Por Amanda Karolyne
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Com uma programação de despedida que vai do dia 18 de fevereiro ao dia 13 de março, o Outro Calaf anunciou que vai fechar as portas depois de 32 anos de funcionamento. Tido como um local importante para a cultura de Brasília, o espaço era um restaurante, bar e casa noturna. Com a dificuldade enfrentada durante a pandemia, esse não é o primeiro estabelecimento a fechar, mas depois de três décadas de atividade, vai fazer parte da história de Brasília.
A dona do estabelecimento, Priscila Calaf, rememora um pouco da história do Calaf, que foi fundado em 1990 pelo pai dela, o geólogo Venceslau Calaf. “Ele tinha um sonho de ter um restaurante/bar. Era uma lojinha de 40 metros quadrados, no Setor Bancário Sul. Foi um dos primeiros restaurantes por lá”, relembra. Segundo ela, até o início dos anos 2000, eles funcionavam como restaurante e bar onde as pessoas se encontravam para o happy hour, mas a partir de 2001, começaram a ser um centro de cultura. “Começou a ter samba todos os sábados, depois teve um projeto chamado Criolina de música brasileira todas as segundas-feiras, black music, e etc. E aí depois, passamos a abrir quase todas as noites com ritmos culturais diferentes, projetos diferentes e produtores da cidade”, conta. Nesse meio tempo, o Calaf mudou de prédio e passou a ser conhecido como O Outro Calaf. Então, Priscila aponta que quando veio a pandemia, eles sentiram o baque muito forte, assim como todo o setor produtivo sentiu. “A gente se manteve fechado de março até setembro sem demitir nenhum funcionário, manteve todos em casa, depois voltamos a abrir seguindo todos os protocolos, mas a falta de políticas públicas para o setor nos atingiu em cheio”, destaca.
Eles fizeram de tudo para salvar o empreendimento, fizeram empréstimo, venderam imóveis, e até uma vaquinha foi feita quando a pandemia se iniciou. Mas não teve jeito, e de acordo com Priscila, a última decisão do governo de proibir a cobrança de ingressos nos estabelecimentos, fez a situação ficar insustentável. “A gente estava muito frágil ainda, e não tinha para onde correr. Anunciamos o encerramento com uma programação de fechamento para poder dar tchau ao cenário cultural de Brasília”. Ela vai sentir falta do Calaf poder ser o lugar que as pessoas de Brasília poderiam ir e encontrar cultura de qualidade, e onde os músicos e produtores da capital tinham uma parceria.
Segundo Priscila, a notícia de que o Outro Calaf vai fechar chegou a ficar em nono lugar nos Trending Topics do Twitter na terça-feira, como um dos assuntos mais comentados. “Muita gente e muita manifestação de apoio de muitos artistas, que dá um quentinho no coração”, contempla. Ela fala que o início do samba no Calaf com samba choro, as terças com Samba na roda, as festas de funk e festas LGBT, são várias das produções que vão ficar na lembrança dela.
“A gente está sentindo muito, e fez tudo que a gente podia, tanto pela cidade, quanto pelos funcionários, pessoas que estão com a gente a muito mais de vinte anos, pessoas de mais idade, profissionais excelentes, mas que vai ser muito difícil para eles se recolocarem no mercado de trabalho”, ressalta. Priscila acredita que se existissem mais políticas públicas que abraçassem o setor cultural e produtivo, eles e outros bares aguentariam mais um pouco. “É uma pena que os espaços culturais de Brasília estejam fechando, não somos os primeiros. Os bares como Feitiço Mineiro, Bar Brasília, e outros, estão fechando também”.
Segundo o presidente do Sindicato Patronal de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares (Sindhobar), Jael Antonio da Silva, foram mais de 3.000 bares e restaurantes fechados ao longo desse período da pandemia. Jael lamenta muito pelo seguimento, que para ele é o mais atingido pela pandemia. “O Calaf além do aspecto cultural, sempre foi uma casa gastronômica, um restaurante de importância da cidade. E até recentemente o dono dele participava do sindicato”, afirma. Para ele, os empresários continuam com muita dificuldade ao longo do cenário em que vivemos. Ele acredita que muitos bares e restaurantes ainda vão fechar por enquanto. “No final do ano passado muitos bares novos surgiram, mas ainda assim tiveram muitos bares e restaurantes antigos que não resistiram.”
Quem frequentava irá sentir falta
A banda Brega e Rosas começou a tocar no Calaf mesmo, e o jornalista, Vitor Moraes, 36 anos, antigo membro da banda, alega que ficou surpreso por saber o quão antiga a história do estabelecimento é. “Não tinha ideia que o Calaf tinha 32 anos, para mim era algo mais recente. Eu frequentava o Calaf original, e cheguei a tocar lá também”, alega. Em sua percepção, a casa noturna abria espaço para coisas bem diferentes. “Em Brasília, tem nichos musicais, como o Bar Brahma conhecido por ter samba, mas o Calaf eu saquei que era muito diverso”, menciona.
Segundo Vitor, quando o Outro Calaf foi inaugurado, a banda não tinha muito tempo de formada, então eles começaram a tocar lá, onde ele afirma que até a disposição do palco era diferente de como é atualmente. Mas para ele, o que mais chama atenção, é a maneira como a equipe do Calaf sempre foi parceira de quem produzia e tocava por lá. “Eles não costumam dificultar muito um evento que a pessoa queira fazer. Não é algo de ter quem indica, nunca foi muito difícil de conseguir tocar, ou de negociar preço, foi sempre um lugar de fácil acesso”, diz. Ele conta que chegaram a realizar uma temporada inteira de shows em um mês inteiro lá, que era um dos poucos lugares que topavam esse tipo de evento por temporada.
O músico e jornalista cita um show em que convidaram o Felipe S, vocalista da banda Mombojó, para tocar com eles no Calaf. Na mesma época, também tocou com o pessoal do Divinas Tetas. “Foram noites especiais de ter eles com a gente no Calaf”.
Moares relembra os momentos em que tocou, mas também os momentos em que frequentou a casa. “Tinha muito evento de dia, não era só uma casa noturna, porque eles conseguem fazer vários tipos de eventos, numa terça tem samba, quarta tem música eletrônica, quinta tem funk”, cita o que segundo ele, é uma característica marcante do Calaf. Vitor acreditava que depois de passar pela pandemia toda, o Calaf ainda conseguiria se sustentar. “Das casas que frequento em Brasília que fecharam, essa foi a que teve mais impacto, foi um baque”, registra. O lugar faz parte do que ele é como pessoa, ele guarda na memória o momento em que o Flamengo, foi campeão da Libertadores, que ele viu num evento realizado pelo Calaf.
Para a jornalista, Tatyane Mendes, 28 anos, todos os jovens do DF, tiveram no Calaf uma grande referência da noite brasiliense. “Brasília tem uma cultura de rotatividade muito grande de festas, no sentido que as coisas não duram muito. E o Calaf sempre foi um ponto de resistência, e por muito tempo você sabia que podia ir em qualquer dia da semana e encontrar gente legal, os amigos”, comenta. Para ela, foi um dos poucos lugares que resistiu com o espírito de festa em Brasília. Ela ainda aponta que a memória afetiva está muito ligada àquele espaço. “Desse começo de vida adulta, vida universitária. Perder isso, é deixar para trás a parte mais jovial que a gente teve”, contempla. Ela e muitos amigos sentiram muito quando viram a notícia. “Ver o Calaf fechando, ainda mais depois de superarmos a pandemia, deixa uma tristeza em todo mundo”, finaliza.
A publicitária Lohanna de Paula, 25 anos, acredita que é de senso comum que a perda do Calaf é muito significativa em Brasília. “Não só por movimentar a cena cultural da cidade e gerar emprego para quem trabalha no meio de entretenimento, mas porque o Calaf marcou uma geração”, frisa. Ela recorda de sair com as amigas para ir nas festas que tinham lá, e sente muita saudade da Moranga e Porry, em especial. “A gente se divertia muito, dançava muito e saia só de manhã, foi lá que minha amiga ficou com a paixão de infância dela, foi lá que fiz várias amizades e eu vou sentir muita falta do Calaf, principalmente porque quase não tem lugares do tipo para sair aqui em Brasília”, salienta.
A jornalista Rebeca Ligabue, 26 anos, também comenta sobre o Calaf sempre ter sido um ponto de encontro entre amigos. “Durante a faculdade, principalmente, eu e meus amigos aproveitamos bastante as festas, que até viravam assunto nas aulas com os professores da graduação. O local nos proporcionou momentos memoráveis”, disserta. Para ela, é uma tristeza saber que a pandemia e a falta de apoio à cultura local ocasionaram o fechamento do estabelecimento.