Casos recentes de prisões injustas envolvendo profissionais da saúde acenderam um alerta no setor médico e no Congresso Nacional. O episódio mais emblemático ocorreu em Goiás, onde a médica Bianca Borges Butterby foi detida sob acusação de exercício ilegal da profissão, mesmo sendo regularmente formada, com CRM ativo e toda a documentação comprovada.
Inocentada na semana passada, dia 27, Bianca relata ter sofrido danos físicos, emocionais e financeiros após uma prisão considerada ilegal e baseada em interpretações equivocadas da legislação. Fato este que se deu principalmente pelo ruído gerado em autoridades públicas, de fora da área médica e que não compreendem o termo RQE (Registro de Qualificação de Especialista).
“Muitas vezes o enxergam como algo que atesta a qualificação do médico ou possibilidade de atuação. Fato este que o próprio Conselho Federal de Medicina já deixou claro: RQE não confere superioridade técnica. Porém, o próprio Conselho Federal de Medicina não se movimenta para educar a população não-médica”, alerta o presidente da Abramepo, o médico Eduardo Teixeira, também professor do departamento de cirurgia da UNIRIO.
A médica foi presa em 20 de maio durante uma operação da Polícia Civil. Somente após a apresentação de notas, laudos e parecer técnico do Conselho Regional de Medicina é que o Ministério Público concluiu que não havia crime, arquivou a investigação e pediu a revogação das medidas cautelares, decisão acolhida pelo Judiciário.
O caso dela, somado a outros episódios semelhantes em diferentes estados, impulsionou o debate legislativo e inspirou o Projeto de Lei 2860/2025, de autoria do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). A proposta altera a Lei do Ato Médico e amplia garantias e salvaguardas para médicos, aproximando-as de prerrogativas já asseguradas a advogados.
Entre os pontos centrais do PL estão inviolabilidade do consultório médico, evitando abordagens abusivas durante o exercício profissional; presença obrigatória de um representante do CRM em casos de prisão relacionada à prática médica; e proteção contra interpretações equivocadas da lei, sobretudo em situações envolvendo médicos com pós-graduação, mas sem RQE, ainda que dentro do que a legislação permite.
Congresso em Brasília reunirá senadores, deputados e especialistas
O encontro reunirá o autor do PL 2.860/2025, senador Zequinha Marinho, o presidente da Abramepo, Eduardo Teixeira, o deputado Federal e médico, Flávio Nogueira (PT/PI), além de juristas, professores e especialistas em legislação médica.
Voltado especialmente para médicos com formação de pós-graduação, o evento chega em um momento decisivo, marcado por uma longa batalha jurídica e institucional pela validação das especializações e pela ampliação de direitos no exercício da medicina especializada.
A programação discutirá pontos sensíveis do PL, segurança do paciente, impactos na rede pública e privada e caminhos para reduzir o atual ambiente de insegurança jurídica enfrentado por milhares de profissionais.
Gargalo histórico na validação de especialistas
A Abramepo tem travado uma batalha judicial contra o atual sistema de concessão de títulos de especialista, considerado pela entidade um “gargalo artificial” que cria reserva de mercado ao privilegiar as escassas vagas de residência médica.
Segundo a associação, mais de 245 mil médicos possuem formação de pós-graduação reconhecida pelo MEC ou anos de prática e treinamento. “Trata-se de médicos capacitados para atendimento qualificado, que são marginalizados, uma vez que são impedidos de anunciar publicamente sua qualificação sem discriminação, e disputar vagas específicas no SUS”, afirma o presidente da Abramepo.
“Médicos com alto nível de expertise, reconhecida pelo MEC, deveriam ter seu conhecimento aproveitado plenamente. A exigência de ‘informar que não é especialista’ pode desvalorizar uma qualificação legítima aos olhos do paciente”, conclui o médico.
O PL 2860/2025 surge, portanto, como uma proposta para corrigir distorções, ampliar garantias e fortalecer a atuação ética, segura e qualificada dos médicos em todo o país.
O congresso da Abramepo, em Brasília, promete ser um marco na discussão sobre segurança jurídica, prerrogativas profissionais e o futuro da Medicina Especializada no Brasil, justamente no momento em que casos como o de Bianca Borges escancaram a urgência de mudanças estruturais.