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Brasil

Vítimas de Paraisópolis tinham entre 14 e 23 e parte não morava na região

O baile funk reúne entre 3 mil e 5 mil pessoas em fins de semana e é considerado por muitos moradores como a principal alternativa de lazer da favela

Aline Rocha

03/12/2019 8h47

Da Redação
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Os jovens que morreram pisoteados no baile funk em Paraisópolis tinham entre 14 e 23 anos e parte deles saiu de outros bairros da cidade ou da Grande São Paulo para participar da festa. O fato de não conhecerem Paraisópolis pode ter dificultado a fuga, segundo moradores.

A vítima mais jovem é Gustavo Cruz Xavier, de 14 anos, conhecido como “Risadinha. “Ria de tudo, não ficava mal. Era muito feliz”, conta o tio, o ascensorista Roberto de Oliveira, de 44 anos. Oliveira diz que o adolescente perdeu o pai há oito anos e os bailes eram sua diversão. “Ele só tinha tamanho, era um menino bom.”

O operador de telemarketing Bruno Gabriel dos Santos tinha feito 22 anos na sexta. Morador de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, saiu de casa dizendo que ia comemorar com amigos. Na saída, pediu para a mãe fechar o portão “bem fechado” e avisou que não dormiria em casa. “Saiu com uma sacolinha na mão. Tinha acabado de fazer aniversário e disse que ia dormir na casa de um amigo, que eles iam comemorar por ali ou comer uma pizza. Nunca nem soube que ele tinha ido nesse baile. Somos de Mogi. O que o Bruno foi fazer nesse lugar?”, indagou a irmã adotiva do jovem, a professora Vanini Cristiane Siqueira, de 39 anos.

A notícia da morte chegou no domingo, por volta da hora do almoço. “Chegaram quatro amiguinhos perguntando por ele. Aí, eles começaram a chorar e mostraram um vídeo com o meu irmão caído com o corpo para cima, com o rostinho para cima. Parece que não deu para ele se defender.” Os colegas contaram que houve correria e as pessoas levaram garrafadas.

“Ele foi o único que correu para o lado errado. Os outros conseguiram se salvar. Agora, a gente quer justiça e saber o que realmente aconteceu. Por que eles não puderam se defender? Por que foram pegos tão de surpresa?”, indaga. Vanini acredita que o irmão foi agredido. “Tudo indica que ele foi pego na cabeça ou foi atingido de frente. Era um menino calmo, quieto, não era de responder a ninguém.”

Lazer

Mateus dos Santos Costa, de 23 anos, era de Maracás, na Bahia, e tinha se mudado para São Paulo havia cinco anos em busca de oportunidades. Morava em Carapicuíba, na Grande São Paulo, e trabalhava vendendo produtos de limpeza de porta em porta. A cunhada do jovem, a empregada doméstica Silvia Ferreira, de 48 anos, diz que ele morava sozinho e não era frequentador assíduo do baile. “Era raro ele vir para cá (Paraisópolis). Em Carapicuíba, não tem nada. Aqui, tem tudo. Meu filho também gosta do DZ7 (baile funk que ocorria no sábado), é um divertimento”, disse ela, na delegacia do bairro.

A família não aprovava a presença dos jovens no baile. “A gente cansava de avisar para ele não ir para lá. Eu falo para meu filho, mas é maior de idade. Quando a gente fala para eles não irem, eles já foram”, diz.

Segundo a cunhada, Costa era um jovem trabalhador. “A ação da polícia foi uma imprudência. Não tem como entrar desse jeito em um lugar cheio de jovens.” Ela também questionou a morte por pisoteamento. “O atestado de óbito diz agente contundente. O que isso significa? Alguma coisa acertou ele. Isso não vai ficar impune.” 

Baile da Dz7 é opção de lazer para até 5 mil pessoas

Alvo da ação da Polícia Militar que terminou com nove mortos e 12 feridos, o Baile da Dz7 é o pancadão mais famoso de Paraisópolis. Há quase uma década, o baile funk reúne, em média, entre 3 mil e 5 mil pessoas em fins de semana e é considerado por muitos moradores como a principal alternativa de lazer da favela. Hoje, a maior parte do público vem de outros bairros da capital ou da Grande São Paulo e a festa até recebe caravanas de fora do Estado.

Não raro, o pancadão começa na quinta-feira e só termina no domingo. Sábado é considerado o pico do evento. No Baile da Dz7, uma série de bares abre as portas durante a madrugada e carros ou paredões de som tocam funk nas alturas. Também há alto consumo de bebidas alcoólicas e de drogas, segundo relatam os moradores.

Embora não tenha autorização legal ou estrutura adequada, a região chega a realizar festas com 30 mil pessoas. A multidão toma principalmente a Rua Ernest Renan, para onde também vai a maioria dos vendedores ambulantes, mas o fluxo se espalha ainda por outras ruas e vielas do entorno.

“Das pessoas que participam do baile funk, 80% não são moradores de Paraisópolis”, afirma o líder comunitário Gilson Rodrigues. “Muitos jovens vêm do Morumbi, que é vizinho daqui, ou de outras áreas da cidade. Vários frequentadores vêm de municípios próximos e há excursões de outros Estados.”

Esse era o caso de algumas vítimas da tragédia no baile funk. O jovem Denys Henrique Quirino da Silva, de 16 anos, por exemplo, morava no Limão, bairro do outro lado da cidade, na zona norte. “Ele saiu para trabalhar e não voltou”, diz a mãe, Maria Cristina Portugal.

Moradores negam a versão oficial da PM de que uma moto teria entrado atirando no baile e afirmam que os frequentadores, na verdade, foram encurralados pelos policiais. Para Rodrigues, as vítimas que não eram de Paraisópolis sofreram ainda mais na correria. “Eles não sabiam que essa viela tem uma escada”, afirma, apontando para o beco onde a maioria dos corpos foi encontrada. “Acabaram caindo e sendo pisoteados, como se fossem uma ‘rampa’.”

“Os bailes funk acontecem por ausência de outras oportunidades ou alternativas de lazer”, afirma Rodrigues. “Eu gostaria que tivesse estrutura e segurança. O baile já é uma realidade há muitos anos e não vai acabar, então tem de estruturar.”

O morador Rogério Ferreira, de 29 anos, defende o pancadão. “É o único lazer que nós temos. Não consigo pagar o ingresso de uma balada fora daqui”, diz. “É claro que tem problema de barulho ou xixi na rua. Mas querem acabar com o problema sem dar solução.”

Prevenção

Em entrevista à Rádio Eldorado, o porta-voz da PM, tenente-coronel Emerson Massera, disse, nesta segunda-feira, que ainda “não é possível apontar que houve uma falha dos policiais” “O baile funk acontece há anos na comunidade de Paraisópolis, sem estrutura adequada. É preciso focar em providências para oferecer local mais adequado para a realização”, afirmou. 

 

Estadão Conteúdo

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