Por Ana Mendonça, Anna Carolina Xavier e Davi Moisés
Luiza Aranha, 21 anos, estudante, olha pela janela do seu apartamento na Asa Sul e descreve a quantidade de árvores que vê. “Aqui tem árvores muito grandes e é uma vegetação bem verde”, conta. Quando sai para a faculdade ou academia, ela considera o trajeto confortável e fresco por conta da sombra formada pelas copas das árvores.

Luiza Martins Aranha
A 30 quilômetros dali, a doméstica Francisca das Chagas Alves, de 50 anos, começa o dia no Sol Nascente. A vista da sua janela é outra: “Na paisagem só tem casa e concreto, árvores são bem poucas”.
A diferença na rotina das duas é a manifestação de um conceito criado na década de 1980 por Benjamin Franklin Chavis Jr.: o racismo ambiental. O termo descreve a discriminação que expõe populações negras e periféricas aos maiores riscos ambientais — como degradação, enchentes e crises climáticas — e, simultaneamente, lhes nega acesso a benefícios como áreas verdes e infraestrutura de qualidade.

Francisca das Chagas Alves
O racismo ambiental no Distrito Federal não existe por um acidente; mas sim por ser estrutural, afirma o antropólogo e urbanista Paíque Santarém. “O racismo ambiental construiu esse território”.
Ele explica que a própria fundação de Brasília foi forjada na segregação. Segundo o mesmo, a mão de obra negra e pobre que ergueu o Plano Piloto foi, em seguida, expulsa para as futuras Cidades Satélites, em um processo que já definia, racialmente, quem teria acesso a uma infraestrutura de qualidade.

Imagens da vista da janela de Francisca e Luiza, da esquerda para direita. Fotos: Arquivo pessoal.
Injustiça Climática
Os diferentes cenários vistos por Luiza e Francisca traduzem-se em números oficiais. Dados da Novacap, obtidos pela Câmara Legislativa, mostram que, entre 2023 e 2024, foram plantadas 7.841 árvores no Plano Piloto e 490 em Sol Nascente.
Essa disparidade é o que define a injustiça climática. A estudante, que vive na Asa Sul (onde 60,8% da população é branca, segundo Dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios “PDAD” 2024), sente o benefício direto: “Eu acredito que a presença das árvores ameniza o calor. Sem elas, seria insuportável”. Enquanto para a doméstica, que vive no Sol Nascente (onde 68,3% da população é negra), o “insuportável”, como Luiza diz, é a regra. A segregação vai além do conforto térmico.

Imagens de satélites mostram discrepância de arborização entre Sol Nascente e Plano Piloto, da esquerda para a direita – Foto: Google Earth
Em época de chuva, a necessidade de arborização cresce ainda mais. As árvores exercem o papel de retentoras naturais da água, fator que ajuda na prevenção de enchentes. Luiza, na Asa Sul, diz que a infraestrutura é boa e que nunca percebeu nada que impactasse a própria segurança. Por outro lado, Francisca vive outra realidade. “Quando chove, é muito complicado… Aqui (Sol Nascente) fica parecendo um rio, alaga tudo! Entra água nas casas e para ir trabalhar, tem que esperar baixar mais para poder sair”, relata.
A desigualdade na arborização urbana é o indicador mais visível dessa injustiça, afetando diretamente a qualidade do ar, a temperatura e a saúde pública para as populações periféricas. O PDAD de 2024 confirma que as Regiões Administrativas (RAs) mais carentes de arborização são as que apresentam maior quantidade de habitantes negros, vulnerabilidade socioeconômica, e dependência de serviços locais:

Políticas ambientais
Tais disparidades poderiam estar em processo de reparação, se não fosse pelo veto do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), à duas propostas articuladas por deputados distritais da bancada do PSOL: o Projeto de Lei (PL) nº 1.138/2024, de autoria de Max Maciel (PSol) e o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 64/2025, de Fábio Felix. A decisão, baseada em “vício de inconstitucionalidade formal”, é vista por ativistas e parlamentares como um endosso à segregação que define o DF.
O PL 1.138/2024 (Política Distrital de Atenção às Emergências Climáticas, Prevenção aos Desastres Ambientais e Combate ao Racismo Ambiental) definia o racismo ambiental como a discriminação sofrida por populações periferizadas devido à degradação ambiental. Já o PLC 64/2025 (Política Distrital de Arborização Urbana e de Combate às Desigualdades Ambientais) era uma resposta à disparidade revelada nos dados da NOVACAP – 7.841 árvores no centro contra zero em áreas periféricas, como São Sebastião e Gama.
Para o Deputado Fábio Félix, o veto é taxativo: “A população majoritariamente negra está concentrada nas cidades com menor renda do DF, consequentemente nas áreas menos arborizadas. O governo Ibaneis faz uma escolha clara e política entre quem merece ter árvores e quem não merece, evidentemente priorizando as elites”.

“A população majoritariamente negra está concentrada em áreas menos arborizadas”, Fábio Felix – Foto: Carlos Gandra/CLDF
Em resposta às críticas, o Governo do Distrito Federal (GDF), por meio da Novacap, nega a correlação entre as políticas de plantio e o racismo ambiental. Em nota, a instituição informa que, “do ponto de vista técnico, não há correlação nenhuma entre plantios realizados com racismo ambiental”. A diferença na quantidade de árvores plantadas é justificada por “fatores técnicos e de planejamento urbano”, segundo a empresa.
Defesa à Inclusão de justiça racial
Apesar das justificativas, os deputados do PSOL se opõem ao veto. A solução, segundo os defensores dos projetos, passa por institucionalizar o recorte racial no planejamento. Max Maciel defende a obrigatoriedade de incluir análises de impacto racial em licenciamentos ambientais, planos diretores e, crucialmente, nas políticas de drenagem e arborização. “Justiça ambiental no DF só se fará com justiça racial no centro das decisões”, afirma.