Em alguns lares, o perigo não vem de fora, mas de quem deveria proteger. Pais que provocam ou simulam doenças em seus próprios filhos foram o foco do encontro sobre Síndrome de Munchausen por Procuração, também chamada de Transtorno Factício Imposto ao Outro (TFIO), realizado na quinta-feira (6), no auditório do Hospital Regional de Santa Maria (HRSM).
O evento reuniu profissionais de diferentes áreas da saúde para discutir estratégias de identificação, avaliação e intervenção nesse tipo de abuso, que muitas vezes passa despercebido e pode levar meses até ser reconhecido.
O TFIO caracteriza-se pela indução ou falsificação de sintomas físicos ou psicológicos em outra pessoa, geralmente uma criança, pelo cuidador, que busca atenção ou reconhecimento, sem qualquer benefício financeiro. Nesses casos, quem adoece de fato é o responsável, que manipula a situação para assumir o papel de cuidador dedicado.
“Não afeta apenas a vítima, mas todo o grupo familiar. É uma forma de manipulação contínua, que engana profissionais e prolonga o sofrimento da criança. Em média, o diagnóstico leva até 15 meses para ser feito”, explica Gabriela Vieira, assistente social e palestrante do evento.
O termo Síndrome de Munchausen foi criado em 1951 para descrever pessoas que simulam doenças em si mesmas. Em 1977, o pediatra britânico Richard Meadow descreveu o tipo “por procuração”, quando o indivíduo provoca sintomas em outra pessoa.
Principais sinais de alerta
Alguns sinais podem indicar o transtorno: sintomas que desaparecem quando a criança está longe do cuidador e retornam após o reencontro, consultas e internações repetidas com resultados inconclusivos, insistência em tratamentos desnecessários e comportamento incongruente do cuidador, como manter-se calmo em situações de crise.
Outros indícios incluem presença constante no hospital, conhecimento técnico sobre doenças e pedidos públicos de ajuda ou doações, usando a suposta enfermidade como justificativa. “É comum que a criança passe por múltiplos procedimentos clínicos sem necessidade real, porque o cuidador força a continuidade das investigações médicas”, acrescenta Gabriela.
Perfil do cuidador
De acordo com a especialista, quem apresenta o TFIO costuma ter conhecimento prévio em saúde, idade média entre 29 e 30 anos, comportamento prestativo e necessidade intensa de validação e atenção. Em muitos casos, há histórico de violência doméstica, depressão ou transtornos de personalidade. “Essas pessoas parecem gentis e dedicadas, mas mantêm o controle total da narrativa. A enganação é consciente, embora nasça de um sofrimento psicológico profundo”, afirma.
Perfil da vítima
As vítimas são principalmente crianças pequenas, com menos de seis anos, ainda incapazes de expressar claramente seus sentimentos ou identificar abusos. Meninos e meninas são igualmente afetados. “Os filhos acabam acreditando na doença inventada e participam, sem entender, do ciclo de manipulação. Por isso, o olhar atento dos profissionais é essencial para quebrar esse padrão e protegê-los”, reforça Gabriela Vieira.
O assunto despertou grande interesse entre os participantes. A assistente social do HRSM, Rafisa Santana, destacou a importância do aprendizado. “Eu já tinha ouvido falar, mas nunca tinha compreendido de forma tão clara. É um desafio, e em qualquer momento podemos nos deparar com um caso assim. Foi muito esclarecedor, mesmo com conteúdo ainda escasso no Brasil”, afirmou.
Com informações do IgesDF
