Rafaella Panceri
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Em escolas públicas do Distrito Federal, é comum ver adolescentes chegarem para a primeira aula do dia com os olhos vermelhos, aspecto cansado e cheiro de maconha nas mãos e nas roupas. A cena é vista em todos os turnos e não escolhe faixa etária. Tanto em escolas de ensino fundamental quanto nas de ensino médio, são frequentes os relatos dessa situação na sala dos professores e em grupos de estudantes.
No último ano e nos oito primeiros meses de 2018, a Polícia Militar do DF não registrou apreensão de drogas dentro das unidades escolares. Já alguns diretores, por outro lado, colecionam histórias de porções de entorpecentes encontradas nos banheiros, pelos cantos de colégios e com os próprios alunos.
Maconha e crack
L. , 14 anos, é estudante do Centro de Ensino Fundamental 10 do Guará e vê situações como essa com frequência. “Logo de manhã, às 7h, tem gente usando [maconha]”, conta. “É muito cedo. Alguns chegam com cheiro de cigarro, com o olho muito vermelho. Já vi gente fumando no banheiro, mas principalmente lá fora. Os mais velhos vão durante a aula para fumar maconha e crack”, relata.
Além de cigarros tradicionais, que são proibidos no interior de estabelecimentos de ensino, L. conta que a escola onde estuda “tem de tudo” — ou perto disso. “Outro dia, uma menina fumava um cigarro em forma de caneta no intervalo, escondido. Alguém contou e a direção recolheu a caneta. Ela foi transferida de escola”, lembra.
Ela se refere ao cigarro eletrônico, que, mesmo sendo tecnicamente diverso da definição de droga, não faz ou não deveria fazer parte dos hábitos cultivados por adolescentes. “Não me envolvo com essas pessoas”, garante. “A gente fica sabendo porque todo mundo se conhece e todo mundo conta o que o outro faz.”
Segurança
Em Samambaia, o uso de drogas abriu as portas para a violência. Símbolo disso é uma bala de fuzil encontrada nos corredores pelo vice-diretor de um centro de ensino fundamental que prefere não se identificar. Nessa escola, segundo denúncias, os adolescentes não apenas usam as substâncias entorpecentes, como as revendem a R$ 5 a R$ 10, conforme diz uma placa improvisada, feita por um deles na capa de um caderno.
Em outra escola da mesma região, a circulação de trouxinhas de maconha, papelotes de cocaína e a quantidade de assaltos no portão motivaram a instalação de câmeras nas áreas comuns e salas de aula. Segundo o diretor, que também preferiu falar sob a condição do anonimato, o monitoramento aumenta a segurança.
Enquanto isso, alunos e funcionários exercitam a convivência com o problema de maneira a não criar situações intempestivas — ou, como aponta um vice-diretor de Samambaia, manter “uma tolerância” com os bandidos. “Assim consigo sobreviver lá na escola”, justifica. Quando a Polícia Militar é acionada, ele perde. “Uma hora a polícia tem que ir embora. Eu fico aqui, isolado, como ‘traíra’”, desabafa.
Versão oficial
Sobre o preparo dos educadores para lidar com o tema, a Secretaria de Educação do DF informou, por e-mail, que desenvolve cursos de capacitação para os docentes com temáticas ligadas ao combate de drogas e à violência. Os cursos são realizados pelo Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação (Eape).
O papel da polícia e dos programas
Um servidor de uma escola onde estudam adolescentes com idade entre 11 e 14 anos revela que, por várias vezes, já apreendeu entorpecentes de alguns alunos. “Maconha, cocaína, merla, xarope [codeína]… O que você puder imaginar eles usam. Coisas que nem eu sonhava ser possível. Até respingo de solda em spray”.

Monitoramento com câmeras no Centro de Ensino Fundamental da 411 de Samambaia. Foto: Kléber Lima/Jornal de Brasilia
Em outra instituição de ensino fundamental de Samambaia, um circuito de câmeras de segurança contribui para inibir a venda e o uso de drogas há pelo menos um ano. Mas isso só resolve parte da situação.
“Hoje o problema não está aqui dentro”, aponta o diretor, também sob a condição de anonimato. “Está nos arredores. Muitos grupos ficam nas laterais, até na porta, esperando os alunos saírem. É normal ver os traficantes vendendo maconha, principalmente. Temos que pedir licença para conseguir passar pelo portão”.
Efeitos
É comum ver alunos com o comportamento alterado durante as aulas, conta o servidor. “Não temos o que fazer e nem podemos acusar. A gente percebe que o aluno vem para a escola, abaixa cabeça e dorme. Vem para dormir. Alguns chegam com olhos vermelhos e cheiro de cigarro na pele.”
Se já parece alarmante, o quadro, nessa escola, assume proporções piores em algumas ocasiões. “Quando o pai é chamado para conversar, tomamos cuidado, porque às vezes ele é o próprio traficante”, denuncia o funcionário.
Gargalo
A situação, conclui, é de extrema vulnerabilidade. “A escola nunca vai funcionar desse jeito”, adverte. Alguns centros de ensino, segundo o diretor, acabam sendo o gargalo que pode levar muitos jovens à marginalidade.
Nos anos iniciais, analisa o diretor, os alunos apresentam poucos casos de envolvimento com drogas. “Começam como aviõezinhos [revendedores], mas não são usuários. É a partir do sexto ano que eles começam a se envolver. A gente percebe o aluno alterado”, conta.
“E toda sala de aula tem câmera e em volta dos muros também. Isso inibiu bastante o uso. No banheiro, durante o intervalo, eu coloco alguém dentro. Quando pegamos alguém usando, trazemos para a direção, chamamos a atenção e os pais, para dar trabalho para eles, porque na delegacia não adianta nada. O adolescente é liberado”.
Nas duas escolas em que foram ouvidos os diretores, há consenso sobre a necessidade de ampliar ações como as palestras do Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd).
Já no Plano Piloto, a diretora da Escola Classe 204 Sul, Alessandra Lopes, elogia o trabalho dos policiais militares que participam do programa. “Os alunos amam o Proerd. É uma parceria que nunca deve acabar e acho que as drogas deveriam ganhar uma matéria específica no currículo”, sugere.
Só neste ano, a escola recebeu 12 palestras do programa. “Nessa faixa etária, antes dos 11 anos, o adolescente começa a ter vontade de experimentar tudo, então trabalhamos com base na prevenção”, destaca a diretora. “O resultado é garantido.”
Apreensão e medidas
Em comparação aos primeiros oito meses de 2017, tanto o número de adolescentes quanto a quantidade de armas brancas apreendidos dentro e fora das escolas caiu. No ano passado, o quantitativo foi de 236 menores apreendidos no perímetro escolar — contra 97 no mesmo período de 2018. Facas, canivetes e similares, no ano passado, somaram 38. Neste ano, apenas 20.
Quando apreendidos, os estudantes com menos de 18 anos são conduzidos a uma das delegacias especializadas. Na escola, há punições como expulsão, suspensão ou transferência.
Para o coordenador de relações institucionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), Gabriel Santos Elias, a prevenção ao consumo é fraca. “Aterroriza e desinforma adolescentes sobre os reais males do consumo”, avalia. “Precisamos de uma política de prevenção honesta para termos adolescentes fazendo escolhas mais fundamentadas. Hoje, um adolescente consegue ver que nem toda droga mata, como divulgado nas campanhas. Então, ele passa a desconfiar da informação oficial.”
Na visão de Elias, deve haver reciclagem em programas como o Proerd. “É importado dos Estados Unidos, criado na década de 1980, no contexto de Los Angeles”, critica. “É antiquado e avaliado pelo próprio governo dos EUA como ineficaz”.
Para o coordenador, a ação precisa ser mais estratégica quando o tráfico penetra no ambiente escolar. “Deve ser voltada a reprimir o tráfico, não o consumidor, ainda mais quando se trata de adolescentes. É necessário evitar a estigmatização do infrator, para não impedir que ele estude e consiga emprego no futuro, mude de vida.”
O delegado-chefe da Delegacia da Criança e do Adolescente (Asa Norte), Mário Henrique Garcia Jorge, avalia que as barreiras físicas dificultam a cooptação de adolescentes para o tráfico e a venda de drogas. Logo, quanto melhor a estutura dos muros entre a escola e a rua, mais protegidos estarão os alunos.
“É um problema complexo, que depende da direção, das características do público e da localidade do colégio”, analisa. Para o delegado, as câmeras são eficientes porque intimidam os adolescentes e “inibem a prática de ato infracional”.
Saiba mais
O Comando de Policiamento Escolar (Cpesc) da PM realiza policiamento nos perímetros de escolas públicas e particulares do DF, com rondas, “pontos de demonstração” e viaturas.
O Comando age no interior das instituições escolares, desde que solicitado pela direção. Dentro delas, policiais ministram palestras e fazem varreduras para prevenir o uso de armas e de drogas. Operações desse tipo também são realizadas nas adjacências das escolas, segundo a PM.
Por meio de nota, a corporação informou que, além do treinamento convencional, os policiais lotados no Cpesc recebem treinamento especializado para enfrentar problemas específicos do ambiente escolar.