Para além da preocupação com a saúde dos rodoviários no país, a missão de implementação de ônibus elétricos representa uma oportunidade de alinhamento às expectativas de redução de emissões de carbono na atmosfera. O Brasil foi o 13º país com a maior quantidade de emissões de CO² vindas de combustíveis fósseis e da indústria em 2022, com aproximadamente 483,48 milhões de toneladas emitidas, segundo dados do Global Carbon Project, projeto que quantifica as emissões globais de gases de efeito estufa.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), cerca de 74,5% das emissões de carbono na atmosfera vêm de atividades terrestres, incluindo o transporte de passageiros e fretes. Aproximadamente 45,1% do total de emissões do planeta abarcam o que é expelido por carros, motos e ônibus.
Nesse sentido, o país tem investido em estratégias para a diminuição de emissões de CO². Dentro do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), por exemplo, a prioridade é para a aquisição de ônibus com tecnologias de redução de gás carbônico expelido na atmosfera. São R$ 10,6 milhões investidos em municípios brasileiros para a aquisição de 5.350 ônibus mais sustentáveis para a renovação da frota brasileira.
Do quantitativo total, cerca de 2,5 mil ônibus são elétricos. O restante rodará com a tecnologia Euro 6 – que limita a emissão de poluentes veiculares do tipo CO². Atualmente, o Brasil possui 290 veículos urbanos movidos a bateria – cerca de 0,27% dos 107 mil ônibus na frota nacional, segundo levantamento realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).
De acordo com o ministro das Cidades, Jader Filho, os investimentos na renovação dos transportes urbanos são um compromisso com a mobilidade sustentável do país. “Com isso renovamos a nossa frota e incentivamos o processo importante de tecnologias mais limpas”, destacou o ministro durante fala no 8º Fórum de Debates da Confederação Nacional do Transporte (CNT), em Brasília.
Estruturação
Entretanto, a aquisição de ônibus elétricos no Brasil está condicionada à adaptação das cidades para receber os veículos com zero emissões de carbono. “Não existe uma solução única para o Brasil em relação à questão do transporte. Nós somos um país continental. Criar estrutura nos nossos rincões e fazer a eletrificação dos ônibus não é uma realidade tão próxima. É preciso criar estruturas muito potentes para poder absorver essas demandas”, disse Jader.
De acordo com o professor Pastor Willy Gonzales, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental (ENC) da Universidade de Brasília (UnB), a primeira das principais barreiras para a implementação da tecnologia elétrica no país está na matriz energética.
“Qualquer projeto para o desenvolvimento de uma cidade é baseado no uso do solo, e o transporte público configura uma demanda de pessoas que precisam se deslocar na cidade. Mas agora surge um outro tipo de planejamento: o energético. Como se manter uma nova tecnologia se não há também esse planejamento [para implementação]? É preciso planejar a matriz energética em si, que entra na pauta agora”, destacou o professor.

Conforme explica o especialista, a pressão externa para a descarbonização, vinda de órgãos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e de tratados como o Acordo Climático de Paris, tem acelerado o processo de implementação de novas tecnologias para alcançar resultados relevantes para a diminuição do efeito estufa.
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2023, a COP28, o Brasil apresentou a meta de reduzir em 53% as emissões de gases do efeito estufa até 2030. Uma vez que a COP30 será realizada no país em 2025, ter avanços alinhados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é fator relevante para a aceleração no processo de implementação de uma mobilidade urbana mais ecológica.
De acordo com Pastor, o Brasil está começando a pensar de uma maneira estratégica, refletindo sobre o que é bom no curto, médio e longo prazo no que diz respeito à adoção de novas tecnologias para a descarbonização das vias urbanas.
“Há uma mudança realmente, e essa mudança deve nos levar a trazer novas alternativas para planejar de forma mais acertada. As linhas mestras o governo está dando, mas o encaixamento do que vem do nível superior até chegar no nível operacional vai demorar um tempo e é preciso planejar com especificidades, porque não é um modelo único para todos [os estados], ainda que hajam regiões metropolitanas parecidas”, disse.
Confronto econômico e pressão popular
Outro desafio para a implementação dos ônibus elétricos no país é o custo para a aquisição dos modelos. Um veículo urbano descarbonizado, movido a bateria, varia entre R$ 2,5 e R$ 3 milhões a unidade – quase três vezes mais que um modelo convencional, de acordo com a NTU.
O coordenador e fundador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Olímpio Alvares, destaca que a implementação das tecnologias precisa de uma preparação cautelosa, especialmente segundo o aspecto financeiro, uma vez que envolve recursos públicos e que cidades e municípios tendem à necessidade de subsídios para a aquisição dos veículos elétricos.
Além do custo dos veículos, é preciso pensar nos investimentos em infraestrutura das garagens dos ônibus, que necessitará de adaptação para a recarga dos elétricos, em eventuais trocas de baterias, a adaptação da rede elétrica externa das garagens – que poderá passar de média para alta tensão. “Isso envolve custos milionários”, disse.

Do outro lado do custo inicial alto, porém, a vida útil dos ônibus elétricos, de pouco mais de 15 anos, é maior que a dos ônibus tradicionais, que normalmente é de 10 anos. Assim, segundo Olímpio, o valor pode ser recuperado ao longo da operação dos ônibus elétricos.
“É preciso que tudo seja feito de forma muito cautelosa e prudente, para não haver problemas operacionais e conseguir fazer o serviço de transporte público sem prejudicar os usuários”, explicou.
Neste aspecto, o professor Pastor Willy destaca ainda que há ainda uma pressão popular durante o processo de implementação dos ônibus elétricos nas cidades. “As pessoas [ao olharem para os veículos a bateria] vão querer saber qual o benefício econômico para elas, e se perguntam quanto a mais ela terá que pagar por aquele veículo”, disse. Trata-se, portanto, de uma nova preocupação além das outras que já são permanentes no dia a dia.
“[A população] quer saber quanto ao conforto, à segurança, à pontualidade, confiabilidade – se não vai quebrar no caminho –, que já são preocupações permanentes e de longa data. O planejamento do transporte ainda é deficitário e ainda há muitas carências no atendimento e no respeito ao usuário. Isso ainda não foi resolvido. As pessoas entendem que o veículo novo vai resolver problemas anteriores”, pontuou.