Mais de mil crianças e adolescentes matriculados em escolas públicas e privadas do Distrito Federal aguardam por uma vaga no programa Altas Habilidades e Superdotação (AH/SD) da Secretaria de Educação (SEEDF). De acordo com dados da pasta, 1.607 estudantes, das 14 Coordenações Regionais de Ensino (CREs), esperam na lista de espera para saber se estão aptos a ingressar nas salas de recursos destinados a alunos com altas habilidades e superdotação.
O programa visa o desenvolvimento global do aluno com altas habilidades e superdotação, com salas de recursos focadas no aprofundamento e enriquecimento do processo de aprendizagem. Nas aulas, os estudantes se dedicam a trabalhos independentes dentro das áreas com maior habilidades, podem ser elas de códigos e linguagens, exatas, ciências da natureza e humanas, música, artes visuais e cênicas.
Atualmente, 1.828 estudantes já são atendidos pelo programa, mas a lista de espera é alta, com 1.607 alunos esperando para saber se estão aptos a ingressarem nas aulas especializadas. A rede pública do DF conta com com 46 salas de recursos destinadas para crianças e adolescentes com altas habilidades e superdotação, distribuídas em 29 escolas. Dentre as vagas do programa, 70% são destinadas para alunos de escolas públicas e 30% para a rede particular.





O Jornal de Brasília foi à Escola Classe 64 de Ceilândia, um dos polos do programa, que atende 186 estudantes com altas habilidades e superdotação para conversar com professores, pais e alunos sobre a importância das salas de recursos, as dificuldades e a longa espera por uma vaga. A unidade recebe alunos de diferentes idades, sendo estudantes da educação infantil até o ensino médio.
Ao JBr, a professora itinerante, Gizelle Pires, explicou um dos motivos da longa lista de espera é porque quando um estudante ingressa no programa ele fica até o fim do ensino médio, não tendo muita rotatividade nas vagas. Mas a escola tenta ajudar, de outras formas, os pais que procuram a unidade em busca de uma vaga para o seu filho. “Nós temos percebido que cada vez mais as escolas e famílias precisam de orientação, mesmo que o estudante ainda não esteja efetivamente sendo atendido pela sala de recurso nós marcamos momentos para poder conversar e orientar”, comentou.
“Nós sabemos que a demanda da lista é alta, e que os estudantes têm aguardado, infelizmente, por muito tempo. Porém, nós, como sala de recurso, tentamos otimizar isso ajudando da forma como podemos, com uma orientação e criamos até um grupo no whatsapp com pais para ajudar eles a trabalharem o desenvolvimento das crianças em casa. O comportamento de um estudante com altas habilidades chama bastante atenção em casa, são crianças que aprendem de uma forma diferente, com bastante facilidade e rapidez. Crianças com altas habilidades acabam aprendendo a ler e a escrever mais cedo que o normal”, enfatizou Gizelle.
Para a professora, a parceria com os pais para desenvolvimento das atividades nas aulas é extremamente importante, visto que a escola não recebe muitos materiais da SEEDF: “A cada dia que passa nós percebemos o quanto faz diferença um atendimento que acompanha as especificidades dessas crianças e das famílias. A parceria que temos com as famílias faz toda diferença porque os recursos que temos de materiais enviados pela Secretaria de Educação são escassos e bastante limitados”.
“Os pais bancam os projetos das crianças e compram os materiais. Sempre que precisamos de materiais nós acionamos os pais nessa sensibilidade da doação, porque não existe a obrigatoriedade, mas sim a sensibilidade. O que nós recebemos da Secretaria de Educação é muito pouco, quando chega é um material muito genérico e que às vezes nem atende as nossas necessidades específicas de altas habilidades e superdotação”, completou Gizelle.





A professora Raquel de Lima, 42 anos, tem dois filhos com altas habilidades, a estudante de moda, Ágatha Raquel, 21 anos, que foi atendida no programa durante seis ano, e o pequeno Állan Rafael, de seis anos de idade, que começou a participar das aulas de recurso na EC 64 de Ceilândia este ano. A educadora lembra que demorou cerca de dois anos para conseguir as vagas para ambos os filhos, mesmo sendo em épocas diferentes.
“É maravilhoso participar da vida deles, e correr atrás desses direitos. Eles têm o direito de serem bem atendidos, acompanhados e de ter adequações curriculares. A sala de recurso é suplementar, então ela suplementa a educação básica, aqui é oferecido mais do que eles teriam da educação infantil até o ensino médio. A mudança com as aulas é gigantesca na vida deles, até mesmo de vocabulário e de conhecimento técnico, sendo cada um na sua área. Eles ficam muito melhores naquilo que tem altas habilidade”, comentou Raquel.
Para Ágatha, o acompanhamento nas salas de recurso foi extremamente importante para o seu autoconhecimento, e para descobrir qual profissão seguir: “O maior conhecimento que eu tive foi, não somente esse conhecimento artístico, tecnológico e acadêmico, mas principalmente o autoconhecimento para você se conhecer e se entender como uma pessoa superdotada. Eu pude entender que o processo de uma pessoa superdotada é diferente e sempre vai existir lados bons e ruins disso”.
“Foi interessante também para a escolha da minha profissão. Eu cheguei nas aulas querendo muito medicina. Eu via muito a arte como um hobby, e a medicina como a minha carreira. Com o desenvolvimento das aulas e o autoconhecimento eu percebi que não era a área que eu queria trabalhar, então eu optei por seguir pelo design de moda e de produto. Nessa área eu posso desenvolver bem a minha criatividade, área que tenho muita familiaridade”, disse Ágatha.
A dona de casa, Sheila Rita, 43 anos, mãe da Júlia Marques, 11 anos, que tem altas habilidades e autismo, e é atendida também no EC 64, lembrou como percebeu as características diferentes na filha: “Ela foi para uma escola particular com dois anos, e ela já sabia o alfabeto. Desde pequena ela se destacava no colégio, e as professoras colocava até ela para ajudar os colegas que tinham dificuldades porque ela terminava sempre antes de todos. Ela sempre recebia certificado de melhor da turma por ter notas muito boas”.
Além do talento para artes visuais e pintura, Júlia gosta também de escrever, e já tem um livro escrito: “A menina que brincava com a lua”. A obra foi escrita pela própria estudante e conta com desenhos autorais. A esperança da mãe e de Júlia é conseguir publicar o livro até o final do ano, por isso, também buscam apoio de patrocinadores. “Eu escrevo sobre histórias infantis, com lições sobre harmonia, paz, respeito, diversidade e carinho”, comentou Júlia.

Ao JBr, a professora de artes do programa Altas Habilidades, Claudia Maciel, falou sobre como as suas aulas ajudam o desenvolvimento dos estudantes: “Eu estou desenvolvendo um trabalho em especial com os alunos esses dias porque muitos tinham dificuldade de falar sobre eles mesmos. Pelo fato de terem altas habilidades e superdotação, eles têm muita dificuldade nas interações sociais e de falar sobre si mesmos. Em processo de arteterapia eu pedi para eles desenharem um animal que os representam, com suas qualidades e defeitos, e isso nos deu a oportunidade de conversar sobre essas dificuldades com eles e valorizar as suas qualidades”.
Para o presidente da Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB-DF, Gerson Melo, o DF ainda não conta com estrutura consolidada para atender alunos com altas habilidade e superdotação: “Somente o fato de existir fila de demanda para turmas específicas para o desenvolvimento das habilidades já demonstra claramente tal fato. A permanência em fila de espera pressupõe, também, a permanência em ambiente educacional não inclusivo, o que pode, inclusive, impedir o aprendizado por ausência de plano de ensino individualizado”.
A presidente da Comissão de Direito dos Autistas da Subseção de Taguatinga, Larissa Argenta, compartilha do mesmo pensamento de Gerson Melo, e acredita que o ideal era que a identificação de altas habilidades e superdotação fosse feita dentro das escolas do DF. “O ideal seria que houvesse estrutura de identificação e diagnóstico dentro do ambiente escolar, pois os professores que lidam com o aluno no dia a dia são as pessoas mais aptas a identificar esta condição. Desta forma, o aluno seria submetido à avaliação e, após confirmação, seria encaminhado a processo de ensino que explorasse as potencialidades do aluno, mas também que o auxiliasse a lidar com todas as dificuldades inerentes a esta condição”, comentou.
À reportagem, a SEEDF informou que “a lista de espera é formada a partir do preenchimento de uma ficha de inscrição, por familiares ou profissionais da unidade escolar pública de origem do estudante, e entregue à Coordenação Regional pretendida. Nem todo estudante que aguarda pela triagem estará apto a ingressar em uma sala de recurso, apenas depois do período de análise, é que o estudante saberá, se faz jus às salas de recursos. A pasta comunica, ainda, que tem envidado todos os esforços para que as crianças e adolescentes que apresentam potencial de comportamento de altas habilidades e superdotação passem pelo processo de avaliação e possam ser atendidos nas salas de recursos o quanto antes”.