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Brasília

Autor brasiliense expõe sua obra sobre os conceitos da liberdade na Bienal do Livro Rio

A obra aborda temas polêmicos como uma metáfora para destrinchar aspectos que a sociedade ignora ou se utiliza de uma pré-definição comum sobre assuntos moralmente abomináveis ou mesmo criminosos

Redação Jornal de Brasília

03/12/2021 11h57

Foto: Denver Moura/Divulgação

Amanda Karolyne
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Brasília vai ter um representante na  20ª Bienal do Livro Rio. O autor Anderson Souza vai expor sua obra Fumaças Bailarinas no Salão da Liberdade numa sessão de autógrafos do evento, dia 5 de dezembro. O autor irá apresentar seu livro pela editora carioca Autografia, às 14h30, no estande da editora cujo livro foi publicado. A Bienal do Rio é considerada o maior festival literário da América Latina, que acontece entre os dias 3 e 12 de dezembro no Centro de Convenções Riocentro, situado na Barra da Tijuca (RJ), com 50% da capacidade presencial, além de transmissão online. 

Fumaças Bailarinas no Salão da Liberdade, chegou a ocupar a posição de mais vendido na categoria “humor ácido” da Amazon, foi lançado no fim de 2019, mas com a pandemia começando no ínicio de 2020, não teve a oportunidade de ser exposto na Bienal de 2020, que foi cancelada. A obra de Anderson brinca com o conceito de liberdade, e aborda temas polêmicos. Nas palavras do autor, “são várias dicotomias e visões distorcidas necessárias para analisarmos algumas questões sob uma outra perspectiva”. Ele destaca que o livro é para quem tem estômago forte, uma obra que funciona como “um tapa na cara dos tradicionais costumes”.

A narrativa se desenvolve em um futuro não datado, em uma sociedade que passou por diversas modificações culturais e morais. “O cenário é um período transitório entre um contexto político de combate às drogas para uma ‘era’ de liberação total de narcóticos. Em seguida, ocorre o retorno à ideologia conservadora de outrora”, explica Anderson. Na sinopse do livro, podemos ver a descrição de um contexto em que “toques de recolher não são mais necessários, programas infantis de incentivo ao consumo de entorpecentes são retirados do ar e juízes deixam de tomar ayahuasca para convocar mortos como testemunhas em julgamentos”. E ainda: “Em um salão de liberdades promíscuas, um viciado em drogas inconsequente, um judeu golpista, um decadente jornalista e uma jovem que nutre um carinho mais que especial por crianças e animais se unem na tentativa de ajudar um amigo rapper suspeito de assassinar, a sangue frio, uma garota de programa”.

Anderson é brasiliense, jornalista, escritor, poeta e compositor. Fumaças Bailarinas no Salão da Liberdade é sua estreia no gênero de romance, tem um livro de poemas publicado anteriormente, Reflexos da Lua Sobre o Sol. A equipe de reportagem do Jornal de Brasília conversou com o escritor sobre a obra e sua participação no evento. 

Como é para você, ocupar a posição de mais vendido na categoria de humor ácido na Amazon? Que hoje em dia, inclusive, é uma das plataformas mais utilizadas por autores independentes.

Anderson Souza: Fui pego completamente de surpresa quando vi a minha obra estampando a primeira posição. Naturalmente, além de pasmo, fiquei satisfeito com a sensação de que o tempo dedicado ao livro – três meses de intensa dedicação – e que aquela história ‘escandalosa’ que eu queria contar estava chegando e tocando as pessoas. É o baú que todo escritor, creio, espera encontrar no fim do arco-íris (risos). 

Para sua carreira como autor, qual a importância de participar de um evento como a Bienal do Rio? 

Anderson Souza: Trata-se do maior evento literário da América Latina. Então, participar de um encontro com outros autores, inclusive de outros países, é uma oportunidade ímpar, sobretudo após um momento de total isolamento como o que passei por mais de um ano, assim como muitos também passaram. Poder passar por essa troca de experiências tendo publicado apenas um romance. É incrível e acredito que pode dar uma guinada em minha carreira literária e até na motivação para concluir minha próxima obra que já está em desenvolvimento.

Seu livro foi lançado no final de 2019, antes de todo o mundo mudar, você acha que agora é como se fosse uma segunda chance para o universo literário como um todo de poder se reunir e celebrar a literatura brasileira? 

Anderson Souza: Com toda a certeza. O meio literário tende a ser visto como um exercício solitário, que se pratica de forma isolada, pois é só você e o “monólogo imutável” do autor impresso no papel. Com a pandemia, que, infelizmente, ainda circunda a nossa vivência, vimos o surgimento de uma necessidade de aproximação entre os leitores e seus autores por meio de lives que passaram a ter outra conotação nos dias de hoje, praticamente. Desde antes da pandemia, claro, a internet já proporcionava essa aproximação e a descoberta de novos autores que passaram a ter a possibilidade de publicarem seus materiais de forma independente através de e-books. Podermos nos reunir e celebrar aquilo que mais nos incita a viver será, de fato, uma segunda chance para todos nós.

Qual a diferença desse livro para Reflexos da Lua sobre o Sol? E o que te move como escritor e te inspira a escrever cada uma dessas obras? 

Anderson Souza: De cara, a grande diferença é que o Reflexos da Lua sobre o Sol é um livro de poemas, nascido de um impulso meu e de outros três amigos poetas (Davi Kaus, Felipe Alves e Janine Carvalho) para que expuséssemos nosso âmago poético, que então floria de modo exponencial, ao menos no meu caso. Lembro que passei a escrever contos e, sobretudo, poemas e letras de música quando tinha 15 anos. E o que me motivava então era a vontade de brincar com as palavras, minha cabeça trabalhava como uma oficina de experimentações gramaticais, além de uma necessidade infindável de exaltar meus poetas favoritos – Augusto dos Anjos, Leminsky, Rimbaud, Allen Ginsberg – a todo momento. Após passar a trabalhar mais meu lado lírico, essa necessidade continuou, somada ao jornalismo, que passou a ser meu ofício, e daí passei a fazer anotações empíricas de tudo à minha volta, principalmente das coisas absurdas que acontecem do nosso lado e, muitas vezes, relevamos. O Fumaças Bailarinas no Salão da Liberdade é um exemplo perfeito desse alinhamento da ficção com situações reais que presenciei e registrei em anotações.

Quais suas inspirações literárias o levaram a escrever Fumaças Bailarinas no Salão da Liberdade? E quais as inspirações externas? 

Anderson: Para o Fumaças Bailarinas no Salão da Liberdade utilizei várias técnicas literárias que vão desde a dramaturgia, ao fluxo de consciência e mesmo textos para tablóides ficcionais. Assim, considero que tive inúmeras referências, mas seria injusto não citar alguns escritores como Rubem Fonseca, Hunter S. Thompson, Jack Kerouac e William S. Burroughs.

Essa frase é bem interessante “precisamos dos outros para ser quem somos”, pode se concluir que cada personagem de Fumaças Bailarinas no Salão da Liberdade sejam a soma das experiências uns com os outros? Assim como as pessoas na vida real são também. 

Anderson: E também a soma dos “eus” que carregamos conosco. Trata-se de uma análise psicanalítica básica do ser enquanto ocupa seu espaço na convivência social. No dia a dia, agimos de diversas formas e essas insinuações variam de acordo com as pessoas com quem trombamos em nosso caminho, e muitas vezes essa forma de agir é a que usamos ao nos deparamos com nós mesmos refletidos pelos olhos de cada pessoa. Esse olhar e o pré-conceito que cada um que nos rodeia tem de nós nos faz ser quem somos, porque estampamos em nossos rostos uma máscara de argila fresca que é passível de ser moldada a cada instante, a cada comentário e a cada gesto. Afinal, tudo o que somos é a imagem que criamos. 

Sobre a pedofilia e zoofilia de Angela, o que te levou a criar uma personagem pedófila e zoofila? Geralmente temos muitos personagens masculinos com essas características criminosas, porque você quis tratá-las como parte da personagem de Angela? 

Anderson: Temos uma personagem mulher que viola o defunto do marido como resposta ao que acredita ser pregado por sua religião quando diz “até que a morte nos separe”; um personagem que se diz comunista e usa transporte público, mas não paga a passagem para não “contribuir com o sistema capitalista”, enquanto compra camisas de grife que ostentam estampas de Che Guevara; um personagem que propaga discursos anti-semitas sendo que seu melhor amigo é judeu; outro que é fumante, mas odeia as pessoas que fumam perto dele. Na sociedade do livro, por se tratar de uma mulher pedófila, os meninos que foram vítimas acabam sendo congratulados por terem perdido a virgindade, em vez de vitimizados. 

No livro os seus personagens passam por muitas reflexões quase que a nível de crise de identidade, você acredita que essa seja uma questão universal? Passar por tantas reflexões assim? 

Anderson: Acredito que sim, uma vez que, como nunca, somos bombardeados diariamente com todo tipo de informação, como tudo chegando ao mesmo tempo e agora. Isso, naturalmente, acredito que nos alimenta com uma inércia de ansiedade, um embate constante entre o nosso desejo por uma ilusão de nos mantermos sempre bem com a realidade. As pessoas se tornam peças ambientadas em um jogo em que a atmosfera do tabuleiro é permeada pelo mal do século. Vejo assim, de forma geral, embora as crises no livro estejam muitas vezes atreladas às minhas próprias.

Qual o conceito por trás dessa era utópica no universo de Fumaças Bailarinas no Salão da Liberdade? Nesse universo fictício me parece que as coisas se reverteram, onde antes tudo era liberado e agora já não é mais. Você teve alguma inspiração real para criar esse mundo? 

Anderson: Como já disse, a ideia foi justamente reverter a lente de observação dos cenários. A busca por algo 100% utópico acaba servindo mais como um carvão para a locomotiva sem freio no trilho evolutivo que estamos. Às vezes, alcançamos objetivos essenciais, mas também podemos ter que abrir mão de outras conquistas, e assim seguimos nossa viagem. O tempo muitas vezes nos condiciona a mantermos a cabeça no lugar, em que colocamos o conceito de “liberdade” como coadjuvante, sendo que ao atingi-la, se fosse possível, nos tornaríamos presos à própria “liberdade”. É ser independente dependendo da independência.

Porque exatamente o foco nas drogas e vícios? 

Anderson: É um tema que caminha lado a lado com a nossa história desde os primórdios. E acaba sendo um exemplo claro sobre a questão da utopia que foi dita. O termo “guerra contra as drogas”, como ficou popularizado no início da década de 70 durante a gestão do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, serve de parâmetro quando observamos o que tudo aquilo desencadeou no planeta, tanto macro como micro, economicamente e socialmente falando. A busca pelo fim definitivo do consumo de drogas de forma opressiva, o que outrora era utópico, hoje é tido como prejudicial e, países como a França que já tratam como questão de saúde pública em vez de segurança, já obtêm resultados positivos. No livro, os dois cenários são apresentados, de forma absurda muitas vezes, e a mensagem que fica é que tudo depende da ótica e do establishment dentro de uma sociedade.

Qual a mensagem que você espera transmitir com seu livro? Por abordar temas que são um pouco difíceis de ler, com assuntos polêmicos mesmo dentro desse mundo fictício, você espera passar alguma mensagem para o leitor? 

Anderson: A mensagem é de reflexão enquanto agente social. Na obra, temos uma sociedade que pode encontrar a ‘liberdade’ se prendendo à perdição. Em qualquer situação, o sonho pela liberdade pode ser frustrado, como o de Ícaro em sua triste tentativa de fugir de Creta voando com asas de cera. A frustração, muitas vezes, é importante para percebermos a maneira como o tempo parece escorrer sem que possamos ter controle algum. E vivemos em um país que perdeu o senso do absurdo, por isso, em uma época em que tudo ofende e nada espanta, resta apenas a ousadia dos artistas.

Por fim, você tem algum projeto literário planejado para o futuro? 

Anderson: No momento, estou com dois projetos literários, um pronto e outro em andamento. O que está para sair do forno é um novo livro de poemas, que será lançado no início do próximo ano. O que está em desenvolvimento é o meu segundo romance, que dei início agora, em plena pandemia, e que espero concluir no próximo ano. A ideia é que eu revisite em memória vários momentos do meu passado para algo que vejo como um “Em Busca do Tempo Perdido”, de Proust. O que posso adiantar é que tudo voltará a ser revertido, um livro para se ler de ponta cabeça, literalmente. 

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