Menu
Brasília

O perigo silencioso e escondido em nossos ônibus

MPT ressalta subnotificação nos números de acidentes de trabalho, como a perda de audição

Vítor Mendonça

30/07/2024 5h56

audição de rodoviários

Perda auditiva é comum entre motoristas de ônibus, mas subnotificação ainda é problema. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Em razão do contato prolongado a níveis elevados de pressão sonora, motoristas e cobradores estão entre os profissionais que precisam, de acordo com a Norma Regulamentadora nº 7 (NR-7) do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), realizar exames periódicos anuais de aferição audiométrica, a fim de atestar possíveis perdas auditivas durante o tempo de trabalho.

A Perda Auditiva Induzida por Ruído (Pair), doença ocupacional tratada na primeira reportagem da série do Jornal de Brasília sobre os caminhos para a eletrificação dos ônibus, se encaixa dentro da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT), elencada pelo Ministério da Saúde, na medida em que os ruídos geram deficiências no ouvido interno dos trabalhadores. Portanto, é considerada como um acidente de trabalho pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

De acordo com a procuradora Juliane Mombelli, vice-coordenadora nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat), do MPT, a vibração, o ruído e a pressão sonora dos veículos coletivos urbanos são problemas constantes para a classe dos rodoviários no Brasil. Ainda que medidas tenham sido tomadas para minimizar tais transtornos aos profissionais, o desconforto persiste.

“O que é importante é que haja um estreito acompanhamento da saúde dos trabalhadores e um correto monitoramento do meio ambiente do trabalho. No caso dos motoristas de ônibus, é importante que sejam feitas medições, verificações de todos os possíveis agravos à saúde – para que esses perigos sejam afastados.

Não é incomum, segundo ela, que haja afastamentos por problemas de saúde. Nesses casos, os trabalhadores que retornam ao ofício no prazo de até 15 dias terão o salário preservado, pago pelo empregador. Para afastamentos acima de 15 dias, os trabalhadores já passam a receber um benefício previdenciário, caso haja um acidente ou uma doença relacionada ao trabalho.

Subnotificações

Entretanto, é com base nos dados das notificações de acidentes de trabalho e nos números de benefícios previdenciários concedidos que se percebe que existe uma deficiência de informações com relação à Pair e demais doenças relacionadas ao trabalho no Brasil. Ao JBr, Mombelli explica que há inconsistência entre os registros de Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT) e os benefícios previdenciários relacionados ao afastamento por doenças.

“Quando falamos de doenças relacionadas ao trabalho, que é o problema que mais atinge os motoristas, os estudos gerais mostram que, no Brasil, apenas 4% das CATs emitidas tratam de doenças; o restante é acidente do trabalho. Mas quando observamos os benefícios previdenciários, verifica-se que o número de trabalhadores adoecidos, que tem relação com trabalho, é muito maior”, expôs.

Procuradora Juliane Mombelli, vice-coordenadora nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat), do MPT
Procuradora Juliane Mombelli, vice-coordenadora nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat), do MPT

Dados reunidos pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (OSST) evidenciam que, em 2022 – última atualização das informações até a publicação desta reportagem –, foram 565 notificações de trabalhadores com perdas auditivas em razão da atividade ocupacional no Brasil.

No mesmo ano, não houve registros de Pair em 10 estados do país – Acre, Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso, Pará, Piauí, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins. “Então a subnotificação de doenças relacionadas ao trabalho ainda é muito grande no país e precisa ser combatida, principalmente para que haja políticas públicas para a proteção desses trabalhadores e dessas categorias que são mais atingidas”, destacou a procuradora.

A Pair foi constatada em maior quantidade nos estados de São Paulo, com 133 casos, Rio Grande do Sul, sendo 113 notificações, e Distrito Federal, com 110 registros pelo Ministério da Saúde. Os que tiveram menor número de acidentes causados pela doença foram Alagoas, Amazonas, Maranhão e Pernambuco, com 1 caso em cada estado.

“Uma vez configurada a doença relacionada ao trabalho, o tratamento jurídico que se dá a ela é o mesmo tratamento como um acidente do trabalho, ou seja, tem que ser emitida a comunicação do acidente do trabalho para que conste nas estatísticas. Tem que ser notificada ao Sinan [Sistema de Informação de Agravos de Notificação] também, que é a notificação ao Ministério da Saúde, para que sejam desenvolvidas políticas públicas para proteção futura daquela categoria de trabalhadores”, pontuou Mombelli.

Eletrificação pode ser saída

Ônibus elétrico
Ônibus elétrico é alternativa para redução de ruídos e para melhoria de trabalho de motoristas. Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Uma vez que os motoristas não podem utilizar Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) auriculares, em razão da necessidade de atenção aos sons emitidos no trânsito, a procuradora defende que a eliminação do agente agressor – ruídos e pressão sonora – à saúde do rodoviário pode ser encontrada na eletrificação dos ônibus.

“Pelo fato do motor dos ônibus elétricos não emitir um ruído que seja substancial, ele sim é mais benéfico para o meio ambiente do trabalho, na medida em que não há pressão sonora no dia a dia, no exercício da profissão daquele trabalhador. E também a vibração, que deixa de existir [na mesma medida que nos ônibus tradicionais]”, afirmou. “Tudo o que puder ser feito para eliminar as possíveis agressões à saúde deve ser feito pelo empregador, inclusive substituir os veículos por ônibus elétricos”, finalizou Mombelli.

Os custos para a aquisição e a estrutura para recebê-los, porém, são outros desafios que o Brasil enfrenta atualmente para que a implementação de ônibus elétricos seja cada vez mais ampliada no país. Atualmente, dos 107 mil ônibus da frota nacional, segundo levantamento realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), apenas 290 veículos urbanos são do tipo elétrico movidos a bateria. Os obstáculos e oportunidades para a efetivação dos ônibus elétricos no país serão tema da reportagem de amanhã.

SAIBA MAIS

  • A diferença entre o acidente de trabalho e a doença relacionada ao trabalho reside no momento em que o problema é detectado. O acidente é repentino, de maneira concreta, com resultados perceptíveis e imediatos.
  • Já a doença, por outro lado, é insidiosa e acontece de uma maneira lenta, menos perceptível. Ela só é percebida quando o trabalhador começa a sentir os sintomas e efeitos da enfermidade.
  • Mesmo com a colocação do motor na parte traseira, se ainda assim houver vibração ou ruído e pressão sonora que continuem causando prejuízo acima dos limites de tolerância, os problemas de agressão à saúde do trabalhador continuarão a existir. Então, são necessárias outras alternativas na mobilidade.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado