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Brasília

Projeto social já ensinou dois mil imigrantes a falar português; assista a vídeo

O projeto social “Pró-acolher” é uma parceria entre a Secretaria da Educação do Distrito Federal e a Universidade de Brasília (UnB)

Agência UniCeub

03/12/2019 8h20

Guilherme Gomes e João Paulo de Brito
Jornal de Brasília/Agência UniCEUB

Aprender a língua portuguesa é um dos maiores desafios para quem vem tentar a vida no Brasil. Refugiados e deslocados de seus países de origem necessitam encontrar emprego e ter acesso aos serviços públicos. Como é o caso do ganês Saminu Alhassan, de 26 anos, que saiu do país em que nasceu há mais de 5 anos para morar no Brasil.  Ele está fluente no idioma novo graças ao projeto “Pró-acolher”, uma parceria entre a Secretaria da Educação do Distrito Federal com a Universidade de Brasília (UnB), que está em funcionamento desde 2013. A coordenação é da professora Lúcia Barbosa.

Com as aulas do projeto, o africano conseguiu aprender português e hoje tem dois empregos. “Trabalho como motorista de aplicativo e para Central Islâmico Brasil, uma empresa terceirizada que a JBS contratou para fazer abate de animais, no caso frango”. Segundo ele, as possibilidades para os estrangeiros são escassas, mas acredita em um avanço. “Não temos muitas oportunidades. Temos acesso a saúde, mas podia ser melhor com escola, educação desde o início ou continuar de onde paramos no nosso país”, alertou. Com a coordenação da professora Lúcia Barbosa, a iniciativa já atendeu mais de 2 mil pessoas de 23 nacionalidades.

Saminu está há cinco anos no Brasil.

Misbawu Mohammed, 35 anos, também é de Gana e mora no Brasil há 7 anos e 2 meses. Conflitos familiares o levaram a escolher outro país. “Meu primo já mora aqui e na época eu tinha muitos problemas com família. Falei com meu pai e ele deixou em vim pra cá”, afirmou. Para ele, a língua pode complicar as oportunidades de trabalho. “Na verdade não é fácil por causa da língua, tem que saber comunicar com pessoas para poder trabalhar. Conheci o projeto pró Acolher por um amigo. Era difícil pra mim por causa do horário. Meu amigo avisou que na Ceilândia também tinha e agora estou aqui”, disse Misbawu Mohammed.

Para Misbawu Mohammed, não ter domínio do idioma pode dificultar na procura de emprego

Zubair Ahmad, 30, é paquistanês e já concluiu os três níveis de português do projeto pró Acolher. Ele mora em Samambaia e está no Brasil desde 2012. “Fiz na UnB. Agradeço muito aos professores do Inep que me ajudaram muito para aprender português. Um amigo me contou sobre o Brasil, que é tranquilo para começar projetos de trabalho e pensar no futuro. Hoje sou empresário, tenho uma barbearia”, contou o imigrante.

Zubair Ahmad já concluiu o curso de português promovido pelo projeto Pró Acolher

“Podem ser felizes”

Cida Neves, 43, é uma das professoras da ação. Para ela, ensinar a língua local para estrangeiros tem sido uma experiência de transformação na própria vida. “Tem mudado minha visão de mundo. Sinto vontade de estar nos lugares deixados por eles quando saíram  de seus países. Mostrar que eles também podem ser felizes aqui no nosso país. E sobretudo tenho aprendido o valor e a força que uma língua tem, ou os problemas que a falta da mesma podem acarretar”, relata. Com o objetivo de facilitar o aprendizado, o modo de ensino é baseado em situações do dia a dia. “A ideia do projeto é que o ensino seja comunicativo, pois eles precisam se comunicar nas mais diferentes situações, desde o preenchimento de um currículo a uma visita ao consultório médico. Os módulos sugeridos no curso abordam temáticas pertinentes à vida cotidiana que os aguarda como emprego, saúde, educação moradia e lazer”, relata a docente.

Entretanto, a iniciativa apresenta dificuldades quanto ao ensino para estudantes de diferentes países. “Cada dia é um desafio diferente. Desde alguns conflitos culturais e religiosos até a ausência de material pedagógico. Tudo o que utilizamos é produzido com os nossos recursos. Cada um dos voluntários contribui com o que pode, desde a fotocópia até empréstimo de lápis e caneta”, explica Cida. E não são só esses os desafios enfrentados no projeto. A permanência no curso também vira dificuldade. “Em comum todos têm a dificuldade em permanecer no curso, pois não possuem incentivos governamentais como passe livre, material didático entre outros. No caso deles, o aprendizado do idioma é uma questão de sobrevivência. Como poderão exercer qualquer função laboral sem falar a língua portuguesa?”, indaga Cida.

A educadora Cida Neves é uma das professoras voluntárias do projeto

Para Awal Mohammed, 32, também aluno projeto pró Acolher, a falta de informação sobre os conceitos da religião muçulmana afetam diretamente na relação dos estrangeiros com os brasileiros. “Muita gente fala mal. A religião muçulmana é muito boa, não deixe a televisão e as pessoas te enganar. Pegue o livro e leia. O livro não manda ninguém matar, não manda ninguém mexer com coisa ruim. Estamos adorando um Deus. Deus de muçulmano é o mesmo do cristão, o mesmo profeta. Toda religião é perfeita, é limpa. As pessoas que sujam”, afirmou o ganês.

Awal Mohammed destaca que a cultura africana não é muito conhecida no Brasil

O preconceito não é somente fechado na religião. Awal Mohammed  relata que  muitos brasileiros desconhecem a cultura africana, o que, segundo ele, é a base da cultura brasileira. “Como eu trabalho como motorista de aplicativo, as pessoas perguntam: ‘você é de onde?’ e eu falo ‘Gana’. A primeira pergunta deles é ‘lá é muito pobre?’, contou. Além disso, Awal diz que viajar para o continente africano é uma maneira de conhecer a história do povo nativo.  “Tem muitos países na África que são muito pobres, mas também tem muitos lugares lá que as pessoas vivem super bem. Então se for querer viajar para outro país, não pode ir só pra Europa ou Estados Unidos, tem que ir pra África também, para saber sua origem e aprender sobre o continente africano.”

Cenário de imigração

De acordo com o relatório anual 2019 do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), cerca de 774 mil imigrantes foram registrados no Brasil entre os anos de 2011 e 2018. A análise apresenta que em torno de 493 mil pessoas obtiveram certidão de longo termo (residência no país por mais de um ano) neste período. A pesquisa detalha que a chegada de 106 mil haitianos ao Brasil, na modalidade longo termo, representou o maior índice nesse período, cerca de 21,5%. E que a maioria desse público é composta por jovens do sexo masculino que possuem ensino médio e superior. Em relação ao último ano, o percentual de venezuelanos registrados  foi de 39%. Em 2018, o número de carteiras de trabalho emitidas para solicitantes de refúgio e refugiados apresentou o maior fluxo da série, totalizando 36.384. O mesmo documento mostra que o saldo de trabalhadores imigrantes foi positivo, com 72.081 admitidos e 63.101 desligados.  

O cientista político e coordenador do OBMigra Leonardo Cavalcanti explica que o surgimento de eventos migratórios no território nacional aconteceu, pois o fim do período escravocrata representou uma quebra da estrutura trabalhista da época. “Nos séculos XIX e XX, o Estado estava muito preocupado com o fim da escravidão, então era preciso substituir a mão de obra escrava por uma livre e trabalhadora”. Além disso, o especialista destaca que a recessão mundial da última década foi responsável por realizar mudanças nesse sistema. “Com a crise econômica de 2007, que começou nos EUA e afetou outras regiões, esses fluxos passaram a mudar, e o Brasil entrou na rota migratória.”

Segundo Leonardo Cavalcanti, a política brasileira quanto a chegada de estrangeiros é progressista ao ser comparada a de outros países. “Hoje são poucos os imigrantes que não tem documentação. Um exemplo é que se uma pessoa solicita o refúgio aqui no Brasil, ela tem direito a carteira de trabalho, enquanto na França e Canadá não há esse direito.”A respeito de oportunidades de emprego, o cientista político ressalta que o agronegócio e a construção civil são as áreas que mais integraram estrangeiros de 2010 a 2015. “Os mercados trabalhistas que mais absorveram imigrantes nos primeiros cinco anos dessa década foi o final da cadeia produtiva do agronegócio e as indústrias da região sul e em São Paulo. Mais especificamente em abates de frango e suínos para exportação. A partir do segundo quinquênio, venezuelanos começam a chegar e desde então ocupam os setores de serviço, construção e atendimento.”

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