A modernização do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), oficializada por decreto assinado nesta semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve transformar a rotina de consumo de 757,3 mil trabalhadores e 3.628 empresas no Distrito Federal. As novas regras ampliam a transparência, reduzem taxas e reforçam a fiscalização do sistema de vale-alimentação e vale-refeição, que, em todo o país, atende 22 milhões de trabalhadores e conta com mais de 364 mil empresas inscritas.
No DF, 3.350 empregadores estão cadastrados como beneficiários do PAT, enquanto 278 operam como fornecedoras. Entre os trabalhadores atendidos, mais de 524,5 mil recebem até cinco salários-mínimos; outros 232,7 mil têm renda superior. Ainda assim, o uso dos vales continua limitado por práticas comerciais consideradas abusivas e pelos altos custos impostos aos estabelecimentos, cenário que o novo decreto busca reverter.
Regras mais claras e menos taxas
As mudanças abrangem limites máximos para tarifas cobradas pelas operadoras. A taxa paga pelos estabelecimentos (MDR) não poderá ultrapassar 3,6%, e o teto da tarifa de intercâmbio será de 2%, sem cobranças adicionais. As empresas terão até 90 dias para se adequar.
Outra alteração significativa é a interoperabilidade: em até 360 dias, qualquer cartão do programa deverá funcionar em qualquer maquininha de pagamento, independentemente da bandeira. A medida, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), deve ampliar a concorrência e permitir que mais comerciantes aceitem o benefício, reduzindo entraves hoje comuns em mercados de bairro, padarias e pequenos restaurantes.
O prazo para repasse aos estabelecimentos também será reduzido: o pagamento deverá ser feito em até 15 dias após cada transação — atualmente, o valor pode demorar mais de 30 dias para cair na conta.
Além disso, arranjos fechados de pagamento deverão ser abertos em até 180 dias, permitindo que qualquer facilitadora que cumpra as regras da bandeira participe do sistema. A fiscalização será reforçada com apoio da Receita Federal, além das ações já realizadas pelo MTE e pela vigilância sanitária.
Impacto direto no consumo e na alimentação
Thaís Oliveira, 24 anos, usuária do cartão Alelo, relata que enfrenta dificuldades diárias para consumir usando o benefício. “O meu vale já é um dos que têm maior alcance, mas ainda assim falta muita coisa. Muitos restaurantes, comércios e até mercados não aceitam”, conta. Ela afirma que, em alguns estabelecimentos, chegou a se deparar com cobrança de taxas extras pelo uso do vale, o que a levou a optar por pagamentos via Pix alternativa que compromete o salário. “Seria incrível se eu pudesse usar o vale em qualquer maquininha”, desabafa.
Thaís observa ainda que a limitação acaba influenciando diretamente na qualidade da alimentação. “Restaurantes com opções mais saudáveis não recebem o benefício, enquanto grandes redes de fast food aceitam. Acabamos comendo onde dá, não onde é melhor”, critica.
O peso das taxas para o pequeno comércio
No comércio local, especialmente entre pequenos empreendedores, as taxas cobradas pelas operadoras sempre foram o principal obstáculo para aderir ao PAT. Gustavo Marra, proprietário do Mercado Bom Vizinho, explica que aceita diversas bandeiras, como Alelo, Sodexo, Ticket, UP, Greencard, Cabal e Vale Card, mas precisou excluir o Vale Shop, que cobra uma das maiores taxas do mercado e exige maquininha específica.
“Operar com essas bandeiras é caro. Algumas chegam a 6% ou 7% por transação, fora anuidade e custos de afiliação. No varejo alimentício, isso pesa muito”, diz. Ele conta que, em situações extremas, o custo total chegava a 20% do valor da compra. Mesmo assim, nunca deixou de aceitar o benefício: “Se você não recebe, o cliente compra em outro lugar”.
Gustavo defende que a nova regulamentação pode ampliar o número de comércios aptos a aceitar o benefício, mas avalia que o movimento tende a permanecer o mesmo. “O cliente é o mesmo. Para ele, a regra não muda. O que melhora é o número de lugares onde o vale passa”, explica. Segundo ele, os pequenos comerciantes são os mais penalizados pelas taxas atuais e pela insistência das operadoras em oferecer antecipação de recebíveis com juros altos. “Quase sempre ligam oferecendo antecipação com taxas absurdas”, relata.
Para Giovanna de Moraes Zamprogno, 25 anos, Talent Acquisition Assistant, a maior dificuldade está na aceitação restrita em estabelecimentos de bairro. “Onde mais dá problema é em padarias e mercados menores. Às vezes, a gente precisa ficar pesquisando onde aceita”, afirma.
Giovanna já enfrentou até problemas de saldo. “Uma vez, parte do meu benefício sumiu e nunca foi estornado pela operadora”, conta. Para ela, a interoperabilidade pode transformar o cotidiano dos trabalhadores. “Poder usar o vale em qualquer maquininha vai facilitar muito. Vamos poder optar por lugares próximos de casa, sem ficar dando voltas”.
Expectativa de expansão
Com a modernização, o governo espera dobrar a quantidade de estabelecimentos aptos a receber vale-refeição e vale-alimentação: de 743 mil para 1,82 milhão. Levantamento da Abras e da Abrasel, solicitado pelo MTE, indica que há pelo menos 1,49 milhão de empreendimentos potencialmente aptos a aderir ao PAT.
A adesão ao programa, porém, continuará sendo voluntária, empresas podem oferecer os benefícios mesmo sem cadastro formal.
Para o governo, a expectativa é de que o incentivo fiscal seja revertido integralmente para a melhoria da alimentação dos trabalhadores. Para quem usa o benefício e quem depende dele para vender, a esperança é de que, enfim, o vale volte a cumprir sua finalidade: garantir comida de qualidade no prato, com liberdade de uso e menos barreiras.