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Brasília

Ciclo da violência: DF ultrapassa casos de feminicídios do ano passado e chega a 222 casos desde 2015

De janeiro a outubro, 24 mulheres foram assassinadas por companheiros, ex-parceiros ou familiares, segundo dados do painel de feminicídio da Secretaria de Segurança Pública

Camila Coimbra

29/10/2025 20h17

Foto: Arquivo Agência Brasil

Foto: Arquivo Agência Brasil

O Distrito Federal ultrapassou os casos de feminicídios no ano passado, e voltou a registrar um cenário alarmante de violência contra a mulher em 2025. De janeiro a outubro, 24 mulheres foram assassinadas por companheiros, ex-parceiros ou familiares, segundo dados do painel de feminicídio da Secretaria de Segurança Pública. O levantamento, que inclui o DF e o Entorno, aponta que nos 24 casos, 19 já foram confirmados como feminicídio e 5 ainda estão em análise. Os números mantêm a capital em um patamar crítico: em 2024, foram registrados 23 feminicídios, enquanto 2023 encerrou com 33 casos, o maior número da série recente.

Desde que o painel da Secretaria de Segurança Pública começou a monitorar os casos, em 2015, já foram confirmados 222 feminicídios no Distrito Federal. As histórias se repetem: agressões ignoradas, medidas protetivas descumpridas e finais trágicos que escancaram o ciclo persistente da violência de gênero no centro do país.

O caso mais recente ocorreu em 24 de outubro de 2025, quando a dona de casa Camila Rejaine de Araújo, 50 anos, foi brutalmente assassinada pelo companheiro em Sobradinho II, no Sítio dos Anjos. Na manhã daquela sexta-feira, após uma discussão iniciada na noite anterior, Agnaldo Nunes da Mota, 50, desferiu dois golpes de picareta na cabeça de Camila. O agressor chegou a arrastar a vítima por cerca de 100 metros, em direção a uma cachoeira. A investigação revelou que Agnaldo já havia agredido Camila anteriormente, em março, chegou a ser preso e indiciado por tentativa de feminicídio após esfaqueá-la, mas acabou solto pela Justiça. Desta vez, foi autuado por feminicídio consumado e permanece preso.

No início de outubro, outro crime chocou a população. Em 7 de outubro, Marcela Santos Silva, de 22 anos, foi encontrada morta na residência da família, em Planaltina. Inicialmente, o pai da jovem, Marcelo Santos, alegou que ela teria sofrido uma overdose, mas laudos periciais indicaram lesões incompatíveis com tentativas de reanimação. A polícia descobriu que o pai tentou alterar a cena do crime, limpando vestígios de sangue e removendo objetos. O caso passou a ser tratado como feminicídio cometido pelo próprio pai, que foi preso dias depois em uma clínica de reabilitação, em Águas Lindas (GO).

Semanas antes, em 23 de agosto, Pâmella Maria Rocha Rangel, 21 anos, foi assassinada dentro de casa com um golpe de faca no peito desferido pelo namorado, Flávio do Nascimento Santos, 42. A jovem já havia denunciado o agressor e tinha medida protetiva de urgência. Na noite do crime, após uma briga e consumo de álcool, Flávio atacou a vítima. Vizinhos ouviram os gritos de socorro e acionaram o Corpo de Bombeiros, mas Pâmella não resistiu. O autor fugiu e foi encontrado pela PM escondido dentro de uma cova no cemitério da cidade.

Esses são apenas os exemplos mais recentes de um cenário contínuo de brutalidade. Em diferentes regiões do DF, as histórias seguem um mesmo padrão: relações abusivas, denúncias anteriores, promessas de mudança e, por fim, a morte anunciada.

Segundo a Secretaria da Mulher do Distrito Federal (SMDF), os Centros Especializados de Atendimento à Mulher (CEAMs) realizaram 7.451 atendimentos entre janeiro e agosto de 2025, acolhendo 3.303 mulheres em situação de violência.
Nos últimos quatro anos, o GDF ampliou em 743% os investimentos em políticas públicas voltadas à mulher, expandindo de 14 para 31 unidades de atendimento. Em 2025, foram criados quatro novos Centros de Referência da Mulher Brasileira (CRMB) em regiões periféricas como Recanto das Emas, Sobradinho II, São Sebastião e Sol Nascente.

Entre os principais programas estão o Aluguel Social para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, que hoje beneficia 614 mulheres com R$ 600 mensais; o Programa Acolher Eles e Elas, que atende 179 órfãos do feminicídio com auxílio financeiro e apoio psicossocial; e o Passe Livre, que garante transporte gratuito a 662 mulheres e dependentes.

Outra iniciativa emblemática é a construção da nova Casa da Mulher Brasileira, na SGAS 903, Asa Sul. O espaço, de 10 mil metros quadrados, reunirá Delegacia da Mulher, Juizado Especial, Defensoria Pública, alojamento temporário e centro de capacitação profissional,  oferecendo acolhimento integral às vítimas.

O DF conta ainda com nove Espaços Acolher, voltados à reeducação de agressores e acompanhamento das mulheres; uma Casa Abrigo sigilosa para proteção emergencial; e Comitês de Proteção à Mulher em várias regiões administrativas. Essas estruturas integram uma rede de acolhimento que busca interromper o ciclo de violência, mas o desafio permanece: garantir que as políticas públicas atuem antes que o crime aconteça.

A repetição dos casos mostra que o problema vai além das estatísticas. Cada mulher assassinada deixa filhos órfãos, famílias devastadas e uma comunidade marcada pela sensação de impotência. Enquanto medidas protetivas são desrespeitadas e denúncias ignoradas, o feminicídio segue fazendo vítimas uma a cada duas semanas, em média, no Distrito Federal.

Memorial das vítimas de feminicídio no DF em 2025

  1. Ana Moura Virtuoso, 27 anos – Estrutural
    Morta a facadas dentro de casa pelo companheiro Jadyson Soares da Silva, na frente dos dois filhos. Já havia registrado mais de cinco ocorrências por violência doméstica.
  2. Gilvana de Sousa Silva, 46 anos – Taguatinga
    Encontrada morta em um matagal na Boca da Mata, com sinais de pancadas na cabeça. O autor não foi identificado.
  3. Géssica Moreira de Sousa, 17 anos – Planaltina
    Assassinada a tiros dentro de uma igreja pelo ex-namorado Vandiel Próspero da Silva, na frente da filha de dois anos.
  4. Ana Rosa Rodolfo de Queiroz Brandão, 49 anos – Cruzeiro
    Motorista de aplicativo, foi morta por Antônio Ailton da Silva, que a escolheu como vítima por ser mulher.
  5. Dayane Barbosa Carvalho, 34 anos – Fercal
    Assassinada pelo companheiro Jovercino Antônio de Oliveira, que cometeu suicídio em seguida.
  6. Maria José Ferreira dos Santos, 31 anos – Recanto das Emas
    Esfaqueada três vezes pelo marido Neilton Pereira Soares, na presença dos filhos.
  7. Elaine da Silva Rodrigues, 36 anos – Planaltina (Assentamento Oziel Alves)
    Desaparecida em janeiro, teve o corpo encontrado em abril. O marido Marcelo Inácio da Conceição confessou o crime.
  8. Marcela Rocha Alencar, 31 anos – Paranoá
    Mulher com deficiência intelectual, foi estrangulada por Renato Carlos de Souza Pereira, morador de rua acolhido por ela.
  9. Valdete Silva Barros, 46 anos – Sol Nascente
    Morta com golpe perfurante na coxa pelo companheiro José Ribamar Cunha Pereira, após uma briga.
  10. Vanessa da Conceição Sousa, 32 anos – Samambaia
    Assassinada a facadas pelo companheiro Silvoneide Carvalho de Torres, no portão de casa.
  11. Liliane Cristina Silva de Carvalho, 33 anos – Ceilândia
    Esfaqueada com pelo menos 11 golpes pelo ex-companheiro Rafael Moreira da Cruz, dentro de casa.
  12. Telma Senhorinha da Silva, 51 anos – Estrutural
    Levou um tiro na cabeça do marido Valdeir Teodoro da Silva, que cometeu suicídio após o crime.
  13. Cheryla Carvalho de Lima, 43 anos – Samambaia Sul
    Assassinada com facadas no estacionamento de uma academia por João Paulo Silva Matos, com quem se relacionava havia um mês.
  14. Camila Pereira Lopes, 28 anos – Itapoã II
    Esfaqueada pelo companheiro Willian Lopes, na frente da filha de 8 anos.
  15. Pâmella Maria Rocha Rangel, 21 anos – Brazlândia
    Morta com uma facada no peito pelo namorado Flávio do Nascimento Santos, após discussão.
  16. Marcela Santos Silva, 22 anos – Planaltina
    Asfixiada pelo próprio pai, Marcelo Santos, que tentou simular uma overdose.
  17. Camila Rejaine de Araújo, 50 anos – Sobradinho II
    Golpeada com picareta pelo companheiro Agnaldo Nunes da Mota, com quem já havia sofrido tentativa de feminicídio.
  18. Raquel Gomes Nunes, 46 anos – Recanto das Emas
    Estrangulada é encontrada morta no banheiro de casa, com as mãos amarradas. O companheiro Fábio de Souza Santos é o principal suspeito e está foragido.

Os demais casos seguem sob sigilo ou com investigações em andamento. Cada nome dessa lista representa uma vida interrompida e um alerta sobre a urgência de políticas mais eficazes para prevenir e combater o feminicídio no Distrito Federal.

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