Menu
Brasília

DF registra 17 casos de trabalho análogo à escravidão

Foram 17 pessoas libertadas de regimes trabalhistas precários em oito ações coordenadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT)

Vítor Mendonça

28/01/2022 19h47

escravidão

Foto: Vitor Mendonça

O novo relatório de Combate ao Trabalho Escravo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) de 2021, divulgado nesta sexta-feira (28), mostrou que o Distrito Federal ocupou a 15ª colocação entre as unidades da federação que mais tiveram resgatadas pessoas em situação análoga à escravidão. Foram 17 pessoas libertadas de regimes trabalhistas precários em oito ações coordenadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

No Brasil, o número chega a quase 2 mil pessoas, sendo no total 1.937 resgatados de situações análogas à escravidão. A maioria foi libertada no estado de Minas Gerais, sendo 758 resgates em 99 operações; seguido por Goiás, com 304 indivíduos em 49 ações; e, em terceiro lugar, São Paulo, com 147 salvamentos em 25 procedimentos de fiscalização.

A divulgação acontece no Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Celebrado em 28 de janeiro, é uma das datas que marcam o esforço contra uma das formas mais antigas de exploração da humanidade. Neste sentido, o trabalho realizado por auditores fiscais e por procuradores do Trabalho é um dos mais relevantes e, portanto, também são homenageados neste dia.

Como acontece na maior parte das ocorrências no Brasil, a maioria das situações encontradas no DF foram de pessoas em trabalhos análogos à escravidão nas regiões rurais. Porém, uma das fiscalizações que têm crescido na capital e no Goiás são em áreas urbanas, relacionadas ao serviço doméstico, conforme explica o procurador do Trabalho do MPT, Tiago Cabral.

“No DF houve um aumento significativo de casos em relação ao trabalho análogo ao escravo doméstico. Tivemos casos inclusive em regiões nobres de Brasília, onde houve o resgate [de trabalhadores]. Também em Ceilândia houve uma espécie de entidade religiosa de reabilitação que explorava a mão de obra das pessoas internadas”, contou o procurador.

De acordo com ele, a situação de exploração doméstica é uma das mais difíceis de serem investigadas, justamente por ser um ambiente privado muito fechado e restrito a apenas um grupo pequeno de pessoas. Por esta razão, sempre aparecem menos nas ocorrências urbanas, que são, em maioria, nas chamadas facções de serviços de costura (facção é o nome dado à confecção de vestuário em escala para empresas maiores, como uma terceirização de serviço).

“Essas situações [domésticas] são muito novas para a gente. Ainda não havíamos feito tantos atendimentos àquilo que é o trabalho análogo ao de escravo dentro das residências, porque é um local de situação muito inviolável pela autoridade pública. Mas quando acontece o crime dentro desses lugares, temos que entrar”, explicou.

Tiago destaca que as ações feitas pelo MPT em casos como esses são bem articulados para que aconteça da forma mais discreta possível, para não comprometer ou gerar transtorno às vítimas, que muitas vezes não sabem ou não se enxergam na situação de exploração – seja por falta de escolaridade ou outra questão pessoal. “Não agimos de forma abrupta. Sempre conversamos com o empregador de que vamos fazer a ação”, disse.

Por mais discretas que sejam, porém, as operações de resgate são sempre acompanhadas pela Polícia Federal, no entanto, caso alguma situação fuja do controle dos auditores e procuradores, que realizam a abordagem inicial com os empregadores. Estes, muitas vezes, também não entendem como exploradores, ou até também estão em situação de vulnerabilidade.

“Geralmente a pessoa que está sendo fiscalizada fica na defensiva, mas na maioria das vezes fica bem colaborativa. No DF, houve um caso em que participei da força tarefa em que o empregador também era uma pessoa em vulnerabilidade social, por exemplo. Nunca tivemos muitos problemas. As pessoas são sempre bem receptivas, até porque a Polícia Federal sempre está conosco. Se algo acontece, os policiais rapidamente entram em ação”, exemplificou Tiago.

Para as denúncias, os maiores aliados dos procuradores e auditores nestes casos são vizinhos, agentes de assistência social ou mesmo familiares que entendem que a situação é de exploração, e estes fazem a denúncia junto ao MPT ou à PF, porque possuem alguma relação mais próxima com a residência onde a situação acontece.

Em boa parte, conforme explica o procurador, as vítimas de trabalho análogo à escravidão no âmbito doméstico estão há muito tempo com a mesma família, convivendo com as mesmas pessoas. Algumas delas conviveram com alguns residentes da casa ainda crianças, acompanhando o crescimento dos familiares no local há anos.

Estes são os casos mais delicados justamente pelo tempo de convivência no ambiente com a mesma família. “Normalmente são pessoas que temos que conversar bastante [com psicólogos e assistentes sociais] para fazer com que essas pessoas se compreendam como escravizadas”, destacou Tiago. Na verdade, passaram anos sendo tolhidas dos próprios direitos fundamentais.

“Há um sistema de bloqueio mental que faz com que a pessoa não se veja naquela situação. Mas a partir das provas e das evidências, conseguimos demonstrar para ela que na verdade ela é uma vítima. E um discurso que vem muito forte é que as vítimas que trabalham como análogas à escravas domésticas são ‘praticamente como uma parte da família’, mas a família não trata da mesma forma, então claramente não é”, pontuou o especialista.

Impunidade

A luta pela erradicação do trabalho análogo à escravidão no Brasil, porém, apesar de todos os esforços para o cumprimento da Lei, ainda esbarra em um inimigo comum em todas as ocorrências: a impunidade. Mesmo com o combate à prática desde 1995, até hoje, somente uma pessoa foi presa.

No restante de todo enfrentamento feito pelo MPT ao longo dos anos, o sistema jurídico brasileiro deu voz a incontáveis recursos de exploradores que mantêm e perpetuam o complexo esquema de abuso trabalhista. Estes são, na maioria dos casos, donos de fazendas ou proprietários urbanos de quartos de costura. As multas, porém, costumam ser aplicadas.

Desde 1995, mais de 57 mil pessoas foram resgatadas e receberam o valor superior a R$ 122 milhões, a título de verbas salariais e rescisórias depois das operações feitas pelo MPT.

Mas esta não é a determinação completa do artigo 149 do Código Penal. A legislação estabelece pena de reclusão de dois a oito anos a quem “reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.

Conforme o parágrafo segundo do mesmo artigo, a pena aumenta pela metade se o crime for cometido contra criança ou adolescente, ou “por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem”.

Como denunciar

Sendo assim, as denúncias são as maiores aliadas no trabalho feito por auditores e procuradores que lutam para mudar a realidade ainda persistente no país. Por ser um trabalho muito específico de atuação, os canais de denúncia não são os usuais – são eles:

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado