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Brasília

Família suspeita de morte em clínica de reabilitação

Internado na clínica Khenosis, Paulo Henrique Rodrigues Alves foi levado morto para hospital

Olavo David Neto

04/02/2021 5h43

Ano novo, vida nova. Foi com essa intenção que Paulo Henrique Rodrigues Alves, 44 anos, e sua família buscaram uma clínica de reabilitação para que ele se tratasse da dependência química. Até então, a doença era a única que assolava o segurança, pai de um filho, que se internou no dia 9 de janeiro na Khenosis Clínica de Saude Mental Coaching e Remoção, instituição que, de acordo com o portal na internet, é especializada no tratamento de “transtornos mentais”, sejam “orgânicos”, ou advindos do abuso de “substâncias psicoativas”. O resultado, porém, foi uma ligação telefônica informando a morte do homem 22 dias após a entrada no estabelecimento.

Alves foi admitido num dos 64 leitos da clínica, igualmente dividos entre as alas feminina e masculina. A instituição, que também propõe atendimento de coaching e capelania cristã”, tem como regra o isolamento total do paciente durante 15 dias – com exceção da comunicação por cartas. Eram esses contatos que aliviavam a consciência de Márcia Eliasson, irmã de Paulo que reside na Suécia. “Ele escrevia pedindo chocolate, palavras cruzadas, essas coisas”, disse a mulher ao Jornal de Brasília por videochamada. “Eu estranhava, mas pelo menos sabia que ele estava bem”, relembra.

A primeira comunicação direta se deu no dia 25. Pelo celular, Paulo disse estar bem e entender que tinha uma personalidade nervosa, combativa. Por isso, não deu importância ao “sossega leão” – coquetel de tranquilizantes – aplicado por enfermeiros do local. Três dias depois, na última quinta-feira do mês passado, a iniciativa da ligação veio do próprio paciente. “Ele queria ver o filho, ver a chácara, o carro dele. Estava com saudade de tudo”, explica Eliasson, que considerou “normal” o contato do irmão com a mãe, dona Maria Aparecida Rodrigues Sandrini.

No sábado (30), a família atendeu a um pedido do próprio Paulo e levou pizza e algumas guloseimas à clínica. No dia seguinte, porém, uma ligação devastadora veio da casa materna. “Tinham quatro enfermeiros lá, falando para minha mãe que meu irmão havia morrido”, relata Márcia, sem conter a emoção. “Uma delas, a Marluce, disse que ele acordou cansado e muito sonolento, e que ela foi na ambulância fazendo massagem cardíaca nele”, lembra. O relato da profissional, porém, trouxe dúvidas. “Primeiro que ela era enfermeira da ala feminina, não cuidava do meu irmão”, confessa a irmã do falecido ao JBr.

Perguntas e dúvidas

Após digerir a notícia da morte de Paulo Henrique, Márcia passou a se atentar a algumas divergências e tentativas de fuga nas perguntas que fazia à clínica. “Eu liguei para lá e outra enfermeira, a Maria, contou mais ou menos a mesma história, mas disse que não sabia que ele tinha morrido”, conta. “Quando a gente foi questionar o hospital, disseram que ele chegou sem vida lá”, denuncia a familiar. A unidade de saúde na qual Paulo supostamente fora atendido é o Hospital Regional de Santa Maria (HRSM). Localizada na BR-040, no Setor de Mansões Abraão, a Khenosis dista cerca de 15 minutos do centro de saúde.

Para Márcia, alguém está mentindo. “Eu não quero acusar, não quero apontar dedos, mas é muito estranho que ele tenha chegado morto no hospital, sendo que é perto da clínica”, revolta-se Eliasson. Segundo ela, uma prima também contactou a Khenosis após a morte de Paulo. Uma das enfermeiras relatou que “ele estava muito nervosinho” no sábado, mas se recusou a responder quando questionada sobre que tipo de medicação foi aplicada. O Jornal de Brasília teve acesso aos registros hospitalares, que constatam o óbito antes da entrada na unidade.

De acordo com o documento, Paulo já apresentava “pupilas midriáticas” (ou seja, dilatadas, como as de um cadáver) e que tinha Parada Cardiorrespiratória (PCR), além de apresentar “secreção gástrica na cavidade oral” – já que o corpo expele líquidos e gases após o óbito -, máscara cianótica (coloração azulada na face) e extremidades frias.

Para completar o nevoeiro que se espalha sobre a morte de Alves, o prontuário só foi liberado na terça-feira (2), dois dias após a morte do paciente. “São muitas perguntas, muitas dúvidas”, lamenta. “Não é possível que ele tenha morrido no caminho, porque é perto e ele nunca teve histórico de doenças. Usou droga e álcool a vida toda e não teve nada, mas teve quando começou a se tratar?”, questiona Eliasson.

Funeral foi transmitido por vídeo

Contratado pela família, o advogado Mário Gomes, delegado aposentado da Polícia Civil (PCDF), instruiu a família de Paulo Henrique a registrar um Boletim de Ocorrência na 33ª Delegacia de Polícia (Santa Maria). Fontes ouvidas pelo JBr. afirmaram que a Khenosis é reincidente neste tipo de caso, sendo um deles a morte, nas mesmas circunstâncias, de um policial civil internado. O processo corre em segredo de Justiça. O corpo de Paulo Henrique foi sepultado na tarde de ontem com presença de amigos e familiares. O laudo do Instituto Médico-Legal (IML) deve demorar “de uma semana a 15 dias”, de acordo com Gomes.

A despedida de Paulo foi transmitida por vídeo para que Márcia acompanhasse o enterro do irmão. “Ele era uma pessoa muito boa e muito querida. De certa forma, foi bom ver o tanto de gente que sentiu a morte do Paulo, e que vai sentir a falta dele”, emociona-se. Contactada pela reportagem, a Khenosis prometeu retornar a ligação quando um dos diretores, não identificado pelos atendentes, terminasse “uma reunião com familiares de pacientes”. Até o fechamento desta edição, porém, não houve resposta.

Clínica

Ao longo do dia de ontem, o Jornal de Brasília tentou contato por várias vezes com a Khenosis. Na primeira ligação, feita para o número que consta na página da clínica, o atendente disse que quem falaria a respeito seria o administrativo do local.

Contactado pela reportagem, o setor administrativo da Khenosis prometeu retornar a ligação quando um dos diretores, não identificado pelo atendente, terminasse “uma reunião com familiares de pacientes”. Até o fechamento desta edição, porém, não houve resposta.

O espaço do Jornal de Brasília permanece aberto para os esclarecimentos da Khenosis

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