Oito meses se passaram desde que a nova gestão assumiu o DF, mas empresas que prestaram serviço ao Governo de Brasília em anos anteriores ainda não receberam. Calculada em R$ 2,3 bilhões, a dívida com mais de 500 credores em 20 setores não tem prazo para terminar, podendo se estender até o fim do atual mandato. Enquanto os cofres públicos têm aumento de arrecadação, quem depende de receber os valores referentes às dívidas passa dificuldades.
De acordo com o próprio governo, do montante acumulado de dívidas até o exercício de 2014, R$ 1,2 bilhão é relativo a contratos e convênios, enquanto R$ 1,1 bilhão é de pagamento de pessoal e encargos sociais.
O JBr. mostrou ontem: o caixa do DF arrecadou R$ 253 milhões a mais no primeiro semestre deste ano em comparação ao mesmo período do ano passado. Nem se o montante valesse, de fato, isso e fosse utilizado integralmente para pagar as dívidas, daria.
Enquanto a inflação fez o montante reduzir de valor, o salário do trabalhador não teve aumento para acompanhar as altas de preços e juros. Com o desemprego em 14,4%, a população está cautelosa, gasta menos e diminui a atividade econômica, impactando o comércio.
Como resultado, desemprego e portas fechadas. Somente neste ano, o Sindicato do Comércio Varejista (Sindivarejista) estima que 1,7 mil lojas fecharam as portas no DF. O local que mais sofre é a Asa Sul. Somente a W3 concentra cerca de 135 lojas fechadas. Na Rua dos Tecidos, 306/307, há, pelo menos, sete lojas desativadas. O mesmo ocorre na Rua da Moda, 304/305. Na 106 Sul, seis lojas não abrem mais. Prédios novos e velhos têm salas comerciais fechadas. No Setor Comercial Sul, são mais de cem nessa situação.
Passando aperto
Enquanto isso, entre as contas não pagas, há prestadoras de serviço sem receber desde o meio do ano passado e sofrendo diretamente as consequências da falta de recursos. É o caso de quase 500 motoristas da Cooperativa de Caminhoneiros Autônomos (Coopercam).
“O último pagamento foi em julho de 2014. De agosto a março, quando acabou o contrato, não recebemos nada”, revela Marcelo Almeida, gerente da cooperativa.
Caminhoneiros vivem no “sufoco”
Segundo o gerente administrativo da Cooperativa de Caminhoneiros Autônomos (Coopercam), Marcelo Almeida, cada um tem seu próprio veículo e vive disso. “Muitos passaram esse tempo dependendo de cartão de crédito ou empréstimos, mas hoje vivem no sufoco, endividados”, assegura. Metade da dívida de R$ 12 milhões foi paga, mas o débito permanece.
No início do mês, 150 caminhões estacionaram como forma de protesto em frente ao Palácio do Buriti. Eles foram responsáveis por serviços prestados à Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) e às administrações regionais. Hoje, a Coopercam não tem mais contrato vigente com o GDF.
Alimentos
A Sanoli, responsável por fornecer alimentos a pacientes, acompanhantes e funcionários dos hospitais da rede pública, tem R$ 21,5 milhões de dívidas em aberto referente ao ano passado.
Segundo a empresa, é R$ 1,5 milhão de reajuste da database dos funcionários e R$ 20 milhões das faturas de dezembro e novembro. A empresa já chegou a suspender o fornecimento por pelo menos duas vezes e só retomou as atividades por determinação judicial.
Para a Sanoli, o governo alega que a dívida está a cargo da governança, e a quitação, em análise, mas nenhuma proposta foi feita. Aos funcionários, um alento. Nenhum estaria em prejuízo, já que a empresa assumiu os pagamentos. “Já o caixa da empresa continua defasado”, afirmou a assessoria de imprensa.
Onze creches conveniadas, que, no início do ano, fecharam as portas por falta de pagamento, também esperam por repasses do governo. Ciro Silvano, presidente do Conselho das Entidades de Promoção e Assistência Social, conta que as instituições têm convênios de 2010, 2012 e 2014. Somados, os restos a pagar de toda a rede chegam a R$ 947 milhões.
Como retomar a economia
O presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do DF (Fecomércio-DF), Adelmir Santana, acredita que a falta de pagamento a prestadores de serviço “faz mal”: “Diminui a quantidade de dinheiro circulando pela cidade, além de gerar desconfiança dos fornecedores em relação aos contratos e à segurança jurídica”. Para ele, o governo precisa “encontrar rapidamente um caminho para liquidar os débitos e retomar o crescimento da economia local”.
Pesquisador do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) e especialista em Administração Pública, José Eustáquio Ribeiro explica que, com um bom planejamento, o governo consegue fazer uma poupança para pagar parte da dívida e, em determinado intervalo de tempo, quitar o montante. Quando pagamentos não são efetuados, no entanto, vira uma bola de neve.
“A partir do momento que passa a não pagar os prestadores de serviço, compromete alguns setores, como saúde e educação. A renda disponível das pessoas que trabalham nessas prestadoras depende do pagamento desses serviço e, quando há restrição de pagamentos de dívidas criadas, quem deixa de receber também vai se endividar. Vai virando um círculo vicioso e pode comprometer o funcionamento da economia como um todo”, analisa.
Mas ele alerta que é preciso considerar o período de ajuste da economia do País. “Há uma situação macroecônomica que desfavorece e cria essa situação. Quando o governo começa a não pagar é porque o grau de expectativa negativa está ficando muito elevado”, diz.
Versão oficial
O Governo de Brasília diz que o pagamento das dívidas herdadas de gestões anteriores deve obedecer a Lei de Responsabilidade Fiscal e o decreto de reconhecimento de dívida. Além disso, “esses pagamentos dependem da entrada de recursos no caixa do governo”, afirma por meio de assessoria de imprensa. Assim, a gestão não informou sobre calendários ou previsão de pagamentos dos débitos que permanecem.
Dos contratos firmados neste ano, o direcionamento é que “cada unidade orçamentária é responsável pela execução do seu orçamento”, o que significa que os pagamentos devem estar em dia. Todavia, o GDF destaca que “muitas unidades orçamentárias contam com orçamento subestimado para 2015, questão essa que o governo de Brasília tem trabalhado para corrigir”.
Saiba mais
A Controladoria-Geral do DF já entrou no caso de falta de pagamentos, iniciando uma auditoria para investigar legalidade dos gastos de 23 das secretarias do governo – 91% dos contratos são de 2014.
O órgão informou que, por estar em curso, não é possível dar informações sobre a auditoria. A previsão para conclusão é setembro.