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Brasília

DF abriu quase 3 vezes mais empresas que fechou em 2020

Ceilândia e Plano Piloto puxam aberturas de CNPJ durante a pandemia

Olavo David Neto

05/02/2021 6h53

Que a pandemia afetou o desenvolvimento econômico-social em todo o Brasil, não resta dúvidas. No Distrito Federal, porém, o período mais crítico de saúde pública dos últimos cem anos trouxe também algumas oportunidades. Prova disso são os números divulgados pelo Junta Comercial do DF (Jucis-DF). Segundo o órgão, a capital registrou 62.064 empresas, quase três vezes mais que as 20.062 que foram à bancarrota. E isso muito tem a ver com iniciativas criativas, empoderamento feminino e, quem diria, com os saldos de desemprego na chegada da covid-19 ao Planalto Central.

No início da pandemia, Ceilândia, que viu trabalhadores perderem empregos ou terem os contratos de trabalho suspensos, bateu recordes na abertura de empresas. Foram 626 novos CNPJ na região entre março e junho, enquanto, no mesmo período, cerca de 115 comércios fecharam as portas. Para Clemilton Santana, presidente da Associação do Comércio e Indústria de Ceilândia (Acic), os números batem com a realidade da região. “Ceilândia tem origem empreendedora. A gênesis dela são as pessoas que vieram para construir Brasília, e depois não sabiam para onde iam”, aponta o sindicalista. O índice é o maior entre as RAs do DF.

De modo geral, entre março e agosto do ano passado, foram abertas 5.253 lojas na RA IX, número abaixo apenas do Plano Piloto. É o reflexo, de acordo com Santana, do alto índice de demissões enfrentadas pelos ceilandenses. “Perdeu emprego no restaurante, na padaria, na fabriqueta de salgados, e começaram a ver que aqui tinha espaços para ele empreender”, atenta. “Ao perderem o emprego, transformaram aquela habilidade que garantia um salário em algo que dá renda”, completa. Apesar do surgimento de novos comércios, um aspecto negativo ficou.

Ceilândia figura na terceira colocação entre as RAs que mais fecharam salas comerciais durante a pandemia – ou nos primeiros seis meses da crise de saúde pública. Entre março e agosto, foram 779 empresas fechadas na região. Para o presidente da Acic, não há anormalidade, a não ser a temporal. “Eu diria que esses fechamentos foram provocados por uma série de coisas. A pandemia acelerou processos que, em seis meses, aconteceu o que aconteceria em seis anos. Talvez mais”, reflete Santana, que aponta também uma estagnação dos empreendedores, que não se adaptaram às “novas formas de venda”.

Tanto é que um dos maiores booms ocorridos na periferia mais famosa do DF se deu por meio das vendas eletrônicas. “Um dos serviços que mais cresceu aqui na cidade, apesar de não aparecer o ramo físico, é o e-commerce. Cresceu na alimentação, abriu-se o empreendedor individual. Começou-se a ter esse movimento”, pontua Clemilton. E, por falar em comércio digital, em outro “ponto quente” empresarial do DF, duas iniciativas abraçaram o novo modelo e não pensam em voltar atrás.

Mulheres sem medo de empreender

Quando três mulheres se juntaram para buscar alternativas de renda em meio à pandemia, surgiu o LUMAS. Voltado para o público feminino, sobretudo com viés de empoderamento, o negócio se dedica a venda de camisetas, mas não para por aí. “A gente trabalha o protagonismo da mulher, inicialmente por venda de camisetas”, comentam Fernanda Tale e Yasmin Franklin, sócias remanescentes no projeto. “Além disso, como contrapartida social, a gente tem todo o nosso processo de branding aberto. Nosso código é aberto. Escolha e logo, planejamento estratégico e ferramentas estão todas no Instagram”, apontam.

A iniciativa é importante, segundo elas, pois fornece o conhecimento pelo qual muitas possíveis empreendedoras desistem de abrir o próprio negócio, pois se assustam com preços cobrados por consultores e agências para, por exemplo, traçar o planejamento estratégico. Assim, com dicas e até manuais no perfil @lumasfly, no Instagram, elas se comprometem com o desenvolvimento não apenas delas ou da LUMAS, mas das mulheres como um todo. “Uma das razões para não empreender é não saber fazer, ter medo do planejamento”, apontam as sócias na conversa com o Jornal de Brasília.

O processo nas redes sociais começou ainda no final de maio, quando a área de eventos e cerimonial “secou” durante a quarentena. Nos últimos dias de agosto, vieram as primeiras vendas. “Muitas pessoas precisavam de roupas confortáveis para ficar em casa, e humanização nas relações e nos serviços, a gente apostou em desenvolver uma marca que trabalhasse muito bem o relacionamento”, explicam as parcerias de empreitada. “A gente se aproxima, não temos clientes, temos amigas”, finalizam elas, que disponibilizam as reuniões da LUMAS na internet, além de documentos e planilhas para facilitar o entendimento de outras “aventureiras”.

Além de contribuir para um possível empoderamento, elas se voltam a uma luta longe do fim, mas que cada dia mais ganha espaço nas discussões da sociedade. Com a pandemia, muitas vítimas de violência doméstica, que, por vezes, dependem financeiramente de outrém, estão isoladas com os agressores, sem possibilidade de denunciar uma situação abusiva. “Estamos tentando fazer algo para reduzir os itens de violência doméstica”, dizem, pela primeira vez de forma cisuda, Fernanda e Yasmin, que também arrecadaram itens de higiene e roupas para doações na Casa Abrigo, que recebe mulheres em situação de violência.

Após um período exclusivamente on-line, a LUMAS conta agora com sede física, onde as “amigas” podem avaliar de perto os materiais vendidos pela empresa. É uma espécie de loja conceito, sem venda direta. Às interessadas, é possível visitar os aparelhos na 503 Sul e no Casa Park.

“Tivemos que reinventar a experiência”

Sem qualquer contato físico com clientes, a inovação no mercado de bebidas fica por conta da Cloud Delivery. Antes conhecida pela alcunha A tal da bebida, distribuidora localizada no Centro de Atividades (CA) do Lago Norte, a empresa se transformou com a pandemia, mas já em 2021. Proprietário do negócio, Guilherme Sette percebeu que o custo de operação para entregas com os 32 motoboys ligados à loja superava o arrecadado com o modelo consagrado com o novo coronavírus. “Tivemos que reinventar a experiência. A gente teve que amadurecer essa logística de delivery. A demanda chega, o motoboy pega o pedido, leva, recebe o dele e volta para a loja. Demora até 1h”, ratifica Sette.

Assim, veio a ideia de um veículo equipado que não precisasse voltar ao Lago Norte toda vez que um novo pedido chegasse nas contas da empresa. Com um furgão adaptado, com refrigeração a -10ºC, os clientes recebem seus pedidos, em média, na metade do tempo observado quando das entregas convencionais. A dinâmica é simples. No início do dia, explica Guilherme, o carro é abastecido com refrigerante, água, suco e outros tipos de bebida que têm mais saída nesses horários. Um novo abastecimento às 17h muda o perfil: a partir daí, bebidas alcóolicas dominam a carroceria. Após uma entrega na 102 Sul, por exemplo, não há necessidade de retornar à base para realizar outra a cinco quadras dali.

Em duas semanas, o novo modelo, patenteado por ele, já virou uma conta mais lucrativa. “Só para dar uma ideia, no domingo a gente fez 60% do movimento do ano novo, com apenas 1 carro”, explica Guilherme, que estima que um carro equivalha a cinco motos realizando entregas “tradicionais”. “Gera economia pra gente e economia de tempo pro cliente. A entrega caiu de 1h30 para 49 minutos”, comemora o empresário, sem deixar de lembrar que mais dois carros devem entrar em atividade até março deste ano.

O novo negócio compensa até para o meio ambiente. De acordo com estimativas da própria loja, o carro reduziu em 20% a emissão de CO², gás altamente poluente e um dos principais causadores do efeito estufa, em relação às 32 motos que rodavam com produtos vendidos pela empresa.

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