Nogueira e Jade Barbosa conquistaram bronze.
A exibição foi suficiente para elevar o Brasil ao terceiro lugar no quadro geral de medalhas, com sete de ouro, oito de prata e 15 de bronze, 30 no total, atrás apenas dos EUA e de Cuba. Também serviu para comprovar a força atual da ginástica brasileira. Mesmo sem Daiane dos Santos, conseguiu se superar e apagar os erros dos dias anteriores do evento.
Extasiados pela reação da torcida, os atletas comemoraram muito os resultados. Jade admitiu que, depois dos erros do dia anterior, chegou a temer por novas falhas. “Na hora de dormir, fiquei pensando que tudo podia ser bem melhor no último dia”, revelou a menina, que também conseguiu o bronze no solo. O pensamento positivo se concretizou e, dessa vez, ao receber a medalha de ouro das mãos do ministro do Esporte, Orlando Silva, Jade não chorou, mas agradeceu com um sorriso quase aliviado o apoio ensurdecedor da torcida tupiniquim.
A fama de chorão passou para Mosiah Rodrigues. “Podia ter cantado o hino, talvez ficasse mais bonito. Mas na hora pensei em muita coisa: na contusão que eu superei, no monte de coisas que eu tive de escutar e engolir, na minha família que estava lá e no Brasil inteiro torcendo”, explicou o brasileiro. Com o ouro no Pan, o gaúcho acredita ter chegado ao ápice da carreira. “Espero que não caia tão cedo”, brincou.
A equipe também fez questão de ressaltar a evolução da ginástica artística brasileira desde o Pan de Santo Domingo, em 2003. “Conseguimos a prata por equipes no feminino, que a gente buscava desde o último Pan. E hoje nem se fala: conseguimos cinco medalhas, bem mais que as três que conseguimos lá”, festejou Daniele Hypólito, bronze na trave. “As americanas entraram fortes, mas a gente vem trabalhando muito”, completou Laís Souza, terceira nos saltos e barras assimétricas.
Mosiah também destacou a evolução no masculino. “Crescemos ano a ano, resultado a resultado. Temos de curtir não só as medalhas de ouro, mas a de prata por equipes no masculino, pois tiramos muita diferença em relação a Porto Rico”, comemorou o ginasta. No final, coube a Diego Hypólito, estrela da noite com dois ouros, resumir o sentimento de todos em uma frase: “O importante é representar bem o Brasil”.
Hypólito exalta química perfeita
Aos gritos de “Bicampeão!”, a torcida comemorou com Diego Hypólito o ouro duplo conquistado ontem. Logo na primeira prova, no solo, sua especialidade, Diego fez apresentação perfeita e garantiu o ouro sem muitas dificuldades. Foi o suficiente para estabelecer de imediato ligação quase magnética com o público. Enquanto os outros ginastas da equipe brasileira eram mais contidos e só retribuíam os gritos das arquibancadas com tímidos acenos, Hypólito, mais expansivo, virou o queridinho dos torcedores.
Sua simples presença parecia hipnotizar a todos. O coro maciço da platéia alternava entre o nome do ginasta e gritos de “É campeão”, antes mesmo de Diego terminar as apresentações. O brasileiro retribuía com acenos efusivos, beijos açucarados e sorrisos calorosos. Quando o público começou a vaiar um concorrente americano, Diego pediu respeito. “Não, não. Tem que bater palmas”, gesticulou o brasileiro. O resultado veio em seguida: os urros se transformaram em aplausos e o estrangeiro agradeceu.
A química deu resultado. Diego venceu as duas provas de que participou e saiu como o grande vencedor do dia. “Ainda estou emocionado. Acho que a ginástica masculina evoluiu muito e a gente mostrou isso aqui”, analisou. Sem falsa modéstia, comemorou o excelente dia. “Eu estava bem seguro durante a competição. Isso me deu tranqüilidade”, assumiu.
Trunfo guardado
No solo, Diego nem precisou usar o famoso salto Hypólito 2 para vencer os concorrentes. “A gente analisou os treinos dos adversários e decidiu não usar o Hypólito 2, que é um movimento muito difícil. Deu certo”, comemorou o treinador Renato Araújo. A estratégia garantiu ao Brasil o primeiro ouro da história da ginástica artística masculina em Jogos Pan-Americanos.
Nos saltos, o brasileiro desequilibrou na aterrissagem na primeira tentativa. O que não o impediu de garantir boa nota: levou 16.125. No segundo salto, perfeito, alcançou 16.200 e elevou a média para 16.162.
Depois de subir ao lugar mais alto do pódio duas vezes, Diego fez questão de escalar a arquibancada até o local onde estava sua mãe, Dona Geni. O abraço materno era o prêmio que faltava. “Ele é um filho abençoado, que se sacrificou muito para que tudo desse certo. Estou muito feliz, amo meus filhos e amo o Brasil”, emocionou-se a mãe coruja.
O carinho aos familiares se transformou depois em agradecimentos verbais, durante as entrevistas. “Tenho de agradecer a todos: meu treinador, minha família, a família da ginástica brasileira e a torcida”, encerrou Diego, cujo carisma encantou o ginásio inteiro num dia histórico.
Brasileiros reprovam vaias
A torcida deu show ontem na Arena Multiuso. Com quase todos os lugares ocupados, os brasileiros coloriram as arquibancadas e incentivaram os ginastas nacionais em todos os momentos, mesmo após os erros. O apoio foi fundamental para que Mosiah Rodrigues garantisse o ouro.
Na última prova do dia, a barra fixa, o ginasta brasileiro foi o primeiro a se exibir e teve de aguardar os outros sete competidores antes de comemorar. Os dois últimos foram os norte-americanos Todd Thornton e Justin Spring, favoritos ao pódio. Mas a pressão da torcida foi tamanha que ambos erraram e acabaram facilitando para os brasileiros. Além de Mosiah, Danilo Nogueira também subiu ao pódio, em terceiro.
Mesmo assim, o comportamento do público foi criticado pelos brasileiros. Isso porque a pressão sobre os rivais era exercida sempre da mesma maneira: vaias e mais vaias. Justin Spring, depois de errar na barra fixa, sorriu amarelo e gesticulou para o treinador: “Assim não dá”, referindo-se ao barulho. “A torcida foi excelente, só faço uma ressalva, em relação às vaias.
Acho deselegante. Temos que aplaudir todos, mesmo quando erram. Fica como crítica construtiva”, opinou Renato Araújo, um dos técnicos da equipe.
As vaias eram puxadas principalmente por Oscar Schmidt, medalha de ouro no Pan de Indianápolis, em 87. Convidado como comentarista por uma emissora de TV, o ex-jogador de basquete não parou um minuto de gritar. “Uh! Vai cair, vai escorregar”. Ninguém gostou. “Acho que em ginástica não pode existir isso”, reprovou Laís Souza.
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