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Brasília

Adoção: espera de curso parece sem fim

Arquivo Geral

30/11/2014 9h00

No processo de adoção, o Curso de Preparação Psicossocial e Jurídica não é apenas obrigatório, mas também fundamental para ajudar na adaptação de quem receberá uma ou mais crianças. Oferecido apenas pela Vara da Infância e da Juventude (VIJ) do Distrito Federal, no entanto, o tempo de espera para realizá-lo pode ultrapassar um ano, devido à falta de profissionais.  

Regulamentado pela Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009, ele tem carga horária de 12 horas, distribuídas em quatro encontros, “nos quais a equipe técnica procura promover a reflexão sobre aspectos de ordem jurídica e psicossocial sobre o significado da adoção”, de acordo com a VIJ. Ainda segundo a Vara, os métodos empregados envolvem “vivências, dinâmicas de grupo, compartilhamentos coletivos, testemunhos de famílias que adotaram e apresentação da história de vida dos menores abandonados”.

A VIJ afirma que conta com 14 profissionais, entre psicólogos e assistentes sociais, à disposição para ministrar os cursos, oferecidos todos os meses. Por ano, a estimativa é de que 220 famílias sejam habilitadas para a adoção, entre fevereiro e dezembro, quando existe a oferta de turmas nos períodos matutino e vespertino. Atualmente, existem 442 famílias habilitadas para adoção no Distrito Federal.

Carência

Segundo a Vara da Infância e da Juventude (VIJ), existe uma carência de profissionais para atender toda a demanda do Distrito Federal. O órgão destaca que os mesmos psicólogos e assistentes sociais que ministram os cursos se dividem entre outras atividades.  Entre elas, estudos psicossociais dos processos adotivos, cartas precatórias, preparação de crianças e adolescentes para o momento de acolhimento, coordenação e avaliação dos estágios de convivência entre os novos pais e filhos, acompanhamento de gestantes que pretendem entregar seus bebês para adoção e alimentação do Cadastro Nacional de Adoção.

“O número de servidores existentes no quadro atual, levando-se em conta a população do Distrito Federal, de mais de 2,5 milhões de habitantes, é enormemente incompatível com o contexto demográfico”, admite o supervisor da área de adoção da Vara da Infância, Walter Gomes de Sousa. Em média, isso significa quase 180 mil habitantes por profissional da Vara da Infância.

Passo a passo

1 Ao decidir adotar, além de ser maior de 18 anos e ter pelo menos 16 anos de diferença da criança ou adolescente, é preciso providenciar identidade, CPF, certidão de casamento ou nascimento, comprovante de residência, de rendimentos ou declaração equivalente, atestado ou declaração médica de sanidade física e mental e certidões cível e criminal.

2 Será preciso fazer uma petição – preparada por um defensor público ou advogado – para dar início ao processo de inscrição para adoção (no cartório da Vara de Infância). Só depois de aprovado, seu nome será habilitado a constar dos cadastros local e nacional de pretendentes à adoção.

3 Realizar o curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção. Depois, o candidato é submetido à avaliação psicossocial com entrevistas e visita domiciliar. Algumas comarcas avaliam a situação socioeconômica e psicoemocional dos futuros pais adotivos apenas com as entrevistas e visitas. O resultado  será encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara da Infância.

4 Pessoas solteiras, viúvas ou que vivem em união estável também podem adotar; a adoção por casais homoafetivos ainda não está estabelecida em lei, mas alguns juízes já deram decisões favoráveis.

5 Durante a entrevista técnica, o pretendente descreverá o perfil da criança desejada. É possível escolher o sexo, a faixa etária, o estado de saúde, os irmãos etc. Quando a criança tem irmãos, a lei prevê que o grupo não seja separado.

6 A partir do laudo da equipe técnica da Vara e do parecer emitido pelo Ministério Público, o juiz dará sua sentença. Com seu pedido acolhido, seu nome será inserido nos cadastros, válidos por dois anos em território nacional.

7 Se aprovado, você está automaticamente na fila e agora aguardará até aparecer uma criança com o perfil compatível com o perfil fixado pelo pretendente durante a entrevista técnica, observada a cronologia da habilitação. Caso seu nome não seja aprovado, busque saber os motivos, pois você pode se adequar e começar o processo novamente.

 Mudança ao longo dos anos

A advogada Marta Leitão Brandão Subtil, 44, tem três crianças adotivas e passou pelo curso todas as vezes em que se predispôs a aceitar um novo filho. “Havia palestras e depoimentos de outras pessoas. Minhas dúvidas eram respondidas e havia dinâmicas para trabalhar as dificuldades que você poderia vir a ter”, afirma. 

Sua primeira adoção aconteceu em 2001, e foi a de seu filho mais velho, Vinícius, hoje com 14 anos. Ela acolheu o menino quando ele tinha um ano e cinco meses e, como foi sua primeira experiência, diz que a habilitação, mesmo não- obrigatória à época, foi válida.  O encanto com o processo foi tanto que ela repetiu a dose para Luma, de nove anos, e Enzo, de sete.

De acordo com a advogada, atualmente, a habilitação perdeu a qualidade. O relato de amigas que passam pelo curso é de que “estão colocando medo em quem frequenta”. “Os profissionais falam como se fosse um crime o que você está fazendo. Como se estivéssemos tirando alguém de uma família”, explica.

Longa espera

O baixo quantitativo de funcionários pode explicar o longo tempo de espera para fazer o Curso de Preparação Psicossocial e Jurídica, oferecido pela VIJ.  Para a psicóloga  Jussara Tatiana de Oliveira Simões Prelorentvou, 39 anos, foram quatro anos de espera, desde a entrada dos papeis necessários para fazer parte do Cadastro Nacional e ser considerada, ao lado do marido André, habilitada para adoção. De acordo com ela, os primeiros  documentos foram entregues em 2006 e  a autorização para receber uma criança só veio em 2010.

“Uma amiga minha trabalhava na Vara e nos indicou o processo de adoção. Ela avisou que era um caminho difícil, mas pediu que esperássemos. Queríamos muito ter filhos, mas estava difícil de acontecer”, conta a mãe de Maria Tereza, hoje com cinco anos. 

Ter um bebê era um sonho antigo na vida do casal, mas nunca havia se tornado realidade por conta dos problemas de fertilidade. Paralelamente a tratamentos médicos, Jussara e o marido decidiram, então, se habilitar para receber uma filha.

Ela conta que a decisão de adotar levou tempo. “Demoramos  a aceitar a ideia da adoção. Quando nossa amiga sugeriu, abrimos o coração para essa solução. Depois de uma pesquisa, uma psicóloga da VIJ visitou nossa casa”, conta.

Após dois anos no aguardo,  Jussara decidiu entrar em contato com a VIJ e foi informada de que ainda havia cem casais à sua frente na fila de espera para o curso.

Saiba mais
A Lei 12.010/09, que regulamentou a obrigatoriedade do curso, dispõe sobre “o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes”, e serve de complemento ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
 
Apesar de disponibilizar informações, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), informou que não é de sua competência avaliar a agilidade e disponibilidade de cursos de habilitação para adoção oferecidos pela Vara da Infância e Juventude (VIJ) nem avaliar a oferta de profissionais

Casal escolheu criança com limitações

A psicóloga Jussara Tatiana de Oliveira, 39, conta que decidiu mudar o perfil da criança para aumentar as chances de adoção. “Queríamos uma criança de zero a três anos e, depois, nos habilitamos a receber uma criança com doença tratável. Isso fez com que passássemos na frente de muita gente”, relata. A filha de Jussara, Maria Tereza, tem síndrome de DiGeorge, o que a faz ter atraso motor, dificuldades na comunicação, na locomoção e ser cadeirante.

Ela aconselha quem quiser adiantar seu processo para entrar no curso de habilitação e conseguir uma criança que se encaixa em seu perfil a optar por acolher irmãos, crianças mais velhas ou com alguma doença tratável. 

De acordo com a VIJ, existem 97 crianças e adolescentes disponibilizados para adoção no DF, sendo que apenas uma conta com menos de dois anos de idade. “Temos 71 adolescentes e pré-adolescentes aptos para adoção, de 10 a 17 anos”, esclarece o supervisor Walter Gomes. “Aproximadamente 70% de todos eles fazem parte de grupos de irmãos de dois a seis integrantes”, completa.

Apesar de casos como o de Jussara, ele diz que o tempo médio de espera para a convocação e conclusão de curso é de cinco meses. O de espera para começar a habilitação seria de três meses. A Vara não respondeu sobre previsão para contratação ou recebimento de novos servidores.

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