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Brasília

Feira do Goiano: Comércio popular do DF se reinventa para competir com e-commerce

Mesmo com o avanço do comércio digital no DF, lojistas apostam na confiança, no contato direto com o cliente e em estratégias híbridas para manter as vendas no tradicional centro comercial de Taguatinga

Camila Coimbra

05/08/2025 22h38

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Crédito: Camila Coimbra

O crescimento acelerado do comércio eletrônico no Brasil, especialmente após a pandemia, mudou hábitos de consumo e desafiou o modelo tradicional de vendas. Mas na Feira dos Goianos, em Taguatinga, região administrativa com mais de 340 mil habitantes, o comércio físico resiste com criatividade e resiliência. Embora a digitalização tenha impactado o movimento nas lojas, muitos consumidores continuam preferindo a experiência presencial — especialmente entre as camadas de menor renda.

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Crédito: Camila Coimbra 

A última Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), realizada pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), confirma essa tendência. Segundo o levantamento, apenas 14,5% dos brasilienses preferem fazer compras de supermercado pela internet. Já entre os itens de maior valor, como eletrônicos e eletrodomésticos, o consumo online é dominante apenas entre quem ganha mais de R$ 11 mil mensais. Na outra ponta, consumidores com renda domiciliar de até R$ 1.600 continuam comprando presencialmente — comportamento que reflete desigualdades de renda, acesso à tecnologia e hábitos regionais.

É nesse cenário que os feirantes de Taguatinga atuam diariamente, adaptando seus negócios para equilibrar a tradição da feira com as demandas do mercado digital.

Feira sente impacto do online, mas aposta na retomada

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Veraldo Barbosa, de 50 anos, dono da loja Linda e Bela. Crédito: Camila Coimbra 

Veraldo Barbosa, de 50 anos, é um dos que sentiram o baque da digitalização. Dono da loja Linda e Bela, especializada em roupas de festa, ele atua há sete anos na Feira dos Goianos e viu as vendas caírem com o crescimento das plataformas digitais. “A competição maior hoje é com o online. A gente ainda vendia bem na região, mas depois que o pessoal passou a comprar mais pela internet, caiu bastante”, lamenta.

Mesmo assim, Veraldo não desistiu. Mantém a loja física ativa e investe nas redes sociais para tentar alcançar um público mais amplo. “Trabalho com o Instagram da loja, divulgando nossos produtos por lá. Localmente, não está bom para ninguém, mas a gente segue tentando. A esperança é que melhore no fim do ano, quando o comércio costuma esquentar.”

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Crédito: Camila Coimbra 

Segundo ele, os custos fixos pesam no orçamento: aluguel, água, luz, folha de pagamento e impostos exigem alto volume de vendas para garantir lucro. Em 2025, estima que o faturamento caiu cerca de 1% em comparação com o mesmo semestre de 2024 — uma retração pequena, mas que indica estagnação.

Já Felipe Barbosa de Araújo, de 25 anos, administra a loja Celebiju com uma estratégia que mescla o físico e o digital. No mercado com duas unidades na Feira dos Goianos, a loja de bijuterias, bolsas e acessórios femininos aposta em novidades semanais para manter o público interessado. “Toda sexta-feira recebemos produtos direto da fábrica. O giro precisa ser rápido. A gente já fotografa e posta nas redes sociais. A venda online complementa a do físico, mas ainda não substitui”, explica.

Para Felipe, o maior desafio é manter a operação funcionando diante dos custos fixos elevados e da sensibilidade do comércio de rua a qualquer oscilação econômica. “É preciso estar atento ao comportamento do consumidor. Quem fica só no ponto físico hoje corre mais risco. A gente precisa inovar sempre, no preço, no atendimento e na apresentação do produto.”

Confiança ainda pesa na escolha do consumidor

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Raul mendes, vendedor da loja JR.com. Crédito: Camila Coimbra 

A fidelidade do cliente ao comércio físico, no entanto, ainda tem força, especialmente entre os que valorizam o atendimento direto e a possibilidade de experimentar os produtos. Raul Mendes, de 30 anos, é vendedor da loja JR.com, também localizada na Feira dos Goianos, e atua no local há cinco anos.

“Muita gente ainda prefere vir aqui porque quer a roupa para o mesmo dia, quer experimentar, ver como fica no corpo. Isso faz diferença”, conta. Para ele, a internet interfere, mas não domina o setor de moda. “Camisa até dá para comprar pela internet, mas roupa em geral, não. Muita gente ainda prefere provar.”

Com um perfil de venda personalizada, Raul aposta na comunicação direta para fidelizar os clientes. Ele envia fotos pelo WhatsApp, recebe pedidos e até realiza entregas por aplicativos. “Ontem mesmo atendi um rapaz que trouxe o print de uma calça da Shopee. Eu tinha o modelo na loja e ele levou. Pagou por Pix e entreguei por Uber Flash.”

Mesmo com os desafios, Raul considera 2025 um ano positivo: suas vendas cresceram cerca de 40% em comparação a 2024. Para ele, a proximidade e a confiança continuam sendo os grandes diferenciais da venda presencial. “Comprar pela internet pode dar surpresa. Aqui o cliente prova, sai com a peça certa e pronta para usar.”

Transição em curso

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Crédito: Camila Coimbra 

A PDAD revela que, embora o DF seja uma das unidades da federação com maior acesso à internet — 95,5% dos domicílios possuem conexão própria — apenas 40% da população usa a rede com frequência para realizar compras. Em regiões como Ceilândia e Taguatinga, que concentram grande número de moradores de baixa e média renda, o comércio de bairro segue forte, ainda que pressionado por mudanças.

O perfil digitalizado do consumidor mais jovem e de maior escolaridade já começa a transformar o cenário, mas a migração total para o e-commerce ainda depende de fatores estruturais. Enquanto isso, comerciantes da Feira dos Goianos seguem investindo em estratégias de sobrevivência que passam pela renovação constante, fortalecimento do atendimento e uso inteligente das redes sociais.

A vitrine da esquina ainda tem seu valor — e, no DF, ela segue sendo o ponto de partida (ou de chegada) de boa parte das compras do dia a dia.

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